Opinião é do
colunista da IstoÉ Paulo Moreira Leite; segundo ele, a decisão do Supremo de
desmembrar o processo do cartel tucano, diferente do que fez com a Ação Penal
470, "mostra que a noção de que o STF iria 'mudar a história' ao fazer o
'julgamento do século' e 'acabar com a impunidade dos poderosos' está longe de
corresponder à realidade"
O processo que
investiga o esquema de cartel em licitações do Metrô e da CPTM em São Paulo e
no Distrito Federal durante governos do PSDB será desmembrado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF). Isso é: só serão julgados pela corte suprema os réus
que têm a prerrogativa de foro privilegiado (leia mais aqui).
Para o
jornalista Paulo Moreira Leite, a decisão revela a "desigualdade
escancarada", uma vez que na Ação Penal 470, processo em que apenas três
de 38 réus tinham foro privilegiado, nove ministros votaram contra o
desmembramento, o que levou réus comuns (sem cargos políticos) a serem julgados
em última instância, sem direito a recursos.
De acordo com
o colunista da IstoÉ, a diferença de tratamento "mostra que a noção de que
o STF iria 'mudar a história' ao fazer o 'julgamento do século' e 'acabar com a
impunidade dos poderosos' está longe de corresponder à realidade". Para o
jornalista, o caso "não fez jurisprudência nem no STF, pelo visto".
Leia seu artigo, publicado no site da IstoÉ:
Desigualdade
escancarada
Ao contrário do que ocorreu na AP 470, tucanos conseguem desmembrar julgamento do propinoduto
Em agosto de
2012, no início do julgamento da ação penal 470, o advogado Márcio Thomaz
Bastos colocou uma questão de ordem.
Queria
desmembrar o julgamento, separando os réus com direito a foro privilegiado –
três deputados – e os demais 35, que teriam direito a serem examinados na
primeira instância. O pedido foi rejeitado por 9 a 2.
Ontem, o
ministro Marco Aurélio de Mello, examinou a denuncia sobre o propinoduto
tucano, que envolve corrupção nas obras do metrô paulista. Marco Aurélio
decidiu desmembrar o processo.
A decisão de
ontem não compromete a biografia de Marco Aurélio, que foi um dos dois votos a
favor do desmembramento, em 2012.
Mas mostra que
a noção de que o STF iria "mudar a história" ao fazer o
"julgamento do século" e "acabar com a impunidade dos
poderosos" está longe de corresponder a realidade. Não fez jurisprudência
nem no STF, pelo visto.
Em agosto de
2012 o Supremo já havia desmembrado o mensalão do PSDB-MG, decisão tomada antes
de negar a mesma medida na AP 470.
Repetiu a
prática, agora, com os tucanos de São Paulo.
Encarregado de
julgar o mensalão do DEM-DF e seus parlamentares filmados quando recebiam
dinheiro na meia, em saco de supermercado e sacola de feira, o STJ também
desmembrou.
Ou seja:
sequer no plano das aparências é possível dizer que se oferece um tratamento
igual para situações iguais. "Dois pesos, dois mensalões," escreveu
Janio de Freitas, em 2012.
Em 3 de agosto
de 2012, escrevi neste espaço: "O julgamento continua. Mas essa decisão (
o não-desmembramento), tão diferente para situações tão parecidas, vai gerar
muita polêmica, estejam certos."
Um ano e meio
depois, descobre-se que uma decisão crucial da AP 470, que determinou vários de
seus desdobramentos, não será seguida mais uma vez.
Imagine: com o
desmembramento, réus como José Dirceu, Delúbio Soares e 32 outros acusados
muito possivelmente sequer teriam sido julgados até agora, como acontece com os
réus do mensalão PSDB-MG, que envolvem crimes cometidos seis anos antes dos
casos denunciados na AP 470 e ninguém sabe quando irão receber a sentença em
definitivo.
Mesmo que isso
tivesse ocorrido, eles teriam direito a um segundo julgamento, por outra corte
de Justiça. Em vez disso, em casos especialíssimos, têm direito a uma revisão
limitada e pontual, com várias condicionantes, pelo mesmo tribunal.
Em 2012, o
simples voto a favor do desmembramento provocou mal-estar no plenário do STF.
Quando Ricardo Lewandowski votou a favor do pedido, Joaquim Barbosa fez uma
intervenção agressiva: "Me causa espécie que tratemos dessa questão agora.
Isso é deslealdade". O revisor retrucou: "me causa espécie que sua
excelência queira impedir que eu me manifeste."
Ao votar
contra o pedido de desmembramento feito na ação penal 470, o ministro Gilmar
Mendes alegou que, se o caso não estivesse no Supremo, o processo prescreveria.
Vamos ler o que disse:
"Esse
processo só está chegando a seu termo porque ficou concentrado no Supremo
Tribunal Federal", disse. "Se estivesse espalhado por aí, o seu
destino era a prescrição."
Desmembramento
é igual a prescrição na opinião de Gilmar Mendes, se entendi bem. E agora?
Sou favorável
ao desmembramento. Não só pelo princípio de que deve-se garantir tratamentos
iguais a cidadãos acusados de crimes iguais, mas porque a Constituição define
assim. Quem tiver alguma dúvida sobre a incompetência do STF para julgar réus
que não possuem o foro privilegiado, só precisa digitar o nome de Dalmo Dallari
na internet para ter uma aula irretocável sobre o assunto.
Do Brasil 247
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