Por *Jomar
Martins, no site da revista Consultor Jurídico
Impedir que
trabalhador não-associado a sindicato possa gozar de assistência judiciária
gratuita afronta dispositivos da Constituição Federal e o próprio espírito da
Lei 5.584, de 1970, que prevê o benefício a todos que pertencem a determinada
categoria — sindicalizados ou não.
Com essa fundamentação,
a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul)
manteve sentença que
condenou o Sindicato dos Empregados no Comércio de Porto Alegre a se abster de
cobrar de trabalhadores não-sindicalizados pela prestação do atendimento
jurídico em causas trabalhistas.
O Ministério
Público do Trabalho, movido por oficio da própria Justiça Trabalhista,
comprovou que o Sindicato permitia a cobrança de honorários advocatícios
contratuais dos trabalhadores não-associados, fixando, inclusive, o percentual
de 10% sobre o valor das causas.
O relator do
recurso de apelação na corte, desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins
Costa, explicou que a demanda não trata de relação de consumo entre cliente e
advogado ou entre sindicato e advogado, mas de assegurar o direito fundamental
à assistência judiciária gratuita a trabalhadores não-sindicalizados, nos
termos da lei trabalhista.
‘‘A lei é
clara e determina o dever ao sindicato da categoria de prestar assistência
judiciária ao trabalhador, associado ou não, uma vez que ao sindicato compete a
defesa dos interesses individuais e coletivos da categoria, nos termos do
artigo 8º, inciso III, da Carta da República, sendo a prestação da assistência
judiciária gratuita um exemplo típico desta defesa de interesses’’, disse o
desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 9 de maio.
A
Ação Civil Pública
A ilegalidade veio à tona quando a 13ª Vara do Trabalho de Porto Alegre oficiou ao MPT, em julho de 2010, de que a cobrança de honorários de trabalhadores não-sindicalizados era procedimento normal no Sindicato dos Empregados do Comércio de Porto Alegre. Inquérito Civil instaurado pelo parquettrabalhista confirmou a cobrança de honorários contratuais de 10% para não-sócios. O percentual, fixado pelo próprio Sindicato, deveria ser praticado por todos os advogados.
Diante disso,
em junho de 2011, os procuradores do Trabalho propuseram ao Sindicato a
assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para cessar essa prática.
Como não houve resposta, no mês seguinte, o MPT ajuizou a Ação Civil Pública
perante a 28ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.
Em síntese, a
inicial sustentou ser inaceitável que o Sindicato — que exige contribuição
assistencial indistintamente de filiados e não-filiados — determine a cobrança
desses últimos de nada menos que 10% do crédito obtido judicialmente a título
de honorários advocatícios. Afinal, pela lei, só se concebe distinção entre
associados e não-associados apenas em relação a benefícios acessórios.
Defesa
do sindicato
O sindicato apresentou defesa. Invocando o princípio da legalidade, lembrou que o artigo 592, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o dinheiro da contribuição sindical será utilizado também para a assistência jurídica dos trabalhadores. Entretanto, nada diz sobre essa prestação ser gratuita ou não.
A peça alegou
que o contrato de honorários advocatícios é firmado com o advogado habilitado,
e não com a própria instituição. Disse que a legislação não proíbe os advogados
de sindicatos, sem vínculo de emprego, de serem remunerados nas demandas
sindicais. Inclusive, a questão foi disciplinada na Resolução 7/2009,
da OAB-RS, que prevê honorários mínimos de 20% sobre o valor reclamado para os
advogados que prestam serviços sem vinculo para sindicatos de empregados.
Além disso, sustentou
que a legislação igualmente não proíbe os sindicatos de beneficiarem os sócios
que pagam mensalidade, assim como não existe qualquer imposição legal de
tratamento igualitário entre sócios e não-sócios. Destacou, por fim, que cabe à
Defensoria Pública da União (DPU) a defesa gratuita na Justiça do Trabalho, e
não aos sindicatos, como pleiteia o Ministério Público do Trabalho.
Sentença
procedente
A juíza Cinara Rosa Figueiró afirmou que, em atenção às Súmulas 219 e 239 do Tribunal Superior do Trabalho, a assistência jurídica, no âmbito da Justiça Trabalhista, constitui monopólio dos sindicatos de trabalhadores. Segundo ela, também a Lei 5.584/1970, que disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, confere aos sindicatos um importante encargo público.
Em seu artigo
14, caput, a norma determina que a assistência judiciária, a que se refere
a Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo sindicato da
categoria profissional a que pertencer o trabalhador. E a regra do artigo 18
garante esse direito ao trabalhador integrante da categoria profissional,
independentemente de sua associação ao sindicato. Ou seja, destacou, a lei não
admite a cobrança de honorários do trabalhador assistido, por contrariar seu
próprio espírito.
Nessa linha de
entendimento, a titular da 28ª Vara do Trabalho tomou, como razões de decidir,
a tese aprovada durante o XV Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (realizado em Brasília, em fins de abril de 2010), apresentada pelo
juiz Paulo André de França Cordovil.
Ao tratar
sobre a incompatibilidade entre honorários contratuais e a assistência
judiciária gratuita, disse a ementa da decisão: ‘‘O artigo 22 e seu parágrafo
1º da Lei 8.906/1994 — o Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do
Brasil —, não autorizam advogado de sindicato, constituído nos termos do artigo
14, da Lei 5.584/1970, firmar, paralelamente, com o trabalhador, contrato de
honorários, sob risco de, sistematicamente, lesar todo o propósito institucional
da Assistência Judiciária Gratuita’’.
Por último, a
juíza afirmou que o tratamento discriminatório dispensado aos não-sócios do
Sindicato dos Comerciários afronta o direito fundamental à igualdade,
assegurado no caput do artigo 5º da Constituição. Também fere os incisos
III e V, do artigo 8º, que dispõe sobre a liberdade de associação profissional
ou sindical. Afinal, frisou, a própria Constituição garante que a entidade
sindical deve representar os trabalhadores, na via judicial, de forma
indistinta.
Em face de
toda a fundamentação, a sentença julgou a ACP procedente. À entidade sindical
foi determinado que: responsabilize-se, integralmente, pela remuneração dos
advogados credenciados; abstenha-se de fazer distinção entre associados e
não-associados, na prestação de assistência jurídica; mantenha afixados, nas
paredes do Sindicato, em letras garrafais e à vista plena dos trabalhadores,
avisos sobre a gratuidade integral da assistência jurídica e sobre a
impossibilidade de qualquer distinção entre filiados e não-filiados; e faça
constar, na credencial concedida a advogados, cláusula proibitiva da cobrança
de honorários do trabalhador assistido.
Em caso de
descumprimento, a juíza determinou a cobrança de multa no valor de R$ 20 mil, a
ser revertida ao Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT).
Clique aqui para
a sentença.
Clique aqui para
ler o acórdão.
Clique aqui para
ler a Resolução 7/2009, da OAB-RS.
*Jomar
Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico
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