quinta-feira, 23 de maio de 2013

PEC 37 viola princípio da separação dos poderes



Tramita perante o Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 37 de 2011 (PEC 37), na qual se propõe emendar o texto constitucional para acrescentar o parágrafo 10º, ao seu artigo 144, com a disposição de que a apuração das infrações penais seja incumbência, privativa, das Polícias Federal e Civis dos estados e do Distrito Federal.


Com a PEC 37, como é notório, se está a tentar evitar que o Ministério Público possa investigar diretamente as infrações penais, visando, assim, corrigir abusos, a ponto de contar com o apoio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Inúmeros juristas, particularmente, invulgares criminalistas de grande renome estão a cerrar fileira em defesa da PEC 37, fundados no ponto comum de coibir esses abusos.

Entretanto, o Parquet, além de suas corregedorias, ainda está subordinado constitucionalmente ao controle externo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que atua em prol do cidadão para coibir qualquer tipo de abuso do MP e de seus membros.

Formado por 14 conselheiros, que representam diversos setores da sociedade, o CNMP é composto por quatro integrantes do MPU, três membros do MPE, dois juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior Tribunal de Justiça, dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da OAB, e dois cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

Aliás, antes da posse no CNMP, os nomes de seus conselheiros são apreciados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), do Senado Federal, vão ao plenário do Senado e seguem para a sanção do presidente da República.

Em decorrência, o sistema constitucional já prevê o canal competente de coibição dos abusos do MP, logo, está a soar que o alcance e o objetivo da PEC 37 vai além deste propósito, que, com todo respeito, julgo panfletário.

É sabido que a atual Constituição Federal é o espelho da democratização nacional, representando uma ruptura com o sistema constitucional anterior, tanto que é considerada pelos estudiosos do Direito como fruto do poder constituinte originário.

A democratização brasileira conquistou-se pela quebra e equalização do gigantismo do Poder Executivo, que, no sistema anterior, tolhia severamente os Poderes Legislativo e Judiciário. Basta lembrar dos Atos Institucionais.

Foi, então, pela consolidação dos Poderes Legislativo e Judiciário que o Brasil de hoje passou a ser democrático e, no caso do Poder Judiciário, esta ocorreu por meio do fortalecimento das instituições judiciárias constituídas — a advocacia, a magistratura e o Ministério Público — daí que são expressamente reconhecidas e consagradas na Constituição Federal.

Via de consequência, pelo atual sistema constitucional da separação de Poderes, os Poderes Executivo e Legislativo não controlam o Poder Judiciário, porque suas instituições constituídas são autônomas e independentes, de modo que a advocacia, a magistratura e o Ministério Público não se vergam aos demais poderes da República, muito menos aos seus governantes.

Nesta perspectiva, qualquer tentativa de esvaziar as instituições judiciárias constituídas é uma ação tendente de apequenar o Poder Judiciário e afronta o equilíbrio do sistema da separação constitucional de Poderes.

No caso da PEC 37 é o que está a acontecer, tendo em vista que, ao pretender mutilar as atribuições de investigação criminal direta por parte do MP, se está a atentar contra o próprio Poder Judiciário, uma vez que se mitiga o nível do respectivo acesso das Ações Penais e o pronunciamento pela Justiça das devidas responsabilidades criminais.

Até porque, de outro lado, a estrutura legal e institucional das Polícias Federal e Civis as colocam sob o controle do Poder Executivo e seus governantes, independentemente da boa vontade dos respeitáveis policiais, de maneira que o governo irá controlar as investigações criminais e, consequentemente, a elucidação dos elementos aptos a autorizar o ajuizamento das ações penais, prejudicando o acesso ao Poder Judiciário e controlando sua capacidade de julgamento dos crimes.

Portanto, no caso de aprovação da PEC 37, haverá por parte do Poder Executivo o inaceitável controle de acesso das ações penais ao Poder Judiciário; que, tragicamente, propicia um ambiente fértil à corrupção, peculato e todas as demais condutas de delinquência por parte dos agentes do próprio governo, o qual controla a Polícia.

A aprovação desta PEC direciona o Brasil, a passos largos, para o retrocesso democrático e, até mesmo, a uma odiosa ditadura. Nossos vizinhos — a Argentina, Venezuela e Bolívia — a propósito, já estão neste triste caminho e não podemos permitir que o nosso país siga essa lamentável rota.

No entanto, a solução está alojada na própria Constituição Federal do Brasil, posto que, nos termos de seu artigo 60, inciso III, não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes, remetendo-se à inexorável conclusão de que a PEC 37 é inconstitucional.

Ricardo Sayeg é advogado, professor livre-docente da PUC-SP e vice-presidente da Fadesp — Federação das Associações de Advogados do Estado de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico

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