O futuro dirá o que aconteceu hoje,
no Supremo Tribunal Federal.
Por Paulo Moreira Leite*
O primeiro cidadão brasileiro
condenado por corrupção ativa num processo de repercussão nacional se chama
José Dirceu de Oliveira.
Foi líder estudantil em 1968,
combateu a ditadura militar, teve um papel importante na organização da
campanha pelas diretas-já e foi um dos construtores do PT, partido que em 2010
conseguiu um terceiro mandato consecutivo para governar o país.
Pela decisão, irá cumprir um sexto
da pena em regime fechado, em cela de presos comuns.
O sigilo fiscal e bancário de Dirceu
foi quebrado várias vezes. Nada se encontrou de irregular, nem de suspeito.
Ficará numa cela em companhia de
assaltantes, ladrões, traficantes de drogas.
Vamos raciocinar como cidadãos.
Ninguém pode fazer o que quer só porque tem uma boa biografia.
Para entender o que aconteceu, vamos
ouvir o que diz Claus Roxin, um dos criadores da teoria do domínio do fato –
aquela que foi empregada pelo STF para condenar Dirceu. A Folha publicou,
ontem, uma entrevista de Cristina Grillo e Denise Menchen
com Roxin.
Os trechos mais importantes você
pode ler aqui:
É
possível usar a teoria para fundamentar a condenação de um acusado supondo sua
participação apenas pelo fato de sua posição hierárquica?
Não, em absoluto. A pessoa que ocupa
a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato,
emitido uma ordem. Isso seria um mau uso.
O
dever de conhecer os atos de um subordinado não implica em co-responsabilidade?
A posição hierárquica não
fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber
não basta. Essa construção ["dever de saber"] é do direito anglo-saxão
e não a considero correta. No caso do Fujimori (Alberto Fujimori, presidente do
Peru, condenado por tortura e execução de presos políticos ) por exemplo, foi
importante ter provas de que ele controlou os sequestros e homicídios
realizados.
A
opinião pública pede punições severas no mensalão. A pressão da opinião pública
pode influenciar o juiz?
Na Alemanha temos o mesmo problema.
É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo
sem provas suficientes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O
juiz não tem que ficar ao lado da opinião pública. Acho que não é preciso dizer
muito mais, concorda?
Não há, no inquérito da Polícia
Federal, nenhuma prova contra Dirceu.
Roberto Jefferson acusou Dirceu na
CPI, na entrevista para a Folha, na Comissão de Ética. Mas além de dizer que
era o chefe, que comandava tudo, o que mais ele contou? Nenhum fato. Chato né?
Como disse Roxin, não basta. A
“pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter
comandado esse fato, emitido uma ordem.”
Chegaram a dizer – na base da
conversa, do diz-que-diz — que Marcos Valério teria ajuda dele para
levantar a intervenção num banco e assim ganhar milhões de reais. Seria a
ordem?
Falso. Valério foi 17 vezes ao Banco
Central para tentar fazer o negócio e voltou de mãos vazias. Era assim
“controle” de que fala Claus Roxin?
Também disseram que Dirceu mandou
Valério para Portugal para negociar a venda da Telemig com a Portugal Telecom.
Seria a “prova?”
O múltiplo Valério estava a serviço
de Daniel Dantas, que sequer tornou-se réu no inquérito 470.
Repito: o passado não deve livrar a
cara de ninguém. Todos tem deveres e obrigações com a lei, que deve ser igual
para todos.
Acho que o procurador Roberto Gurgel
tinha a obrigação de procurar provas e indícios contra cada um dos réus e assim
apresentar sua denúncia. É este o seu dever. Acusar – as vezes exageradamente –
para não descartar nenhuma possibilidade de crime e de erro.
Mas o que se vê, agora, é outra
coisa.
A teoria do domínio do fato foi
invocada quando se viu que não era possível encontrar provas contra
determinados réus. Sem ela, o pessoal iria fazer a defesa na tribuna do Supremo
e correr para o abraço.
Com a noção de domínio do fato, a
situação se modificou. Abriu-se uma chance para a acusação provar seu ponto.
O problema: cadê a ordem de Dirceu?
Quando ele a deu? Para quem?
Temos, uma denúncia sem nome, sem
horário, sem data. Pode?
Provou-se o que se queria provar,
desde o início. A tese de que os deputados foram comprados, subornados,
alugados, para dar maioria ao governo no Congresso.
É como se, em Brasília, não houvesse
acordo político, nem aliança – que sempre envolve partidos diferentes e até
opostos.
Nessa visão, procura-se criminalizar
a política, apresenta-la como atividade de quadrilhas e de bandidos.
É inacreditável.
Temos os governos mais populares da
história e nossos ministros querem nos convencer de que tudo não passou de um
caso de corrupção.
Chegam a sugerir que a suposta
compra de votos representa um desvio na vontade do eleitor.
Precisam combinar com os russos –
isto é, os eleitores, que não param de dizer que aprovam o governo.
Ninguém precisa se fazer de bobo,
aqui. Dirceu era o alvo político.
O resultado do julgamento seria um
com sua condenação. Seria outro, com sua absolvição.
Só não vale, no futuro, dizer que
essa decisão se baseou no clamor público. Este argumento é ruim, lembra o
mestre alemão, mas não se aplica no caso.
Tivemos um clamor publicado, em
editoriais e artigos de boa parte da imprensa. Mas o público ignorou o
espetáculo, solenemente.
Não tivemos nem passeatinha na Praça
dos 3 Poderes – e olhe que não faltaram ensaios e sugestões, no início do
julgamento…
Mesmo o esforço para combinar as
primeiras condenações com as eleições não trouxe maiores efeitos.
Em sua infinita e muitas vezes
incompreendida sabedoria, o eleitor aprendeu a separar uma coisa da outra.
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