terça-feira, 28 de agosto de 2012

Epitáfios virtuais por Romeu Prisco



São Paulo (SP) - Diante da boa acolhida dispensada ao meu texto intitulado "Escolha sua idiossincrasia", decidi retomar, momentaneamente, aquilo que pode ser havido como modesta e humorada prestação de serviço. Com a espantosa e rápida evolução da informática e da "internet", já existem "sites" que se propõem a divulgar mensagens e imagens de pessoas que morreram, como se continuassem vivas.Embora desejando vida (real) longa a todos, mas, sabedor que muitos gostariam de deixar breve lembrança escrita aos sobreviventes, pensei em elaborar algumas modalidades de epitáfios virtuais, para inserção em túmulos igualmente virtuais, a partir das quais quem por elas se interessar poderá rascunhar a sua. Ei-las:

01 - Notarial - Saibam quantos este público túmulo virem, que nele me encontro contra a minha vontade.
02 -  Religiosa - Neste endereço não recebo cartas, mensagens, telefonemas e nem cobradores, mas, apenas preces.
03 -  Postal - Mudou-se para lugar incerto e não sabido.
04 -  Gramatical - Nunca me ocorreu conjugar o verbo jazer na primeira pessoa do singular, ou do plural !
05 -  Revoltosa - Se ninguém é insubstituível, então, digam ao mundo que se... dane !
06 -  Musical - Aqui "jazz" o corpo de um fã do "bebop" e ex-admirador de Dizzy Gillespie.
07 -  Catastrófica - Aqui repousa em paz o corpo do único sobrevivente de um tsunami.
08 -  Informática - Neste site repousa em paz o hardware de Gil Leites.
09 -  Agrária - Neste minilatifúndio, repousa em paz o corpo cansado de um ex-integrante dos movimentos dos sem terra.
10 -  Literária - Neste sacrossanto reduto, repousa em paz o corpo conhecido de um autor desconhecido.
11 -  Maternal - Neste campo eterno, repousa em paz o aparelho auditivo da mãe de um juiz de futebol.
12 -  Jurídica - De nada adiantou renunciar ao meu direito de repousar em paz.
13 -  Zagallina - Deixem-me "repousar em paz" com estas 13 letras.

Terminar a lista na 13ª. modalidade, inspirada no técnico Zagallo, foi apenas uma coincidência. Não sou supersticioso. Trago comigo uma pata de coelho, só porque a ganhei de presente da minha mulher. Uso um escapulário atrás da lapela do paletó, só porque este sempre foi o desejo da minha mãe. Bato na madeira três vezes, só porque sou portador de um tique nervoso. Levanto-me da cama com o pé direito, só porque durmo do seu lado esquerdo, de quem a olha de frente para a cabeceira. Não tenho medo de 6ª. feira/13, mas, tomo as minhas cautelas, só porque uma boba crença popular acha que se trata de um dia azarado.Voltando aos epitáfios, se me perguntassem qual a modalidade da minha preferência, diria que é a de nº. 12. Afinal, também sou um profissional da área jurídica, que sempre desempenhou esta atividade com muita seriedade e muita ética. Ora, renunciar a um direito, mormente para abrir mão de repouso e sossego, a fim de continuar num mundo agitado e perturbado, é algo que deveria merecer todo respeito. Como não é bem assim que as coisas funcionam na realidade, mal pensei em criar uma ONG, destinada à defesa dos renunciantes desse direito, recebi incontáveis pedidos de adesão de interessados dos mais longínquos rincões da Terra, nos mais variados idiomas.Agora, vejo-me diante de um cruel dilema. Se eu morrer no meio do caminho e quiser deixar um bom exemplo aos meus sucessores naquela ONG, terei de renunciar à modalidade de epitáfio por mim antes escolhida, substituindo-a por outra, mas, para tanto, falta-me inspiração. Entretanto, alinhavo o exemplo de mais 3 (número cabalístico, correspondente ao triângulo equilátero, símbolo da perfeição) modalidades de epitáfio, daquelas que gostaríamos de ver no túmulo de outras pessoas:
01 -  Amistosa - Aqui repousa em paz o corpo de um grande amigo, que fez questão de ir na minha frente, só para esperar-me de braços abertos.
02 -  Inamistosa - Aqui os vermes não deixarão repousar em paz o corpo de um grande inimigo, cuja alma deve estar ardendo no quinto dos infernos !
03 -  Sensual - Aqui repousa em paz o que, em vida, foi um corpo exuberante, que me fez perder várias noites de sono, alimentando desejos inconfessáveis.

Romeu Prisco* É Paulistano, advogado e ator, dedica-se, atualmente, à arte de escrever artigos, crônicas, contos e poemas, publicados em espaços literários e jornalísticos, impressos e virtuais. Define-se como um sonhador, que ainda acredita nos seus sonhos. 

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