Por Pedro
Canário*, no site da revista Consultor Jurídico
“Ainda não
encontrei ninguém que me explicasse, sem argumentos corporativistas, porque o
Ministério Público entrou nessa aventura de querer investigar.” A frase é do
superintendente da Polícia Federal em São Paulo, o delegado Roberto
Troncon Filho, e foi usada para explicar a jornalistas porque ele não sabe os
motivos de o MP querer tomar para si o poder de fazer as investigações penais.
Ele falou
durante evento organizado pela Polícia Federal em São Paulo para discutir a
Proposta de Emenda à Constituição 37, que diz que a Polícia tem o poder
exclusivo de conduzir as investigações. Sob o nome de “PEC 37 e o dever-poder
de investigação criminal no Brasil”, o encontro é uma discussão sobre os
diferentes aspectos da investigação criminal, explicando por que o MP não pode
investigar.
O professor Ives
Gandra da Silva Martins, constitucionalista e tributarista, explicou que o
artigo 144 da Constituição, que define os órgãos responsáveis pela segurança
pública, é bastante claro em não elencar o Ministério Público como um deles.
“Venho ler a Constituição porque às vezes no Brasil é preciso ler o óbvio. E
justamente para dizer que ninguém está tirando nenhum poder do Ministério
Público, porque ele nunca teve esse poder. Onde está, no texto constitucional,
que eles podem fazer a apuração? Não há!”, afirma. “O Ministério Público não
pode, obviamente, ir além do que a Constituição diz.”
Evidentemente,
a discussão se encaminhou se era necessária uma emenda constitucional para
dizer o que a Constituição já diz. Vicente Greco Filho, professor titular
da USP e procurador de Justiça aposentado, entende que, de fato, não seria
necessária a PEC. Ele cita o artigo 129 da Constituição, que fala das funções
institucionais do Ministério Público, para fazer valer seu argumento.
Greco Filho
aponta que o inciso I, que fala em “promover a ação penal pública”, já diz qual
a principal função do MP em matéria criminal. Já o inciso VII estabelece, como
função institucional do MP, “exercer o controle externo da atividade policial”.
O que seria necessário, segundo o procurador aposentado, seria uma
regulamentação clara do que seria esse “controle externo”.
Ives Gandra
teceu comentários sobre sua tese de interpretação constitucional. Segundo ele,
“a lei é sempre mais inteligente que o legislador”, pois, na hora de decidir, o
juiz deve sempre levar em conta a letra da lei, e não a vontade do legislador,
já que a régua do sistema jurídico brasileiro é a Constituição. Se a lei
confronta a Constituição, não pode ser aplicada.
“Mas a
Constituição não é mais inteligente que o constituinte.” Gandra explica que ao
contrário da lei, que tem a Constituição como fato histórico anterior e, portanto,
sua medida de validade, não há fato anterior ao texto constitucional. A
Constituição é a pedra fundamental do direito no regramento jurídico.
Portanto, ao
interpretar a Constituição, deve sempre ser levada em conta a vontade do
constituinte quando escreveu determinado dispositivo. E, se o constituinte
quisesse que o Ministério Público fizesse investigações penais, o teria escrito
expressamente.
Deveres
republicanos
O delegado Roberto Troncon Filho acredita que o principal motivo contra o poder de investigação do MP é evitar abusos contra os cidadãos. Ele afirma que o sistema da independência de Poderes, que obriga um Poder a fiscalizar o outro, existe para proteger o cidadão contra abusos de poder. “E esse fundamento precisa ser aplicado à persecução penal.”
Troncon
explica que o MP, como órgão responsável pela acusação e pela fiscalização da
Polícia, não pode fazer a investigação pelas próprias mãos. “A investigação é a
forma mais invasiva de atuação do Estado na sociedade. É o que permite ao
Estado invadir sua casa, vasculhar sua intimidade e vigiar suas ações e te
priva da sua liberdade. A Polícia exerce essa função, mas o Ministério Público
fiscaliza se ela age de acordo com a lei e a Constituição”, declarou.
Ives Gandra
adicionou a esse argumento o fato de que, quando o constituinte falou em
“polícia judiciária”, se referiu especificamente à relação entre o delegado e o
juiz. Segundo ele, o delegado é a longa manus do Judiciário, e por
isso é tão imparcial quanto o juiz. O juiz, segundo o professor, ouve todos os
lados da questão, e o delegado também, “sempre para garantir o direito à ampla
defesa”.
E se a questão
ficou clara para todos os debatedores e para a plateia, a discussão levantada
foi sobre a necessidade do debate. Ives Gandra justificou com a história da
companhia aérea que, em dificuldades financeiras, tinha poucos funcionários e
poucos aviões. Seu melhor piloto era cego, assim como o melhor copiloto, o que,
claro, sempre causava bastante desconforto a todos os passageiros.
Durante uma decolagem,
ao perceber que o avião avançava pela pista de decolagem sem ameaçar subir, os
passageiros começaram a se desesperar e gritar. O professor descreveu uma
situação apavorante. Quando o avião chegou perto do fim da pista, os berros se
intensificaram e a aeronave decolou suavemente. Foi quando o piloto comentou
com o copiloto: “No dia em que eles pararem de gritar não sei o que será de
nós.”
Pedro
Canário* é repórter da revista Consultor Jurídico.
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