Eles
dão mais valor às relações afetivas do que à estrutura familiar tradicional.
Tanto podem ser filhos de pais separados como não. São adolescentes que já
representam 46% dos cariocas de 13 a 17 anos das classes A, B e C, de todas as
regiões da cidade. O percentual foi medido por uma pesquisa feita pela Casa 7
Núcleo de Pesquisa e pela Quê Comunicação, que batizou esses jovens de "filhos 2.0", numa referência à
expressão Web 2.0, que designa a nova geração da internet, com maior troca de
informações e interatividade entre usuários e sites.
- Os
"filhos 2.0" têm um novo DNA: o do descendente de um núcleo afetivo.
Para eles, a ideia de família não está presa a vínculos formais entre os pais e
responsáveis - diz Gustavo Machado, diretor da Casa 7 .
A
pesquisa mostra que mesmo os adolescentes que moram com pais casados estão
abertos a novas estruturas, desde que sejam harmônicas: 70% deles não se
importariam se tivessem que conviver com outros relacionamentos dos seus pais,
se fossem separados; 78% não veriam problema caso tivessem meios-irmãos; e 44%
não consideram sua família modelo "novela, tipo margarina".
Desses
jovens, 40% moram com ambos os pais. Já 28% vivem com um dos pais e 24%, com um
dos pais e a madrasta ou o padrasto. Os outros 8% não moram com nenhum dos
pais.
Entre
aqueles que vivem com pais gays, a pesquisa revela que, embora se sintam bem e
amados como filhos, têm um desafio a vencer.
-
Esses meninos sentem a pressão da sociedade por conta do preconceito. Os mais
novos temem pelo incômodo de ser expostos na escola. Querem evitar virar motivo
de chacota. Os que têm mais maturidade preferem não expor os pais - explica
Adriana Hack, presidente da Casa 7.
Para
esses adolescentes identificados na pesquisa, a máxima de que é melhor os pais
estarem separados do que vivendo juntos e brigando deveria sofrer mudanças.
-
Eles querem que os pais, mesmo separados, se deem bem. Essa boa relação
influencia os seus hábitos e comportamentos - afirma Tatiana Soter, diretora de
Planejamento da Quê.
Na Zona Sul, novos jovens são maioria
Com
16 anos, Carolina Vollmers do Nascimento mora em Botafogo com a mãe, Astrid
Stefanie Vollmers, a irmã Catarina e cinco gatos. O pai vive com outra mulher
no Leblon.
- O
importante é ter mãe e pai presentes na nossa vida, independentemente de eles
morarem ou não com a gente - opina Carolina, que está no primeiro ano do ensino
médio, estuda inglês e, com o pai, faz um curso às terças-feiras sobre a
doutrina espírita de Allan Kardec.
Astrid,
que se casou e se separou pela segunda vez, procura ter uma boa relação com o
pai de suas filhas. Os dois, inclusive, estão construindo juntos o site de uma
sex shop (eles pretendem abrir um negócio na internet). E, quando as filhas são
o assunto, não falta diálogo.
- O
meu ex-marido foi fundamental quando minha filha mais velha começou a querer
fumar, há um ano. Conversamos sobre o assunto e ele interferiu. Como a Catarina
queria também fazer aula de canto, ele disse que as duas coisas não combinavam.
A minha filha parou de fumar, porque queria estudar canto - conta Astrid, que
trabalha com telecomunicações na área de petróleo.
Carolina
não está entre os 45% dos novos jovens que, de acordo com a pesquisa,
consideram ruim a relação entre os pais. Quase a totalidade dos entrevistados
(92%), no entanto, classifica como boa a relação das pessoas que moram na casa
deles.
Nas
classes A (54%) e B (52%), de maior poder aquisitivo, há bem mais "filhos
2.0" do que na C (29%). E é na Zona Sul que eles se concentram mais (59%,
reunindo classes A, B e C). O menor índice (19%) está na Zona Oeste e na Barra
da Tijuca.
Rodrigo
Ferraro Coutinho Boyd, de 13 anos, está entre esses 19%. O adolescente tem um
quarto na casa do pai, num condomínio da Barra, e outro na da mãe, em Vargem
Grande. São 15 dias num lugar e duas semanas no outro. Rodrigo tem uma irmã por
parte de pai e um irmão por parte de mãe. Separada do segundo marido, a mãe
está namorando.
- Os
meus pais são sempre muito presentes na minha vida e temos um bom diálogo -
conta Rodrigo, que está no sétimo ano e não abre mão das partidas de futevôlei
com o pai, o piloto Adilson Boyd, na quadra do seu condomínio.
Nas
festas de aniversário dos três irmãos, não há constrangimentos. Rodrigo diz que
é natural todos se encontrarem: pai, mãe e seus respectivos companheiros.
Já
Saulo de Oliveira Bezerra, de 16 anos, aluno do sétimo ano, afirma que a
definição de família não pode ser simplificada. Segundo ele, o termo não se
refere somente a pessoas que têm uma relação sanguínea.
-
Para ser uma família, tem de haver também relação emocional, laços unindo as
pessoas - resume Saulo, que mora com a mãe, a professora Tatiana Costa de
Oliveira, e bem perto da avó paterna, Quitéria Bezerra, na Tijuca. - Considero
minha mãe e minha avó por parte de pai como sendo mais da minha família. O meu
pai se preocupa comigo, me ajuda sempre que preciso, mas mora longe, em
Niterói, com minha irmã e a mulher. Não vivemos juntos o dia a dia e acabamos
não tendo um envolvimento maior - diz o estudante.
Ainda
de acordo com a pesquisa, 89% dos novos adolescentes têm liberdade e autonomia
no ambiente familiar, influenciando as decisões sobre viagens, consumo e lazer.
Na educação, questionam o modelo clássico de ensino: 56,3% avaliam como
regular, ruim ou péssima a atual forma de ensino, embora 98,8% considerem a
educação importante ou muito importante para o seu futuro. Apesar disso, a
grande maioria dos entrevistados (79,3%) cursa ou pretende frequentar uma
faculdade.
-
Gostariam de ter professores que não contassem sobre aquilo que não viveram.
Não querem conteúdo teórico, mas ouvir a história da boca de quem a viveu.
Querem o professor como um tutor de conteúdo - explica Gustavo Machado.
Shoppings e praias: lugares
preferidos
Poucos
desses adolescentes fazem cursos de idiomas (16,8%). A explicação, segundo o
pesquisador, é que eles entendem que as viagens e a internet são os melhores
meios para aprender a falar outras línguas.
Em
relação a lazer, 28,8% deles costumam viajar nas férias e 18%, nos fins de
semana. Eles se identificam com a cidade: 96% frequentam shopping e 91,3% vão à
praia. Costumam também ir ao cinema (75,5%). O teatro é frequentado por poucos
(13,8%). Mais da metade (52,8%) gosta de praticar esportes, 46,3% vão a
restaurantes e 21,3%, a bares.
- O
shopping tem uma presença forte entre eles, porque é um ambiente controlado,
vigiado - diz Tatiana Soter.
Quando
o tema é segurança, os novos adolescentes a enxergam como um grande limitador
para suas atividades e não veem o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora
(UPPs) como uma solução efetiva para todos os problemas. Mas acreditam que, com
um maior policiamento nas ruas, a tendência é aumentar a confiança dos pais.
Articulados,
maduros, irreverentes, independentes, autônomos e versáteis. Com esses
adjetivos, os pesquisadores definem os "filhos 2.0".
O GLOBO faz parceria para pesquisas
A
pesquisa sobre os jovens cariocas é a primeira de uma série que O GLOBO publica
dando início à parceria do jornal com o projeto Riologia, realizado pela Quê
Comunicação e pela Casa 7 Núcleo de Pesquisa. O Riologia tem como objetivo
pesquisar, entre os cariocas, comportamentos que surgiram ou se reinventaram
neste novo momento da cidade.
Para
Sandra Sanches, diretora-executiva do GLOBO, a parceria acontece num excelente
momento:
-
Nosso desejo é aprofundar o conhecimento dos cariocas, suas aspirações e
atitudes, a partir de temas específicos. O GLOBO tem uma relação histórica com
a cidade, acompanhamos de perto todas as suas transformações, sempre debatendo
o impacto sobre os moradores. Essas pesquisas vão permitir um conhecimento e
uma cobertura ainda mais ampla das tendências e dos novos comportamentos que
vêm surgindo num ritmo cada vez mais veloz.
A
parceria, que prevê a realização e divulgação de pesquisas também ao longo de
2013, já tem temas definidos para os próximos meses.
- A
proposta do Riologia é trazer visões inéditas sobre perfis de cariocas
contemporâneos. Quisemos entender como as transformações que a cidade está
vivendo afetam quem mora aqui. Nada mais natural que O GLOBO, um jornal
comprometido com o Rio, seja um parceiro para divulgar os dados do estudo -
explica Tatiana Soter, diretora de Planejamento da Quê.
Para
traçar o perfil dos "filhos 2.0", foram ouvidas 621 pessoas.
Inicialmente, foi realizada uma pesquisa qualitativa com 90 adolescentes e
especialistas, para o levantamento de hipóteses. Depois, numa pesquisa
quantitativa, foram ouvidas 531 pessoas, entre 13 e 17 anos, das classes A, B e
C, do Centro e das zonas Sul, Norte e Oeste (incluindo Barra). A pesquisa
quantitativa teve duas etapas. Em uma primeira fase, foi definido o percentual
dos adolescentes que são "filhos 2.0". Para isso, foram entrevistados
131 adolescentes, que tiveram que avaliar sua afinidade com dez frases obtidas
no campo qualitativo. A margem de erro é de 5%. Para aprofundar questões relativas
ao perfil desses adolescentes, outros 400 meninos e meninas, todos "filhos
2.0", foram ouvidos. A pesquisa foi realizada entre julho e agosto deste
ano.
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