segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Manual de picaretagem intelectual


Antes de ler este artigo, sugiro ao leitor que responda ao seguinte questionário. 

Você precisa debater em público e não tem certeza da validade de seus argumentos? 

Você, com certeza, é o melhor executivo da empresa; mas por que as boas vagas sempre acabam sendo ocupadas por profissionais que você julga menos capacitados? 

Suas ideias, é claro, são sempre as melhores; por que ninguém se interessa por elas? 
Embora seja frequente, você ainda não se conformou em sempre passar por idiota? 

Você acredita, realmente, que ainda vai vencer na vida?

Então este artigo foi feito para você. Preste muita atenção!

Você não precisa se aprofundar na arte de argumentar. Muitos sábios, advogados e homens públicos já cuidaram disso por você. 

Desde a Grécia antiga, berço da civilização ocidental – começando com os filósofos sofistas e, depois, Sócrates, Platão e Aristóteles -, muitos dos grandes pensadores da humanidade se debruçaram sobre esse tema. Discutia-se a respeito dele na República e no Império Romano, em Bizâncio, na Europa  medieval, na Renascença, no Novo Continente e até hoje se acumulam novos conhecimentos sobre o assunto. 

Pensadores da estatura do filósofo alemão Arthur Schopenhauer chegaram a elaborar tratados sobre o tema. 

Há uma obra dele que merece ser lida e devidamente estudada. Foi publicada depois de sua morte e recebeu dos editores o sugestivo título “Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão”. 

As conclusões são alarmantes e desoladoras. Os bons argumentos não precisam ser os melhores nem os mais verdadeiros. Bem apresentá-los é o que realmente importa.

O que cabe a você, aqui, é – de uma vez por todas – saber que os que sabem discursar melhor não são, necessariamente, os que sabem governar melhor. Os medíocres também têm vez. Não importa se seu produto é o melhor, o que importa é saber vendê-lo bem. Saiba, enfim que para vencer um debate o que menos você precisa é estar com a tese certa.

1.ª lição – Mesmo que esteja em dúvida, trate de ser convincente – se não der para convencer, confunda. Se mesmo assim não funcionar, encontre um ausente no qual pôr a culpa.

2.ª lição – Demonstre sempre certeza do que está falando, mesmo quando já tenha percebido que sua proposta está errada.

3.ª lição – Decorre da segunda: ninguém segue um líder que se mostre em dúvida.

4.ª lição – Não se preocupe em responder a um argumento correto, é muito melhor dizer que seu oponente não tem autoridade moral para afirmá-lo. Inversamente: uma boa ideia será sempre uma boa ideia, independentemente de quem a tenha tido.

5.ª lição – Apresente ideias que aparentem ser coerentes. As boas histórias só convencem a audiência se tiverem começo, meio e fim. Inversamente: não acredite em histórias perfeitas, geralmente elas são inventadas. Tenha sempre em mente que a realidade não produz enredos perfeitos.

6.ª lição – Para que ideias confusas sejam mais convincentes, você deve atribuí-las a alguém como Napoleão. Servem também Júlio César, Alexandre ou Abraham Lincoln. Ninguém se atreverá a desmenti-lo nem admitirá pouco saber sobre eles. Se a celebridade em questão já tiver falecido, nem mesmo ela poderá desmenti-lo.

7.ª lição – Os exemplos de que você se vale não precisam ser verdadeiros. Basta que eles sejam verossímeis.

As lições são inúmeras. Mas, por enquanto, são suficientes essas sete. Você ainda acredita nas palavras e nas elaborações intelectuais? Então, para terminar leia o que vem a seguir.

Recordo-me de, muitos anos atrás, ter lido um livro sobre retórica no qual havia um belo exemplo de como tudo isso funciona. O autor resumiu a questão apresentando duas biografias, retratos fiéis de grandes vultos da História.

O primeiro era um beberrão contumaz. E, não bastasse, tabagista inveterado, mulherengo e dado a excessos alimentares. Não tinha hora de dormir nem de acordar. Era indisciplinado por natureza. Não gostava de ler relatórios, era teimoso, ranzinza e não aceitava as ideias de ninguém. Por causa da teimosia, perdeu diversas batalhas, foi afastado do comando, caiu em desgraça perante a imprensa em geral e a opinião pública o desprezou por mais de duas décadas. Voltou ao poder em razão de uma grave comoção popular. Pode-se dizer que tinha grande desprezo por seus subordinados e era cético quanto à capacidade de discernimento da humanidade.

Já o segundo era praticamente o oposto. Não se conhece dele nenhum vício ou algum tipo de costume reprovável. Não fumava, não bebia e se preocupava sempre em estar dentro do peso. Extremamente metódico e disciplinado, tinha obsessão pela pontualidade. Quando não estava trabalhando, cuidava de ler e estudar. Desde pequeno sentia-se imbuído de uma grande missão. A ela dedicou toda a sua juventude. Para bem executá-la evitou até a prática sexual, só vindo a contrair matrimônio no fim da vida. 

Enquanto viveu, dedicou todo o seu tempo à sua causa. Morreu por causa dela. E sua mulher morreu logo a seguir. Todos os que o conheceram afirmam que nunca deixou de ser um idealista. Em suas aparições públicas demonstrava ser enérgico e intransigente, mas em casa seu comportamento era cordial. Seus funcionários mais íntimos foram unânimes em afirmar que era cavalheiro, polido e afável no trato. Às vezes perdia a paciência, mas só quando se sentia injustiçado.

Qual dos dois perfis é o que mais lhe agrada? 

Qual dos dois líderes você não vacilaria em acompanhar? 

Os dois líderes foram retratados com exatidão. Qual deles, a princípio, mais lhe desperta simpatia?

A maioria das pessoas, provavelmente, terá escolhido o segundo. Pois as aparências, como sempre, enganam. 

O primeiro perfil é de Winston Churchill. E o segundo, de Adolf Hitler.

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Dag Vulpi

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