segunda-feira, 27 de maio de 2013

Fotógrafo que registrou Herzog morto retorna ao Doi-Codi: 'mudou tudo'

Após mais de 37 anos ele não consegue reconhecer local exato da cela em que o corpo do jornalista foi encontrado
Após mais de 37 anos, o ex-fotógrafo Silvaldo Leung Vieira não conseguiu reconhecer o local exato da cela em que o corpo do jornalista Vladimir Herzog foi encontrado
Foto: Vagner Magalhães / Terra


O ex-fotógrafo Silvaldo Leung Vieira, 59 anos, retornou nesta segunda-feira ao antigo prédio do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), na rua Tutóia, no Paraíso, zona sul de São Paulo. Lá, em outubro de 1975, ele fez uma das fotos mais emblemáticas do período do regime militar brasileiro (1964-1985): entre a noite do dia 25 e a madrugada do dia 26, foi escalado para fotografar o corpo do jornalista Vladimir Herzog - então diretor de jornalismo da TV cultura -, morto nas dependências do prédio comandado pelo 2º Exército.


Durante a visita, ele teve dificuldades para reconhecer o local, que passou por sucessivas reformas desde então. Em sua memória, a única coisa clara que permanece são os muros e portões altos que dão acesso ao pátio do prédio. "Está tudo mudado.”

Na época, estudante de fotografia, Vieira concluía um curso no Instituto de Criminalística de São Paulo, após passar em concurso. As informações oficiais davam conta que Herzog havia se suicidado. A causa da morte sempre foi contestada, inclusive por conta da foto, que mostrava a vítima pendurada pelo pescoço em uma grade da cela, com os joelhos dobrados, o que é incomum em casos de suicídio.

Ele conta que foi levado ao Doi-Codi em um carro policial descaracterizado e que ao se deparar com o corpo de Herzog percebeu que havia algo estranho. "O que me chamou mais a atenção foram os pés no chão. Os dois pés estavam no chão. Eu achei estranho aquilo. É difícil (em casos de suicídio). Normalmente você se pendura em algum lugar. Não (fica) em pé, daquele jeito", disse.

Vieira disse que só com o decorrer do tempo é que a ficha caiu. "No princípio eu achei que era um treinamento. No decorrer do tempo é que houve a percepção de que alguma coisa estava acontecendo de errado. Foi um momento tenso, muito difícil", disse ele.

Apesar da censura à imprensa durante o regime militar brasileiro, nos dias seguintes à morte, a notícia da possibilidade de Herzog ter sido morto - contrariando a versão oficial - se espalhou rapidamente. Uma semana depois foi realizado um ato ecumênico na catedral da Sé, que reuniu centenas de pessoas. Na ocasião, a causa da morte já era colocada em dúvida. 

"Hoje o assassinato é um fato consumado. Não há nada de novo o que eu estou falando. Depois eu fiz outras fotos. Permaneci mais 3 anos no departamento. Mas foram casos comuns, do dia-a-dia", disse ele, que se mudou em 1979 para Los Angeles, onde trabalhou na confecção de joias e agora atua em uma ONG ligada à igreja, de assistência a mães solteiras.

O ex-fotógrafo afirma ainda que a semana da morte de Herzog foi bastante difícil, mas que pouco se lembra do trabalho que realizou e do próprio local em que Herzog foi encontrado morto.

"Colocaram todos os alunos à disposição Foi quando eu vim para cá. Lembro-me pouco. Em seguida, fui embora do País, fiquei anos sem retornar. Estava tentando me lembrar do local. Soube agora que foi tudo mudado. A imagem que eu tinha era de muros altos, portões, corredores. Eu tinha acabado de completar 22 anos", disse ele, que na próxima terça-feira será ouvido pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo.

Durante a visita, Vieira esteve acompanhado pelo vereador Gilberto Natalini (PV), que relata ter sido torturado na mesma edificação durante o período militar. Natalini conta que ele se refere ao local como "portal do inferno". "O que aconteceu aqui não pode ser esquecido. Não é uma questão de masoquismo. Ninguém quer fazer com ele o que fizeram com a gente. Queremos recuperar a verdade", disse.

Em março deste ano, a família de Herzog recebeu um novo atestado de óbito do jornalista do governo brasileiro Ao contrário do documento original, que apontava "asfixia mecânica por enforcamento" (suicídio), as causas da morte passam a ser "lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do segundo Exército”.

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