São
Paulo (SP) - Diante da boa acolhida dispensada ao meu texto intitulado
"Escolha sua idiossincrasia", decidi retomar, momentaneamente, aquilo
que pode ser havido como modesta e humorada prestação de serviço. Com a
espantosa e rápida evolução da informática e da "internet", já
existem "sites" que se propõem a divulgar mensagens e imagens de
pessoas que morreram, como se continuassem vivas.Embora desejando vida (real)
longa a todos, mas, sabedor que muitos gostariam de deixar breve lembrança
escrita aos sobreviventes, pensei em elaborar algumas modalidades de epitáfios virtuais,
para inserção em túmulos igualmente virtuais, a partir das quais quem por elas
se interessar poderá rascunhar a sua. Ei-las:
01 -
Notarial - Saibam quantos este público túmulo virem, que nele me encontro
contra a minha vontade.
02 -
Religiosa - Neste endereço não recebo cartas, mensagens, telefonemas
e nem cobradores, mas, apenas preces.
03 -
Postal - Mudou-se para lugar incerto e não sabido.
04 -
Gramatical - Nunca me ocorreu conjugar o verbo jazer na primeira
pessoa do singular, ou do plural !
05 -
Revoltosa - Se ninguém é insubstituível, então, digam ao mundo que
se... dane !
06 -
Musical - Aqui "jazz" o corpo de um fã do
"bebop" e ex-admirador de Dizzy Gillespie.
07 -
Catastrófica - Aqui repousa em paz o corpo do único sobrevivente de
um tsunami.
08 -
Informática - Neste site repousa em paz o hardware de Gil
Leites.
09 -
Agrária - Neste minilatifúndio, repousa em paz o corpo cansado de um
ex-integrante dos movimentos dos sem terra.
10 -
Literária - Neste sacrossanto reduto, repousa em paz o corpo
conhecido de um autor desconhecido.
11 -
Maternal - Neste campo eterno, repousa em paz o aparelho auditivo da
mãe de um juiz de futebol.
12 -
Jurídica - De nada adiantou renunciar ao meu direito de
repousar em paz.
13 -
Zagallina - Deixem-me "repousar em paz" com estas 13
letras.
Terminar
a lista na 13ª. modalidade, inspirada no técnico Zagallo, foi apenas uma
coincidência. Não sou supersticioso. Trago comigo uma pata de coelho, só porque
a ganhei de presente da minha mulher. Uso um escapulário atrás da lapela do
paletó, só porque este sempre foi o desejo da minha mãe. Bato na madeira três
vezes, só porque sou portador de um tique nervoso. Levanto-me da cama com o pé
direito, só porque durmo do seu lado esquerdo, de quem a olha de frente para a
cabeceira. Não tenho medo de 6ª. feira/13, mas, tomo as minhas cautelas, só
porque uma boba crença popular acha que se trata de um dia azarado.Voltando aos
epitáfios, se me perguntassem qual a modalidade da minha preferência, diria que
é a de nº. 12. Afinal, também sou um profissional da área jurídica, que
sempre desempenhou esta atividade com muita seriedade e muita ética. Ora,
renunciar a um direito, mormente para abrir mão de repouso e sossego, a fim de
continuar num mundo agitado e perturbado, é algo que deveria merecer todo
respeito. Como não é bem assim que as coisas funcionam na realidade, mal pensei
em criar uma ONG, destinada à defesa dos renunciantes desse direito, recebi
incontáveis pedidos de adesão de interessados dos mais longínquos rincões da
Terra, nos mais variados idiomas.Agora, vejo-me diante de um cruel dilema. Se
eu morrer no meio do caminho e quiser deixar um bom exemplo aos meus sucessores
naquela ONG, terei de renunciar à modalidade de epitáfio por mim antes
escolhida, substituindo-a por outra, mas, para tanto, falta-me inspiração.
Entretanto, alinhavo o exemplo de mais 3 (número cabalístico, correspondente ao
triângulo equilátero, símbolo da perfeição) modalidades de epitáfio,
daquelas que gostaríamos de ver no túmulo de outras pessoas:
01 -
Amistosa - Aqui repousa em paz o corpo de um grande amigo, que fez
questão de ir na minha frente, só para esperar-me de braços abertos.
02 -
Inamistosa - Aqui os vermes não deixarão repousar em paz o corpo de
um grande inimigo, cuja alma deve estar ardendo no quinto dos infernos !
03 -
Sensual - Aqui repousa em paz o que, em vida, foi um corpo
exuberante, que me fez perder várias noites de sono, alimentando desejos
inconfessáveis.
Romeu
Prisco* É Paulistano, advogado e ator, dedica-se, atualmente, à arte
de escrever artigos, crônicas, contos e poemas, publicados em espaços
literários e jornalísticos, impressos e virtuais. Define-se como um sonhador,
que ainda acredita nos seus sonhos.
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