segunda-feira, 2 de abril de 2012

O último dos neandertais parte I

A vida e o fim dos neandertais

Uma mulher neandertal em uma inédita reconstrução baseada na anatomia de fósseis e na recuperação de dados genéticos
Em março de 1994, um grupo que explorava um sistema de cavernas no norte da Espanha voltou suas lanternas para uma pequena galeria lateral e notou duas mandíbulas humanas se projetando do solo arenoso. Esse conjunto de grutas, El Sidrón, fica no centro de uma remota floresta de altitude na província de Astúrias, logo ao sul da baía de Biscaia. Temerosos de que aqueles maxilares pudessem ser da época da guerra civil, quando guerrilheiros republicanos usaram El Sidrófipara se refugiar das tropas de Franco, os exploradores avisaram a Guarda Civil. Na galeria, as autoridades toparam com resquícios de uma tragédia bem maior – e, como se veria, muitíssimo mais antiga que o conflito que dividiu os espanhóis em meados do século 20.
Em poucos dias, foram exumados cerca de 140 ossos, os quais foram enviados, por ordem de um juiz local, ao Instituto Nacional de Medicina Legal, em Madri. Quase seis anos depois, quando afinal os peritos concluíram seu trabalho, a Espanha viu-se diante de seu mais antigo enigma policial. Estava confirmado que os ossos achados em El Sidrófinão eram de combatentes republicanos, e sim de um bando de neandertais, que talvez tenham morrido de forma violenta, 43 mil anos antes. O local em que estavam os ossos põe esse grupo em uma das mais importantes interseções geográficas da pré-história, e a data o situa no âmago de um dos mais persistentes mistérios de toda a evolução humana.
Os neandertais, os nossos parentes pré-históricos mais próximos, dominaram a Eurásia por cerca de 200 mil anos. Durante esse tempo, eles meteram seu nariz protuberante em todos os cantos da Europa, e mais além – ao sul, na orla do Mediterrâneo, do estreito de Gibraltar até a Grécia e o Iraque; ao norte, até a Rússia; a oeste, até a Inglaterra; e, a leste, quase até a Mongólia. Mesmo no auge de sua ocupação da Europa ocidental, o número total de neanderdais jamais passou de 15 mil. Ainda assim conseguiram sobreviver, mesmo quando o resfriamento do clima transformou parte de seu território em uma paisagem parecida com a do atual norte da Escandinávia – uma tundra gélida e estéril, cujo horizonte sombrio é rompido por poucas árvores macilentas e uma quantia de líquefi suficiente apenas para manter vivas as renas.
Na época da tragédia de El Sidrón, todavia, os neandertais estavam lutando para sobreviver. Con! nados à península Ibérica, a bolsões na Europa central e ao litoral do Mediterrâneo, estavam oprimidos por condições climáticas cada vez piores. Também perdiam terreno pelo avanço dos seres humanos anatomicamente modernos, que eram originários da África e migraram primeiro para o Oriente Médio e depois para toda a Eurásia. Por volta de 15 mil anos depois, os neandertais haviam desaparecido para sempre, deixando apenas ossadas e dúvidas. Formavam eles uma linhagem de sobreviventes inteligentes e perseverantes, parecida com a nossa, ou não passavam de um beco sem saída em termos cognitivos? O que houve entre 45 mil e 30 mil anos atrás, quando os neandertais partilharam algumas regiões do território eurasiático com os homens modernos? Por que um tipo de ser humano sobreviveu e o outro se extinguiu?
Em uma manhã nevoenta de setembro de 2007, eu estou na gruta El Sidróficom Antonio Rosas, do Museu Nacional de Ciências Naturais de Madri, coordenador dessa investigação paleoantropológica. Após dez minutos na caverna, cheguei à Galería del Osario. Desde 2000, cerca de 1,5 mil fragmentos de ossos foram retirados dali, constituindo os restos mortais de pelo menos nove neandertais. Rosas recolhe o fragmento de um crânio recém-exumado e outro pedaço de um osso comprido do braço, ambos com as bordas recortadas de maneira irregular.
“Essas fraturas – clack! – foram feitas por seres humanos”, diz Rosas, imitando o ruído do impacto de um instrumento de pedra. “Isso significa que estavam em busca do cérebro, no interior do crânio, e do tutano, presente nos ossos longos.” Além das fraturas, marcas de cortes nos ossos indicam que os indivíduos foram objeto de canibalismo. Logo após a morte dos nove, o solo sob eles cedeu de repente, impedindo que hienas e outros animais dispersassem as ossadas.
Uma maçaroca de ossos, sedimentos e pedras despencou 20 metros em uma câmara de calcário oca. Ali, protegidas por areia e argila, preservadas pela temperatura constante da caverna e incrustadas no osso mineralizado, sobreviveram preciosas moléculas do código genético dos neandertais, aguardando a época no futuro em que poderiam ser examinadas, de modo a revelar pistas de como viviam essas pessoas.
O primeiro indício de que o nosso tipo de ser humano não foi o primeiro a habitar a Europa surgiu há um século e meio, em um local 13 quilômetros a leste da cidade alemã de Düsseldorf. Em agosto de 1856, operários que trabalhavam em uma mina de calcário no vale do rio Neander escavaram um crânio com testa proeminente e ossos grossos nas pernas. Desde o início, os neandertais carregaram a pecha de um persistente estereótipo cultural, sendo vistos como abrutalhados moradores das cavernas. O tamanho e a forma dos fósseis sugerem que eram baixos e robustos (os homens tinham em média 1,60 metro de altura e pesavam cerca de 84 quilos), com músculos que protegeriam pulmões de grande capacidade. O paleoantropólogo Steven E. Churchill calculou que, para manter essa massa corporal em um clima frio, um neandertal adulto do sexo masculino teria de ingerir 5 mil calorias por dia. Contudo, por trás da fronte projetada, o crânio achatado de um neandertal abrigava um cérebro com volume algo superior ao da nossa própria média atual. E, ainda que suas ferramentas e armas fossem mais primitivas que as dos seres humanos modernos que os suplantaram na Europa, elas não eram menos elaboradas que os implementos produzidos pelos seres humanos da época na África e no Oriente Médio.


Por Stephen S. Hall Fonte: NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL

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