domingo, 26 de maio de 2013

Sindicato deve assistência gratuita a não-associados

Por *Jomar Martins, no site da revista Consultor Jurídico
Impedir que trabalhador não-associado a sindicato possa gozar de assistência judiciária gratuita afronta dispositivos da Constituição Federal e o próprio espírito da Lei 5.584, de 1970, que prevê o benefício a todos que pertencem a determinada categoria — sindicalizados ou não.

Com essa fundamentação, a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul) manteve sentença que condenou o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre a se abster de cobrar de trabalhadores não-sindicalizados pela prestação do atendimento jurídico em causas trabalhistas.


O Ministério Público do Trabalho, movido por oficio da própria Justiça Trabalhista, comprovou que o Sindicato permitia a cobrança de honorários advocatícios contratuais dos trabalhadores não-associados, fixando, inclusive, o percentual de 10% sobre o valor das causas.

O relator do recurso de apelação na corte, desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, explicou que a demanda não trata de relação de consumo entre cliente e advogado ou entre sindicato e advogado, mas de assegurar o direito fundamental à assistência judiciária gratuita a trabalhadores não-sindicalizados, nos termos da lei trabalhista.

‘‘A lei é clara e determina o dever ao sindicato da categoria de prestar assistência judiciária ao trabalhador, associado ou não, uma vez que ao sindicato compete a defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria, nos termos do artigo 8º, inciso III, da Carta da República, sendo a prestação da assistência judiciária gratuita um exemplo típico desta defesa de interesses’’, disse o desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 9 de maio.

A Ação Civil Pública

A ilegalidade veio à tona quando a 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre oficiou ao MPT, em julho de 2010, de que a cobrança de honorários de trabalhadores não-sindicalizados era procedimento normal no Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre. Inquérito Civil instaurado pelo parquettrabalhista confirmou a cobrança de honorários contratuais de 10% para não-sócios. O percentual, fixado pelo próprio Sindicato, deveria ser praticado por todos os advogados.

Diante disso, em junho de 2011, os procuradores do Trabalho propuseram ao Sindicato a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para cessar essa prática. Como não houve resposta, no mês seguinte, o MPT ajuizou a Ação Civil Pública perante a 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
Em síntese, a inicial sustentou ser inaceitável que o Sindicato — que exige contribuição assistencial indistintamente de filiados e não-filiados — determine a cobrança desses últimos de nada menos que 10% do crédito obtido judicialmente a título de honorários advocatícios. Afinal, pela lei, só se concebe distinção entre associados e não-associados apenas em relação a benefícios acessórios.

Defesa do sindicato

O sindicato apresentou defesa. Invocando o princípio da legalidade, lembrou que o artigo 592, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o dinheiro da contribuição sindical será utilizado também para a assistência jurídica dos trabalhadores. Entretanto, nada diz sobre essa prestação ser gratuita ou não.

A peça alegou que o contrato de honorários advocatícios é firmado com o advogado habilitado, e não com a própria instituição. Disse que a legislação não proíbe os advogados de sindicatos, sem vínculo de emprego, de serem remunerados nas demandas sindicais. Inclusive, a questão foi disciplinada na Resolução 7/2009, da OAB-RS, que prevê honorários mínimos de 20% sobre o valor reclamado para os advogados que prestam serviços sem vinculo para sindicatos de empregados.

Além disso, sustentou que a legislação igualmente não proíbe os sindicatos de beneficiarem os sócios que pagam mensalidade, assim como não existe qualquer imposição legal de tratamento igualitário entre sócios e não-sócios. Destacou, por fim, que cabe à Defensoria Pública da União (DPU) a defesa gratuita na Justiça do Trabalho, e não aos sindicatos, como pleiteia o Ministério Público do Trabalho.

Sentença procedente

A juíza Cinara Rosa Figueiró afirmou que, em atenção às Súmulas 219 e 239 do Tribunal Superior do Trabalho, a assistência jurídica, no âmbito da Justiça Trabalhista, constitui monopólio dos sindicatos de trabalhadores. Segundo ela, também a Lei 5.584/1970, que disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, confere aos sindicatos um importante encargo público.
Em seu artigo 14, caput, a norma determina que a assistência judiciária, a que se refere a Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador. E a regra do artigo 18 garante esse direito ao trabalhador integrante da categoria profissional, independentemente de sua associação ao sindicato. Ou seja, destacou, a lei não admite a cobrança de honorários do trabalhador assistido, por contrariar seu próprio espírito.

Nessa linha de entendimento, a titular da 28ª Vara do Trabalho tomou, como razões de decidir, a tese aprovada durante o XV Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (realizado em Brasília, em fins de abril de 2010), apresentada pelo juiz Paulo André de França Cordovil.

Ao tratar sobre a incompatibilidade entre honorários contratuais e a assistência judiciária gratuita, disse a ementa da decisão: ‘‘O artigo 22 e seu parágrafo 1º da Lei 8.906/1994 — o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil —, não autorizam advogado de sindicato, constituído nos termos do artigo 14, da Lei 5.584/1970, firmar, paralelamente, com o trabalhador, contrato de honorários, sob risco de, sistematicamente, lesar todo o propósito institucional da Assistência Judiciária Gratuita’’.

Por último, a juíza afirmou que o tratamento discriminatório dispensado aos não-sócios do Sindicato dos Comerciários afronta o direito fundamental à igualdade, assegurado no caput do artigo 5º da Constituição. Também fere os incisos III e V, do artigo 8º, que dispõe sobre a liberdade de associação profissional ou sindical. Afinal, frisou, a própria Constituição garante que a entidade sindical deve representar os trabalhadores, na via judicial, de forma indistinta.

Em face de toda a fundamentação, a sentença julgou a ACP procedente. À entidade sindical foi determinado que: responsabilize-se, integralmente, pela remuneração dos advogados credenciados; abstenha-se de fazer distinção entre associados e não-associados, na prestação de assistência jurídica; mantenha afixados, nas paredes do Sindicato, em letras garrafais e à vista plena dos trabalhadores, avisos sobre a gratuidade integral da assistência jurídica e sobre a impossibilidade de qualquer distinção entre filiados e não-filiados; e faça constar, na credencial concedida a advogados, cláusula proibitiva da cobrança de honorários do trabalhador assistido.

Em caso de descumprimento, a juíza determinou a cobrança de multa no valor de R$ 20 mil, a ser revertida ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT).

Clique aqui para a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler a Resolução 7/2009, da OAB-RS.

*Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico


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