Explosão de mulheres
presas por drogas em SP mostra que a legislação não funcionou, dizem especialistas.
Brasil é dono da quarta maior população carcerária: 550 mil presos |
Por Marsílea Gombata,
no site da Carta capital
Desde que foi
aprovada, em 2006, a Lei de Drogas que pretendia excluir a pena de prisão para
o usuário de entorpecente parece ter tido um efeito contrário. Somente na
cidade de São Paulo, o número de mulheres presas por crimes relacionados às
drogas passou de 1.092 para 4.344, segundo dados do Departamento Penitenciário
Nacional (DEPEN). O crescimento gritante nos últimos sete anos foi apresentado
recentemente no estudo Tecer Justiça: Presas e Presos Provisórios da
Cidade de São Paulo, realizado pela Pastoral Carcerária e pelo Instituto Terra,
Trabalho e Cidadania (ITTC), e suscita questões sobre a eficiência da lei em
vigor e dúvidas sobre o caminho que o Projeto de Lei nº 37/2013 –complementar
ao 7.663/2010 de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) – pode tomar.
Presente no
debate que divulgou o estudo no início de junho, Luciana Boiteux, professora de
direito penal e membro do Grupo de Pesquisas em Política de Drogas e Direitos
Humanos da UFRJ, foi categórica: "é pela lei de drogas que a grande
maioria das mulheres está presa hoje”. Enquanto 25% dos detentos no Brasil
estão presos por crimes relacionados a drogas, no universo feminino esse número
chega a quase 60%. “A legislação antidrogas reforça um problema grave: não
consegue distinguir usuário de traficante. A confusão é intencional e acaba
fazendo uma distinção social”, alerta.
Para a
vice-presidente do ITTC e coordenadora nacional da Pastoral Carcerária, Heidi
Ann Cerneka, basta ver a explosão do número de presas por drogas para confirmar
que a lei representa um fracasso. “Uma lei, teoricamente conceituada para não
prender tantas pessoas, acabou piorando o quadro e encarcerando muito mais”,
afirmou a CartaCapital, ao comparar a realidade do Brasil ao "triste
quadro" dos EUA.
Enquanto o
País possui cerca de 550 mil presos, os EUA têm hoje uma população carcerária
de quase 2,3 milhões de presos, sendo 500 mil por violar a lei de drogas. Em
entrevista ao Le Monde Diplomatique Brasil deste mês, Ethan
Naldemann, fundador da Drug Policy Alliance (que se dedica à promoção de
alternativas à chamada “guerra às drogas”), lembrou que os EUA são hoje o
primeiro no mundo em cidadãos encarcerados per capita. Ele adverte que a
política atual está fazendo mais mal do que bem: ao mesmo tempo em que não
consegue atingir seu objetivo central de reduzir os malefícios das drogas na
nossa sociedade, fortalece o crime organizado, aumenta a violência, a
corrupção, o desrespeito à lei e as violações de liberdades civis. “Ver o
Brasil seguir os passos dos Estados Unidos parece loucura”, frisou.
Projeto de lei
Atualmente o
Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo e é também
dono da terceira maior taxa de encarceramento. Desde 2005, um ano antes de a
atual lei de drogas entrar em vigor, a população prisional por crimes relacionados
ao tráfico de drogas saltou de 33 mil (11% do total) para 138 mil (25% do
total).
A tendência é
que tal política de encarceramento resultante da repressão às drogas piore.
Tramita no congresso o Projeto de Lei Complementar 37/2013, alvo de intensa polêmica.
O texto prevê aumento da pena mínima para chefes do tráfico de cinco para oito
anos. Para Luciana, no entanto, a proposta está longe de ser sinônimo de
solução. Além da subjetividade para definir quem comanda operações ligadas ao
tráfico de drogas, acaba traduzindo justiça como endurecimento. “A ideia da
nova legislação é que temos de ser cada vez mais duros com o tráfico. Para se
ter uma ideia, o projeto quer estipular a pena mínima do tráfico acima da de
homicídio [seis anos]”, protestou. “Quando o Congresso diz sim a uma legislação
como essa não pensa na pessoa que está indo para a cadeia e nem como será
quando deixar a prisão.”
A dificuldade
de ressocialização é um dos problemas enfrentados por quem deixa a cadeia. Como
ilustra o caso de Solange, 31. Ex-presidiária, ela convive há seis anos com a
dificuldade de encontrar um novo emprego e reconstruir a vida depois de cumprir
pena por roubo para comprar crack. Desde que saiu da prisão, em 2006, perdeu a
conta de quantas vezes foi demitida por ter antecedente criminal. “Estou há
seis anos tentando diversos empregos formais e informais. No último deles, em
uma empresa de limpeza no Aeroporto de Congonhas estava quase tudo certo até
dizerem que eu não ia poder ficar porque tinha passagem", contou a mãe de
três filhos que vive na comunidade Beira Rio 1, perto do Jardim Aeroporto, zona
sul de São Paulo.
Para a
defensora Daniela Skromov, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública
de São Paulo, a prisão é o oposto do que deveria ser: um centro reformatório
para quem comete delitos. “Antes e depois do cárcere há a questão de construção
e reconstrução dos eixos sociais na vida dessa pessoa. Onde isso será feito? Na
cadeia? Impossível.”
No início de
junho, a Organização dos Estados Americanos (OEA) chamou a atenção para o
aumento do número de mulheres encarceradas no continente americano por delitos
relacionados a drogas. Mais de 50 organizações da sociedade civil de todo o
continente americano apresentaram uma carta aos governos que se reuniram no início
do mês na Guatemala para a Assembleia Geral da OEA, reivindicando de forma
urgente que se coloque a proteção dos direitos humanos no centro do debate
sobre políticas de drogas.
O documento
destacou a ineficácia das políticas de drogas adotadas nos países da região e
os efeitos negativos que trazem em matéria de direitos humanos. Além disso,
argumenta que as políticas proibitivas e a guerra às drogas intensificaram os
conflitos violentos na região, ao criar um enorme mercado ilegal controlado por
complexas organizações criminosas, protagonistas de conflitos que agravam as
condições de vida, em geral, nas zonas pobres. A carta lembra ainda que o atual
modelo ampliou as desigualdades sociais, as diferenças políticas e as
assimetrias internacionais.
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