Por
Fernando Maciel*
A
Previdência Social brasileira foi criada e se mantém sob a égide de um sistema
solidário, inclusivo e sustentável. Para que se tenha a noção de sua
importância econômico-social, a cada mês o Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) paga aproximadamente R$ 35 bilhões, relativos aos 30 milhões de
benefícios previdenciários implementados por tempo de contribuição, idade
avançada, doença, invalidez, morte, entre outras contingências sociais.
No
debate acerca da sustentabilidade do regime previdenciário, surge a chamada
“desaposentação”. Na prática, trata-se da revisão da aposentadoria daqueles que
continuaram a trabalhar, a fim de aumentar a renda mensal com a consideração do
período contribuído enquanto já aposentado. Várias ações nesse sentido aguardam
a palavra final do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidirá ser ou não
possível a renúncia à aposentadoria vigente, a incorporação do tempo
contribuído enquanto aposentado, bem como a devolução dos valores recebidos até
então.
A
tese favorável à desaposentação possui, todavia, algumas inconsistências. Em
uma primeira análise, deve-se ter em conta que a discussão não pode ter um
cunho meramente financeiro, no qual se preocupa tão somente com um benefício
que seja mais favorável a um indivíduo, mas sim de entendimento do próprio
sistema do Seguro Social.
A
Previdência Social Brasileira é regida pelo sistema de repartição simples, no
qual cada segurado contribui não apenas para financiar o seu próprio benefício
(característica dos regimes de capitalização), mas sim para compor um fundo
social responsável pelo custeio de todos os benefícios do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS). Esse sistema de repartição simples, fundado na
solidariedade social, justifica o recolhimento de contribuição social por parte
dos aposentados.
Outro
aspecto que merece melhor debate é a insegurança jurídica que a desaposentação
pode gerar no sistema previdenciário brasileiro. Isso porque, ao se retirar o
caráter da definitividade da prestação previdenciária, cria-se a possibilidade
de o aposentado requerer a sua desaposentação infinitamente, toda vez que
contribuísse após a jubilação. Vale ressaltar também que o segurado que reúne
os requisitos para a obtenção da aposentadoria por contribuição faz uma “opção
financeira” de sua inteira responsabilidade: requerer a aposentadoria ou
continuar contribuindo para o sistema podendo obter um valor mais elevado de
benefício.
Paralela
às questões legais e de possível admissibilidade da desaposentação, há de se
fazer uma estimativa dos custos que isso poderia acarretar à Previdência Social
e ao próprio Estado. Estamos falando hoje de cerca de 500 mil brasileiros
aposentados que trabalham e contribuem com a Previdência Social, sendo que,
segundo cálculos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 70 mil
aposentados já procuraram a Justiça para solicitar a desaposentação. Estudo do
INSS estima que apenas no benefício de aposentadoria por tempo de contribuição,
481.120 benefícios apontariam para um volume de recursos para custeio do regime
previdenciário de quase R$ 50 bilhões. Isso se considerarmos apenas o cenário
estático dos benefícios atuais, sem mencionar o impacto no comportamento dos
futuros segurados.
Na
seara social há de se analisar que a admissão da desaposentação poderia
acarretar a aposentadoria precoce, já que a data da mesma perderia sua
importância, a resistência a sair do trabalho após a primeira aposentadoria e a
consequente redução da oferta de postos de trabalho, e o aumento do número de
aposentados buscando trabalho.
A
pergunta que precisamos fazer é: em que medida a sociedade brasileira se
beneficiaria com a desaposentação? Se a resposta não parece simples, mais fácil
talvez seja lembrar da nossa Constituição Federal e dos princípios sobre os
quais foram construídas a base de nossa democracia, notadamente o da
solidariedade.
Fernando Maciel* é procurador federal em
Brasília e coordenador-geral de matéria de benefício da Procuradoria Federal
Especializada do INSS.
Revista Consultor
Jurídico
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