O melhor caminho seria
convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva. Os integrantes ficariam proibidos
por dez anos de concorrer a cargos políticos
Por Wálter
Maierovitch, no site da Carta Capital
Todos já viram
um cachorro desesperado na tentativa de morder o próprio rabo. Políticos e
governantes brasileiros, sem eixo e divorciados dos representados, se parecem,
depois das pressões das ruas, com o tal cachorro. Dilma Rousseff percebeu
representar a consulta popular um bom caminho e raramente praticado no Brasil.
Deveria partir, porém, de projeto concreto, escrito e a ser submetido a
referendo dos cidadãos. Ela preferiu um indefinido e vago plebiscito. Só para
lembrar: a “bancada da bala” conseguiu até manipular a consulta popular sobre
armas e munições. Com o plebiscito, a facilidade aumenta.
Como registrei
na edição passada, o melhor caminho seria convocar, pois o poder emana do povo
e este está insatisfeito e indignado, uma Assembleia Nacional Constituinte
exclusiva. Mais ainda, clausulada com a impossibilidade de o constituinte
eleito não poder, por dez anos, concorrer a cargos políticos. Vale lembrar: o
poder constituinte originário é o maior e os outros (Executivo, Legislativo e
Judiciário) são constituídos por ele.
Em 1988, e
quando das atividades laborativas geradoras da atual Constituição, sem esquecer
um confesso e cesarista Nelson Jobim que introduziu artigos não levados ao
conhecimento e à aprovação dos seus pares constituintes, não tivemos uma
Assembleia Nacional Constituinte. Tivemos um Congresso Constituinte, ou seja,
599 deputados e senadores com a responsabilidade de também elaborar uma
Constituição, isso depois de 21 anos de ditadura.
O Brasil, faz
tempo, vai mal nos campos da saúde e da educação. E poderosos e potentes
desfrutam, por estarem parasitariamente grudados no poder, das nossas riquezas.
Nosso Congresso está travado e os políticos desmoralizados, pois desde FHC se
fala em reforma política, e a que saiu mesmo foi a reeleição lastreada pela
compra de votos. O marqueteiro ministro da Saúde de FHC, recém-falecido
politicamente, não conseguiu minorar as desumanidades nos hospitais públicos e
logrou ocupar a mídia ao apropriar-se da iniciativa dos genéricos do
ex-ministro Jamil Haddad. Muitos partidos transformaram-se em legendas de
aluguel. O Supremo Tribunal invade, com o eufemístico rótulo de “ativismo
judiciário”, campos de competência constitucional de outros poderes.
Os
parlamentares de 1988 tentaram fechar a porta a uma futura Assembleia
Constituinte, apesar de saberem que as constituições não são imutáveis. Para
isso, criaram dois limitados mecanismos reformadores. A propósito, a
Constituição de 1988 prevê a reforma constitucional por meios de emenda ou de
revisão. Isso está expresso no artigo 60 (emenda) do seu corpo e no artigo 3º
das Disposições Constitucionais transitórias (revisão).
No caso de
emenda, o presidente da República está legitimado a apresentar essa proposta e
caberá discussão e aprovação, em dois turnos, em cada uma das Casas do
Congresso. Para a aprovação são necessários três quintos dos votos dos membros.
Como se nota, a inicial proposta da presidenta de reforma política por emenda
constitucional passaria pelo nihil obstat do Congresso Nacional. Daí
o recuo de Dilma com relação à constituinte para a reforma política.
Pelo que se
percebe, Dilma tentou jogar com a alteração constitucional avalizada por
um plebiscito e para forçar o Congresso a promover a reforma política, ou seja,
uma questão de relevância social. Faltou-lhe, e isso foi decepcionante, indicar
o que pretendia na reforma. Por exemplo, um recall (cassação de
parlamentares por iniciativa popular) como remédio para a cura dos Felicianos,
o voto distrital (puro, misto ou qualificado), o fim da reeleição etc.
No momento, e
como frisado acima, Dilma luta por um plebiscito para saber algo óbvio. Até as
pedras das praças percebem o desejo dos cidadãos por uma profunda reforma
política. Não se deve esquecer, no entanto, que no plebiscito e no referendo (e
este é o mais indicado) a convocação se dá por decreto legislativo: art. 14 da
Constituição e Lei Regulamentadora nº 9.709/98. Em outras palavras, tudo
ficaria na pendência do Legislativo.
Fora da
emenda, a Constituição prevê a revisão constitucional e determina sessão
unicameral e maioria absoluta dos votos dos integrantes do Congresso Nacional.
Também nessa segunda espécie de reforma o Congresso, para usar uma expressão
popular, fica com a bola.
Os
conservadores cerram fileiras contra uma Assembleia Constituinte e dizem temer
arroubos bolivarianos, como se o povo, na escolha pelo voto dos constituintes,
não fosse capaz.
Pano rápido: o cachorro continua a girar na tentativa de conseguir morder o rabo.
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Dag Vulpi