O inesquecível Ruy Barbosa (1849/1923), entre muitas citações polêmicas,
nos deixou um legado que se tornou famoso em todo o mundo, quando disse:
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver
prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da
virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".
Como sempre, esse ilustre homem, que sempre demonstrou sua perspicácia,
misturada com ironia e sarcasmo, estava coberto de razão, em todas as suas
"tiradas". No meio de suas irreverências filosóficas sempre vamos
encontrar uma dose profunda de bom senso, de visão ampla e de coragem no
enfrentamento às inversões dos valores políticos, morais e sociais da época.
Pelo que pudemos constatar, já em meados do início do século XX, a situação não
estava lá muito equilibrada, no que concerne aos relacionamentos sociológicos,
pois o Ruy viu-se obrigado a despejar, de forma contundente, sua opinião
"apimentada" contra as injustiças, as atitudes negativas dos que
mantinham o poder, o crescimento das mediocridades, a prosperidade dos
corruptos, e por aí vai.
A política brasileira tem apresentado uma tendência diferenciada e aprimorada
da corrupção no sentido axiológico, sobre os quais os detentores do poder vêm
se aprimorando na tática de corrupção. Guiado pelo manto de legalidade, esses
atores criam um ambiente propício ao que a eles fora atribuído por um sufrágio
eleitoral, contaminado pelas ações anteriores que direcionaram todo um processo
eletivo para um resultado anteriormente predeterminado e já conhecido.
A inércia dos cidadãos, antecipadamente organizada por ações que os
levaram a este status quo, facilita de forma concreta a legitimação desse
poder, impossibilitando qualquer questionamento e fiscalização, por quem
de direito deveria fiscalizar.
A política brasileira, nos últimos anos, foi preparada em todos os seus
aspectos para a prática da corrupção, onde o Sistema, fazendo uso de seu poder
de manipulação e convencimento através da mídia e outros meios, apresenta um
paradoxo (fala política/realidade política/inércia do cidadão) que passa a
exigir deste contexto, outro valor criativo, o qual urge a necessidade de inovar,
produzindo um repensar do projeto político aplicado na atualidade brasileira a
partir do modelo de democracia deliberativa de Habermas e dos pensamentos de
George Orwell apresentados no livro 1984. Este modelo político foi
perfeitamente adaptado para a nossa realidade no modo de agir desses detentores
do poder.
A democracia aplicada neste modelo político, bem como o sucesso de sua
ação e dos resultados políticos, não depende da vontade do povo, mas, antes, da
força da propaganda midiática. Na compreensão desse modelo de democracia o que
importa não é o povo, mas, o equilíbrio entre o dinheiro e o poder.
Então, se analisarmos o mundo do terceiro milênio, veremos que muita
coisa mudou nesses cem anos de progresso, ou seja, muita coisa mudou pra pior,
com a tendência de piorar ainda mais, dando mostras incontestes de que aquilo
que esteja muito ruim não deve ser lamentado, porque existe sempre a
possibilidade de ficar ainda mais lamentável, caso nada seja feito para alterar
sua trajetória descendente, consistente e indecente. Hoje, as palavras do
grande Ruy já estão obsoletas, pelo simples fato de haver perdido sua
"acidez" suficiente para retratar a situação atual. Façamos então um
trabalho de "melhora" na famosa frase, tornando-a mais compatível com
a realidade contemporânea: "De tanto ver triunfar as nulidades, de
tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus”, o homem chega a combater a
virtude, a cultivar a desonra, a ter aversão pela honestidade.
Muito bom e útil à democracia o seu artigo, o qual estou republicando, nesta data, lá no blogue da Confraria dos Pensadores Fora da Gaiola:
ResponderExcluirhttp://cpfg.blogspot.com.br/2016/08/vote-legitime-o-e-depois-sofra-as.html
Sobre a frase do Ruy Barbosa, trata-se de um raio-X do comportamento humano diante da inversão de valores numa sociedade corrupta.
Nosso povo, embora refém de um avassalador processo de dominação que atravessou séculos, de algum modo contribui para que seus algozes se perpetuem no poder. Basta conferir o que ocorre numa campanha eleitoral em que pessoas pedem dinheiro aos candidatos para depois falarem mal dos eleitos. E agora que a legislação cria uma situação nova em que o político precisa arrecadar de pessoas físicas, o eleitor fica surpreso com a nova realidade. Recentemente certa pessoa me disse que, se algum político viesse lhe pedir dinheiro, ele "daria porrada".
De qualquer modo, tudo é um começo, ainda que legislação nenhuma tenha força em si mesma para mudar o comportamento social. Na verdade, as normas são o produto da valoração dos fatos feita pelo legislador. Mas vamos que vamos e espero que algum dia o povo brasileiro mude, mesmo que consciente pelas necessidades urgentes.