A lei de acesso a informações
públicas entrou em vigor no último dia 16 de maio, coroando de êxito mais de
uma década de luta e empenho de entidades civis nacionais. Sancionada em
novembro de 2011, a Lei nº 12527/11 tinha bases constitucionais desde o
final dos anos 1980 e sua elaboração teve ampla participação da sociedade civil
por meio do Fórum de Direito de
Acesso a Informações Públicas. A vigência da lei ganhou espaço
no noticiário nacional, tomando contornos de vitória da sociedade, de
amadurecimento do país. Nas redações, pode-se supor que houve uma certa
contagem regressiva para que a lei finalmente passasse a valer, o que veio
acontecer na mesma época em que o governo federal implantava uma Comissão da
Verdade, dedicada a revisar um passado que a nem todos interessa reavaliar.
Do ponto de
vista institucional, a Lei de Acesso fortalece a cidadania e ajuda a elevar os
padrões da nossa cidadania. A partir de um novo marco jurídico, novas relações
podem ser estabelecidas entre o Estado e os cidadãos. O “segredo”, as “razões
de Estado” e a “segurança nacional” encolhem na extensão de suas semânticas,
antes infinitas. Órgãos públicos e governos deslocam-se de posições antes
inatingíveis para patamares em que podem ser inquiridos, questionados, cobrados
de seus atos anteriores. Temos, então, a solução para todos os males do Brasil,
certo?
Claro que
não. A Lei de Acesso é apenas mais um instrumento que contribui para uma
conciliação social, para uma reorganização dos atores no tecido conjuntivo que
chamamos de país. A lei permite que o cidadão comum possa ter uma relação menos
subalterna e precária com o Estado que sustenta. Possibilita que se atenuem
algumas zonas cinzentas que separam as decisões governamentais do cotidiano
rasteiro dos brasileiros. É pouco, mas tem o seu valor. Com uma lei como essa,
pedir informações sobre atos que deveriam ser públicos escapa da esfera do
favor e da concessão; passa a fazer parte de um processo, naturaliza-se. A lei
não mata a fome de ninguém, mas permite saber porque recursos destinados à
merenda escolar não foram usados para esse fim, por exemplo.
Mas, e o jornalismo?
Se uma lei
como essa pode ajudar a transformar as relações entre Estado e cidadãos,
imagine suas implicações junto a uma instituição que se orienta pelo trabalho
de tornar visível o que é insistentemente ocultado... É mais ou menos assim que
tento dimensionar o impacto da Lei de Acesso para o jornalismo.
Um
questionamento esperado em território brasileiro é “será que a lei vai pegar?”
Difícil responder agora, mas acredito que as condições políticas urdidas nas
últimas décadas podem compor uma força que impeça a lei de naufragar. Este
empuxo – alimentado por uma vontade coletiva de saber, por um desejo de
mudanças nas relações sociais – faz com que a Lei de Acesso se torne um
instrumento de empoderamento que tonifica a presença no cenário do cidadão
comum (do eleitor, se quiserem). Assim, jornalistas podem esfregar as mãos
porque a história pode estar apenas começando.
O que se pode
esperar a partir de então?
Primeiro,
penso que assistiremos a um período de acomodação para órgãos públicos e
governos. Eles não estão preparados para atender e satisfazer os pedidos de
informação de milhões de pessoas, quem estaria? Eles precisam se acostumar a
isso. Neste período, portanto, é muito possível que haja atritos entre
jornalistas, servidores e políticos, entre cidadãos e órgãos, enfim, entre quem
se atreve a perguntar e quem tinha prerrogativas infinitas de negar
informações.
À medida que
a transparência enquanto valor social ganha músculos, uma quantidade razoável
de poder que antes estava centralizada e encerrada nas mãos de alguns atores se
fragmenta, e como sempre acontece quando algo se espatifa, há cacos que se
perdem para sempre.
Assim que o
sistema conquistar alguma estabilidade, novas relações devem emergir, muito
possivelmente com cidadãos mais fortalecidos no palco político. Jornalistas e
veículos de informação também podem se sobressair, caso reforcem suas vocações
de cobradores de respostas. Caso insistam na encarnação de delegados do público
para buscar dados e explicações. Mas para isso, não poderão abandonar o
compromisso ético de checar informações, de contrapor versões, de ouvir os
lados envolvidos, de investigar e conferir. Solicitar números e declarações por
meio de formulários e publicar na seqüência o que se obtiver não será nada
demais! Isso está longe de ser jornalismo, pois se aproximar mais dos serviços
de um cartorário.
Relação ética
Será
necessário investir na produção de informação qualificada, inédita, exclusiva e
socialmente útil; será preciso oferecer relatos contextualizados, claros, bem
explicados; será imprescindível que os jornalistas aprimorem técnicas de
reportagem, que tornem mais sofisticados seus métodos de investigação e que não
se contentem com os primeiros resultados de suas investidas às fontes.
O leitor mais
atento poderá se contrapor: mas isso é básico do jornalismo! Sim, é. Mas diante
de uma possível explosão de dados, selecionar e processar informações serão
ações cada vez mais centrais no processo de comunicação e tradução do mundo. Os
jornalistas não poderão prescindir desses cuidados. Em nome de uma relação
ética com seu público e fontes, e em nome da sobrevivência disso que
convencionamos chamar de jornalismo.
Fonte: Observatório da Imprensa (22.mai.2012) | Autor: Rogério Christofoletti
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Leia abaixo um pouco mais sobre essa nova Lei
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A nova regra tem o objetivo de regulamentar
o direito de acesso dos cidadãos às informações públicas e seus dispositivos
aplicáveis aos três poderes da União: Legislativo, Executivo e Judiciário,
segundo informações da CGU (Controladoria Geral da União).
O especialista em direito
administrativo Nestor Castilho Gomes, do escritório Bornholdt Advogados, avalia
que a lei é importante, pois tem o objetivo de regulamentar o acesso às
informações de forma a garantir a transparência, que é um dever da
administração pública e um direito do cidadão.
A lei “concretiza o princípio da publicidade na administração pública. A
Constituição Federal garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”,
explica.
O diretor do IASP (Instituto dos
advogados de São Paulo), José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, concorda com a
importância da nova regulamentação e destaca que “o grande mérito é que você
realmente efetiva o acesso à informação”. Mas ressalta que é preciso que haja
um bom treinamento dos servidores públicos que terão acesso a essas
informações. “É preciso que eles estejam
preparados e tenham o discernimento para garantir a proteção dos dados”.
A lei também estabelece prazos para
que sejam repassadas as informações ao solicitante. Segundo o governo federal,
a “resposta deve ser dada imediatamente,
se estiver disponível, ou em até 20 dias, prorrogáveis por mais dez dias”.
Abaixo, o advogado Gomes esclarece
algumas dúvidas sobre a nova lei:
- A quais informações o cidadão passa a ter direito de acesso?
A qualquer informação de interesse público. Podemos citar como exemplo
informações relativas à agenda de autoridades, atividades exercidas pelos
órgãos e entidades públicos, utilização de recursos públicos, licitações,
contratos administrativos, resultado de inspeções, auditorias etc. O acesso a
estas informações permite que a sociedade fiscalize a gestão pública, o que é
central para o exercício pleno da cidadania.
- Caso não receba a informação solicitada, a quem o cidadão pode
recorrer?
O cidadão poderá interpor recurso, que será dirigido à autoridade
hierarquicamente superior àquela que se recusou a prestar a informação. Em
última instância, o Poder Judiciário poderá ser acionado.
- O servidor público que se negar a conceder a informação sofre alguma
punição?
Sim. A Lei prevê que o agente público que se recusar a fornecer a
informação requerida, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la
intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa, comete infração
administrativa, que deverá ser apenada, no mínimo, com suspensão. Dependendo do
caso, há a possibilidade de o agente público também responder por improbidade
administrativa.
- É necessário justificar o motivo pelo qual determinada informação é
solicitada?
Não. Basta que o pedido contenha a identificação do cidadão interessado e
a especificação da informação requerida. Vale lembrar que o pedido de
informações é gratuito. Na hipótese de reprodução de documentos poderá ser
cobrado exclusivamente o valor necessário ao ressarcimento do custo dos
serviços e dos materiais utilizados. Ainda assim, as pessoas que não tenham
condições econômicas de arcar com estes custos de reprodução estarão isentas da
cobrança.
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