segunda-feira, 1 de julho de 2013

Dilma e o plebiscito

O melhor caminho seria convocar uma Assembleia Constituinte exclusiva. Os integrantes ficariam proibidos por dez anos de concorrer a cargos políticos

Por Wálter Maierovitch, no site da Carta Capital

Todos já viram um cachorro ­desesperado na tentativa de morder o próprio rabo. Políticos e governantes brasileiros, sem eixo e divorciados dos representados, se parecem, depois das pressões das ruas, com o tal cachorro. Dilma Rousseff percebeu representar a consulta popular um bom caminho e raramente praticado no Brasil. Deveria partir, porém, de projeto concreto, escrito e a ser submetido a referendo dos cidadãos. Ela preferiu um indefinido e vago plebiscito. Só para lembrar: a “bancada da bala” conseguiu até manipular a consulta popular sobre armas e munições. Com o plebiscito, a facilidade aumenta.

Como registrei na edição passada, o melhor caminho seria convocar, pois o poder emana do povo e este está insatisfeito e indignado, uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva. Mais ainda, clausulada com a impossibilidade de o constituinte eleito não poder, por dez anos, concorrer a cargos políticos. Vale lembrar: o poder constituinte originário é o maior e os outros (Executivo, Legislativo e Judiciário) são constituídos por ele.

Em 1988, e quando das atividades laborativas geradoras da atual Constituição, sem esquecer um confesso e cesarista Nelson Jobim que introduziu artigos não levados ao conhecimento e à aprovação dos seus pares constituintes, não tivemos uma Assembleia Nacional Constituinte. Tivemos um Congresso Constituinte, ou seja, 599 deputados e senadores com a responsabilidade de também elaborar uma Constituição, isso depois de 21 anos de ditadura.


O Brasil, faz tempo, vai mal nos campos da saúde e da educação. E poderosos e potentes desfrutam, por estarem parasitariamente grudados no poder, das nossas riquezas. Nosso Congresso está travado e os políticos desmoralizados, pois desde FHC se fala em reforma política, e a que saiu mesmo foi a reeleição lastreada pela compra de votos. O marqueteiro ministro da Saúde de FHC, recém-falecido politicamente, não conseguiu minorar as desumanidades nos hospitais públicos e logrou ocupar a mídia ao apropriar-se da iniciativa dos genéricos do ex-ministro Jamil Haddad. Muitos partidos transformaram-se em legendas de aluguel. O Supremo Tribunal invade, com o eufemístico rótulo de “ativismo judiciário”, campos de competência constitucional de outros poderes.

Os parlamentares de 1988 tentaram fechar a porta a uma futura Assembleia Constituinte, apesar de saberem que as constituições não são imutáveis. Para isso, criaram dois limitados mecanismos reformadores. A propósito, a Constituição de 1988 prevê a reforma constitucional por meios de emenda ou de revisão. Isso está expresso no artigo 60 (emenda) do seu corpo e no artigo 3º das Disposições Constitucionais transitórias (revisão).

No caso de emenda, o presidente da República está legitimado a apresentar essa proposta e caberá discussão e aprovação, em dois turnos, em cada uma das Casas do Congresso. Para a aprovação são necessários três quintos dos votos dos membros. Como se nota, a inicial proposta da presidenta de reforma política por emenda constitucional passaria pelo nihil obstat do Congresso Nacional. Daí o recuo de Dilma com relação à constituinte para a reforma política.

Pelo que se percebe, Dilma tentou jogar com a alteração constitucional avalizada por um plebiscito e para forçar o Congresso a promover a reforma política, ou seja, uma questão de relevância social. Faltou-lhe, e isso foi decepcionante, indicar o que pretendia na reforma. Por exemplo, um recall (cassação de parlamentares por iniciativa popular) como remédio para a cura dos Felicianos, o voto distrital (puro, misto ou qualificado), o fim da reeleição etc.

No momento, e como frisado acima, Dilma luta por um plebiscito para saber algo óbvio. Até as pedras das praças percebem o desejo dos cidadãos por uma profunda reforma política. Não se deve esquecer, no entanto, que no plebiscito e no referendo (e este é o mais indicado) a convocação se dá por decreto legislativo: art. 14 da Constituição e Lei Regulamentadora nº 9.709/98. Em outras palavras, tudo ficaria na pendência do Legislativo.

Fora da emenda, a Constituição prevê a revisão constitucional e determina sessão unicameral e maioria absoluta dos votos dos integrantes do Congresso Nacional. Também nessa segunda espécie de reforma o Congresso, para usar uma expressão popular, fica com a bola.

Os conservadores cerram fileiras contra uma Assembleia Constituinte e dizem temer arroubos bolivarianos, como se o povo, na escolha pelo voto dos constituintes, não fosse capaz. 

Pano rápido: o cachorro continua a girar na tentativa de conseguir morder o rabo.

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