Lisboa – Crise e Troika foram provavelmente as palavras mais ouvidas pelos portugueses em 2012. No Natal, por exemplo, até mesmo os “miúdos” (como os portugueses chamam as crianças) foram presenteados com o livro A Crise Explicada às Crianças, de João Miguel Tavares, ou com o jogo de tabuleiro Vem aí a Troika! - uma referência direta ao Fundo Monetário Internacional (FMI), à Comunidade Europeia (CE) e ao Banco Central Europeu (BCE), as três instituições internacionais que bancam o acordo de assistência financeira com Portugal.
Para 2013 já existem sinais de que crise e Troika serão palavras repetidas cotidianamente, tanto ou mais do que no ano que se encerra. O próprio governo português admite que haverá mais desemprego, com a taxa subindo para acima de 16%, além da redução de 2% no consumo das famílias e de recessão, com -1% de riqueza produzida pelo país.
Essas previsões estão relacionadas à crise econômica que atinge a zona do euro, mas também são efeitos colaterais dos remédios que Portugal está tomando para equilibrar suas receitas e despesas e poder voltar a vender no mercado financeiro os títulos do Tesouro, por meio do qual o Estado financia investimentos e fecha as contas.
O remédio tem a cifra de 183,7 bilhões de euros – valor previsto para o Orçamento de Estado 2013, tanto para o total de receita arrecadada quanto para o total de despesas que o governo projeta gastar no novo ano. O equilíbrio prometido é um feito raro em Portugal. Desde 1950, apenas duas vezes foi possível controlar e reduzir as despesas públicas.
Para acertar as contas e honrar compromissos assumidos com a Troika, o governo estabeleceu novas alíquotas do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares (equivalente ao Imposto de Renda Pessoa Física brasileiro), estabeleceu aumento linear de 3,5% para todos os contribuintes, restringiu o pagamento do seguro desemprego e cortou pensões e aposentadorias.
Há ameaças ainda de alteração dos financiamentos para a saúde e educação (o governo precisa eliminar mais 4 bilhões de euros de gastos). Segundo especialistas, vai aumentar a desigualdade social em Portugal. O governador do Banco de Portugal (cargo equivalente ao do presidente do Banco Central no Brasil), Carlos da Silva Costa, por exemplo, admite que a desigualdade social é “resultante do desemprego involuntário”.
Nesse contexto, as relações econômicas entre capital e trabalho estão se deteriorando. O jurista e professor de direito do trabalho do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), Antònio Monteiro Fernandes, alerta que depois da crise há “mais poder patronal, menos repouso, menos rendimento para os trabalhadores”.
Para ele, “a legislação protetora dos assalariados (públicos e privados) é uma das grandes vítimas da operação política em curso. Quiseram, simplesmente, fazer regredir um conjunto de vantagens e garantias que (inclusive com base constitucional) se acumularam ao longo das últimas (muitas) décadas”.
As reformas, segundo o professor, estão sendo implementadas em nome da “competitividade”, mas “não existe nenhuma confirmação empírica para a eficácia dessas medidas”. Para o jurista “trata-se de uma questão de fé e ideologia pura”.
EBC
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