segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Entendendo as razões dos “lucros” rápidos das empresas privatizadas por Fernando Henrique Cardoso:


Ponto por ponto I

As razões explicáveis para os lucros rápidos, exorbitantes e inexplicáveis das empresas privatizadas no período compreendido entre 1995 a 2002, portanto, durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Obs. Todas as referencias transcritas abaixo são da época das privatizações. 


Leia também:
Ponto por ponto II 

Ponto por ponto III 
Nesta primeira postagem do Ponto por Ponto trataremos dos seguintes assuntos:

TARIFAS E PREÇOS
DEMISSÕES
DÍVIDAS “ENGOLIDAS”
DÍVIDAS TRANSFERIDAS
FUNDOS DE PENSÃO
PREJUÍZOS “BONDOSOS”
DINHEIRO EM CAIXA
VENDAS A PRESTAÇÃO
MOEDAS “PODRES” E TRUQUES
POVO DUPLAMENTE LESADO

TARIFAS E PREÇOS
Os reajustes de 100%, 300%, 500% antes da privatização garantiram os lucros aos novos donos. E houve aumentos até de última hora, como o reajuste de 58% para as contas de energia no Rio, poucos dias antes do leilão da Light.

DEMISSÕES
Também antes de privatizar, o governo fez demissões maciças de trabalhadores das estatais, isto é, gastou bilhões com o pagamento de indenizações e direitos trabalhistas, que na verdade seriam de responsabilidade dos futuros “compradores”.

Exemplos:
- O governo de São Paulo demitiu 10.026 funcionários de sua empresa ferroviária, a Fepasa, de 1995 a 1998. E ficou ainda responsável pelo pagamento a 50 mil (!!!) aposentados da ferrovia.

- No Rio, o governo do estado, antes da privatização, incumbiu-se de demitir nada menos que a metade – mais exatamente 6.200 – dos 12 mil funcionários do seu banco, o Banerj.

Com essas demissões, além de se livrar do pagamento de indenizações e aposentadorias, os “compradores” receberam também folhas de pagamento mais baixas, mês a mês – e isso vale para quase todas as estatais privatizadas.

DÍVIDAS “ENGOLIDAS”
O governo frequentemente usava as estatais para “segurar” a inflação ou beneficiar certos setores da economia, geralmente por serem considerados “estratégicos” para o país.

Como assim?
Houve períodos em que o governo evitou reajustes de preços e tarifas de produtos (como o aço) e serviços fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pressões e controlar as taxas de inflação. Esses “achatamentos” e “congelamentos” de preços foram os principais responsáveis por prejuízos ou baixos lucros apresentados por algumas estatais, que passavam a acumular dívidas ao longo dos anos, sofrendo então nova “sangria” de recursos, representada pelos juros que tinham de pagar sobre essas dívidas. Certo ou errado, as estatais foram usadas como arma contra a inflação por governos que achavam que o combate à carestia era a principal prioridade do país.

O mal é que nunca foi suficientemente explicado à população que essa decisão arruinava as empresas estatais, dando motivo a falsas acusações de “incompetência” e “sacos sem fundo” contra elas. Quando veio a onda das privatizações, o governo fez exatamente o contrário. Primeiro, como visto acima, aumentou os preços (até 300%, no caso do aço) e tarifas (até 500%, repita-se) cobrados pelas empresas que seriam privatizadas. Mas – o que é espantoso, o governo fez muito mais: “engoliu”, passou para o Tesouro, dívidas que eram das estatais, bilhões e bilhões de reais que deveriam ser pagos pelos “compradores”, mesmo que esse pagamento fosse feito a longo prazo, mediante acordo com os credores.

Exemplos:
Na venda da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista), o governo ficou responsável por dívidas de 1,5 bilhão de reais (além de o governo paulista ter adiado o recebimento de 400 milhões de reais em ICMS atrasado).

Quanto o governo recebeu pela venda?
Só 300 milhões de reais. Isto é, o governo “ganhou” uma dívida de 1,5 bilhão reais, e os “compradores” pagaram somente 300 milhões.

A venda da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de Volta Redonda, não foi diferente, o governo “engoliu” dívidas de no mínimo 1 bilhão de reais. Então, pode-se entender que, com essa política, ficou muito fácil para os “compradores” terem grandes lucros rapidamente.

Já no primeiro ano, além das tarifas e preços majorados, além da folha salarial reduzida, eles se livraram de pagar prestações dessas dívidas, bem como os juros sobre elas. Receberam as empresas “limpinhas”, prontas para os lucros. É a essa política que o governo chamou de “saneamento das estatais”, preparatório para a privatização. Quem não quer?

DÍVIDAS TRANSFERIDAS
Aqui, cabe um parêntese importante. O governo, quando divulga os resultados do processo de privatização, sempre gostava de dizer que, além do preço da “venda”, devia-se levar em conta, ainda, as dívidas que aquelas estatais apresentavam, e que foram transferidas para o comprador. Nesse argumento, há uma dupla mentira.

Primeiro:
Como foi demonstrado acima, há dívidas que o governo “engole”, e sobre as quais ele e os meios de comunicação nunca falam.

Segundo:
No caso das dívidas que permaneceram sob responsabilidade dos “compradores”, é preciso lembrar que eles contaram com o faturamento da própria empresa para pagá-las. Ao contrário do governo, que ficou com as dívidas “engolidas” e teve que pagá-las com dinheiro do Tesouro, dos impostos, ou seja, de toda a população brasileira. Dinheiro nosso.

FUNDOS DE PENSÃO
Exatamente como as grandes empresas privadas, também as empresas estatais mantinham planos especiais de aposentadoria ou planos de pensão para seus funcionários, e em vários casos, os “compradores” ficaram livres também desses compromissos.

Como assim:
O governo (estados ou União) “transferiu” os aposentados para sua folha de pagamentos ou se responsabilizou no caso dos fundos de pensão, pelo pagamento dos benefícios aos funcionários existentes. No caso da Fepasa, o número de aposentados que “ficaram” com o governo chegava a nada menos de 50 mil. No entanto, o mais escandaloso foi o caso do Banco do Estado do Rio de Janeiro. Para privatizá-lo, o governo “engoliu” todos os compromissos futuros do plano de pensão dos funcionários.

Para isso, o então governador Marcello Alencar tomou um empréstimo nada menos de 3,3 bilhões de reais, mesmo sabendo que o banco seria vendido por apenas 330 milhões de reais, isto é, um preço dez vezes menor.

Pior ainda:
esse valor foi pago em “moedas podres”, negociadas no mercado com desconto de 50%, ou seja, os 330 milhões de reais representavam mesmo, no final das contas, apenas 165 milhões de reais, ou praticamente 20 vezes menos do que o valor do empréstimo de 3,3 bilhões. Tudo para livrar os “compradores” de futuros gastos. Essa operação escandalosa agravou os problemas financeiros do Rio, como o novo governador, Anthony Garotinho, não se cansava de apontar.

Mais dinheiro nosso para aumentar lucros.
Até aqui, foram apontadas algumas das causas dos lucros que as empresas privatizadas apresentaram rapidamente, e que a imprensa gostava de elogiar: aumento de preços e tarifas, demissões antes da privatização, dívidas “engolidas” pelo governo, compromissos dos fundos de pensão e das aposentadorias também “engolidos” pelo governo. Mas há outras vantagens incríveis que engordaram os lucros dos “novos donos”, sempre à custa do dinheiro do contribuinte, do nosso dinheiro.

PREJUÍZOS “BONDOSOS”
Existiu uma vantagem, sobre a qual nunca se falou, de que desfrutaram os “compradores” de bancos estatais:

À custa da Receita Federal, do pagamento de impostos, eles puderam utilizar os prejuízos que os bancos estatais “comprados” por eles teriam sofrido nos últimos anos e acumulado nos balanços.

Utilizar como?
Eles puderam “pegar” esse prejuízo e subtraí-lo do seu próprio lucro, reduzindo-o e, portanto, diminuindo também o Imposto de Renda que deveriam pagar.

Com esse mecanismo, chamado de “crédito tributário”, o banco “comprador” do gaúcho Meridional pode utilizar um prejuízo de 230 milhões de reais (do banco “comprado”) em seu benefício.

Quanto ele havia pago pelo Meridional? Apenas 267 milhões de reais. Como utilizou os 230 milhões de reais, o seu “gasto” para comprar o banco seria, na verdade, de meros 37 milhões de reais.

Quem se interessar por maiores detalhes sobre essas operações deve consultar a magnífica reportagem da jornalista Maria Christina de Carvalho, publicada pela Gazeta Mercantil em 17 de novembro de 1998.

DINHEIRO EM CAIXA
Por incrível que possa parecer, há estatais que foram vendidas com “dinheiro em caixa”, isto é, dinheiro que os compradores receberam de mão beijada. A Vale do Rio Doce foi entregue a Benjamin Steinbruch com 700 milhões de reais em caixa, segundo noticiário da época.

Ou, mais inacreditável ainda, simplesmente espantoso: a Telesp tinha nada menos que 1 bilhão (com letra b, mesmo) em caixa ao ser entregue à espanhola Telefônica, segundo entrevista do diretor da empresa “compradora” à Gazeta Mercantil, em janeiro de 1999, logo após a queda do real.

Lembrete:
A Telefônica pagou uma entrada de 2,2 bilhões de reais pela Telesp descontando-se o dinheiro em caixa, seu desembolso na verdade foi de apenas 1,2 bilhão.

VENDAS A PRESTAÇÃO
Outro motivo para o aumento dos lucros dos “compradores” (e novos “rombos”, se as contas forem bem feitas, para o governo).

Nota:
Na maioria das privatizações, o valor foi pago em prestações, e com juros vergonhosamente baixos, se comparados com as taxas normais (da época) no Brasil ou, mais ainda, com as taxas que o governo pagava sobre sua dívida cada vez mais alta.

Na venda das redes ferroviárias, por exemplo, houve uma entrada de 10% a 20% do valor, com prazo, no total, de nada menos de 30 anos. Isto é, nos três primeiros anos o “comprador” recebe dinheiro, fatura, utilizando o patrimônio formado pelo Estado ao longo de décadas, e nada paga (e atenção: ainda recebe empréstimos do BNDES para “investir”).

Mesmo no caso das teles houve parcelamento, cuidadosamente escondido por todo o noticiário:

a entrada era apenas de 40%, seguida de duas parcelas de 30% cada, a vencerem daí a um e dois anos, respectivamente. Os comentaristas dos jornais e TVs, ou as reportagens sobre a venda, reprisavam o tempo todo que o governo iria receber 13,5 bilhões de reais (preço mínimo pedido no leilão), ou “quatro vezes o valor recebido pela Vale do Rio Doce” (sic). Era mentira. A entrada seria de apenas 5,4 bilhões de reais, ou 40% daquele valor.

E, quando as teles afinal foram vendidas por 22,2 bilhões de reais, os meios de comunicação trombetearam o tempo todo que o governo usaria aquela “dinheirama” para reduzir a dívida. Continuavam a esconder que, na verdade, o governo só receberia 40% desse valor – 8,8 bilhões de reais. (De fato, receberia menos ainda, considerando-se que o governo financiaria, por meio do BNDES, 50% da entrada, quando o comprador fosse uma empresa nacional, mesmo que ela fosse apenas participante de um consórcio).

MOEDAS PODRES” E TRUQUES
Nas primeiras privatizações, o governo chegou a aceitar que o pagamento fosse totalmente feito em “moedas podres”, isto é, títulos antigos emitidos pelo governo e que podiam ser comprados por até 50% do seu valor. A própria Companhia Siderúrgica Nacional foi “vendida” no leilão por 1,05 bilhão de reais, mas esse valor foi pago em sua quase totalidade, ou 1,01 bilhão de reais, com “moedas podres”, com apenas 38 milhões de reais pagos em dinheiro.

Resumindo:
Foi nula a entrada de dinheiro nos cofres do governo, que na prática apenas recebeu de volta uma parcela de sua dívida em títulos (exemplo: Títulos da Dívida Agrária, espécie de “promissória”, a ser paga ao longo dos anos, entregue a proprietários rurais que tiveram suas fazendas desapropriadas).

E os grupos “compradores”?
Usaram títulos, que compraram pela metade do preço, para “pagar” ao governo, isto é, na verdade compraram as estatais pela metade do preço anunciado.

Nota:
Por mais incrível que possa parecer, e o que é geralmente desconhecido pela opinião pública, mesmo “moedas podres” usadas nos leilões também foram vendidas a prestação, financiadas pelo BNDES.

Como assim?
Era o próprio banco do governo que tinha “moedas podres” guardadas e as colocava em leilão, para os interessados em “comprar” estatais, em condições incríveis: até 12 anos para pagar e com juros privilegiados.

No final das contas:
O governo vendeu empresas aceitando “moedas podres” que estavam com o BNDES, que vendeu essas moedas para pagamento em até 12 anos, para os compradores das estatais.

Ou ainda:
Os compradores não precisaram desembolsar dinheiro vivo nem mesmo para comprar as “moedas podres” usadas para pagar o governo...

Sem gastar, viraram “donos” de estatais construídas com dinheiro – bilhões de reais – de todos nós, brasileiros, ao longo de décadas, e mais financiamentos.

Resumo:
O governo vendeu empresas a prestação, fornecendo “metade” da “entrada” nos leilões, financiando até a “compra” de “moedas podres”. Mas não se contentou com isso. Os felizes“compradores” das estatais brasileiras tiveram ainda novos presentes à sua espera:

O BNDES lhes ofereceu empréstimos bilionários, depois que eles tomaram posse das empresas, para executarem com dinheiro do banco estatal, logo nosso, os “investimentos” que se comprometeram a fazer.

Nota:
Depois do caos nos serviços de energia elétrica no Rio, no começo de 1998, a Light ganhou um empréstimo de nada menos que 730 milhões de 19 reais do BNDES.

A Companhia Siderúrgica Nacional, comprada com “moedas podres” financiadas, também foi imediatamente presenteada com um empréstimo de 1,1 bilhão de reais do BNDES para execução de um plano de expansão de cinco anos. (Tudo, sempre, com juros privilegiados, abaixo dos níveis de mercado).

Explicam-se, assim, os rápidos e crescentes lucros dos “compradores” de estatais:

Com dinheiro nosso, a baixo custo ainda era preciso aumentar a dívida e abalar o real Para coroar tudo isso, não se deve esquecer que o governo fez investimentos maciços,

bilionários, nos meses que antecederam os leilões de “venda” das estatais. Isto é, com esses investimentos, o governo criou novas e formidáveis fontes de renda, de faturamento, para os “compradores” que, assim, tiveram garantido um salto fantástico nos lucros, falsamente atribuídos pelos meios de comunicação à sua “eficiência”.

Exemplos
O governo investiu 4,7 bilhões de reais na Açominas, antes de privatizá-la.
Gastou também 1,9 bilhão na CSN.

Mas o caso mais escandaloso de “investimentos para enriquecer os compradores” foi o do sistema Telebrás. Em 1996, o governo duplicou os investimentos nas teles, alcançando 7,5 bilhões de reais, chegou aos 8,5 bilhões de reais em 1997 e investiu mais 5 bilhões de reais no primeiro semestre de 1998, totalizando, portanto, 21 bilhões de reais de investimentos em dois anos e meio.

Uma “gastança” ainda mais estranha se lembrarmos que naquela época o Brasil já caminhava para a crise, o que forçou o governo a lançar seu primeiro programa de “ajuste fiscal” em fins de 1997, levando a violentas reduções nos gastos, inclusive nas áreas da saúde, educação, verbas para o Nordeste etc.
Com essa “dinheirama”, o governo ampliou as redes, instalações, estações, cabos, toda a infraestrutura do sistema telefônico, deixando tudo pronto para as telefônicas chegarem, puxarem as linhas até a casa do freguês e começarem a faturar para seus próprios cofres. Lucros obtidos com dinheiro nosso.

Mas, neste Brasil em que a mentira campeia solta, as empresas “compradoras” diziam, e os meios de comunicação repetiam, que os problemas surgidos depois da privatização se deviam à “falta de investimentos” no período em que elas eram do governo. A mesma mentira repetida, também, pelos “compradores” das empresas paulistas de energia elétrica já privatizadas.

O governo não tinha outro caminho?
A febre da privatização e o impulso ao chamado neoliberalismo tiveram seu ponto de partida na Inglaterra, com a primeira-ministra Margaret Thatcher. Mas mesmo a “dama de ferro” fez tudo diferente do governo Fernando Henrique Cardoso: a privatização inglesa não representou a doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente a “pulverização” das ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em “donos” de ações, acionistas das empresas privatizadas. Não foi só blablablá, não. O governo inglês criou “prêmios”, incentivos para qualquer cidadão comprar ações: quem não as revendesse antes de certo prazo tinha o direito de “ganhar” determinadas quantias, em datas já marcadas no momento da compra (o sistema se baseava na distribuição de customer vouchers, espécie de cupons que eram trocados por dinheiro, nos prazos previstos). Ou ainda: após três anos, os acionistas que tivessem guardado as ações podiam ganhar também “lotes extras” dos títulos, geralmente na proporção de 10% sobre o número de ações compradas. Isto na Inglaterra de Thatcher, nos anos 1980.

Depois foi a vez da Itália também partir para a privatização. Como na Inglaterra, houve a preocupação de “democratizar”, garantir a distribuição do patrimônio nacional, evitar a concentração da renda. Como os italianos não eram tão adeptos de aplicações em bolsas quanto os norte-americanos ou os ingleses, o governo procurou vencer suas resistências com uma fórmula atraente: o comprador de ações, se houvesse queda nas Bolsas ou por outro motivo qualquer, poderia receber seu dinheiro de volta, com juros de 3% a 4% acima das taxas do mercado internacional, que ele ganharia se tivesse aplicado em títulos de renda fixa (isto é, que só rendem juros).

Na França, a mesma coisa. Na privatização parcial das empresas de telecomunicações, em 1998, nada menos de 4 milhões de franceses compraram ações, graças aos atrativos oferecidos pelo governo.

POVO DUPLAMENTE LESADO
O governo Fernando Henrique Cardoso implantou as privatizações a preços baixos, financiou os “compradores”, sempre alegando não haver outros caminhos possíveis. A experiência de outros países, que a equipe de governo conhecia muito bem, mostra que essa argumentação é falsa. Como foi possível ao governo agir com tal autoritarismo, transferindo o patrimônio público, acumulado ao longo de décadas, a poucos grupos empresariais que nem sequer tinham dinheiro para pagar ao Tesouro? Como explicar a falta de reação da sociedade? Sem sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional às privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização das estatais e a ladainha do “esgotamento dos recursos do Estado”.

Mais ainda:
a sociedade brasileira perdeu completamente a noção – se é que a tinha – de que as estatais não eram empresas de propriedade do “governo”, que pode dispor delas a seu bel-prazer. Esqueceu-se de que o Estado é mero “gerente” dos bens, do patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada cidadão, portanto a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual. Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação, repita-se, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar por 10 o que valia 100. Um “negócio da China” que, em sua vida particular, nenhum trabalhador, empresário, nenhuma família de classe média ou o povão aceitariam.

Qual seria a reação de qualquer brasileiro, por exemplo, se um vizinho rico quisesse comprar sua casa, que valesse 50 mil ou 100 mil, por 5 mil ou 10 mil? Reagiria violentamente. No entanto, centenas e centenas de bilhões de reais de patrimônio público, isto é, de propriedade dos milhões de brasileiros, foram “vendidos” dessa forma, sem grandes protestos a não ser nas áreas sindicais ou oposicionistas – que, por isso mesmo, tiveram seu espaço nos meios de comunicação devidamente cortado, tornado quase inexistente, nos últimos anos.

A “doação” do patrimônio público empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso tem um agravante. O governo poderia ter imitado o modelo de outros países, como dito. Mas havia ainda outro aspecto, no caso brasileiro, que não apenas aconselhava, mas exigia, o caminho da “pulverização” de ações das empresas privatizadas. Qual? O governo tinha na época dívidas com os trabalhadores, cerca de 50 bilhões a 60 bilhões de reais, representadas pelo dinheiro do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep (Plano de Integração Social/Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público), que o governo usou para financiar projetos diversos. Se todos os trabalhadores brasileiros fossem sacar seu PIS ou FGTS ao mesmo tempo, descobririam que não poderiam receber, porque está “faltando” aquele dinheiro, utilizado pelo governo. Isto é: quando se dizia-se que o governo devia a cada João, a cada Maria, a cada Antônio, a cada Joana brasileiros, não era mera força de expressão. Era a pura verdade. O governo poderia ter finalmente pago essa dívida aos brasileiros, entregando-lhes ações das empresas estatais. Essa hipótese existia no governo Itamar Franco, quando o BNDES planejava privatizar as estatais usando “moedas sociais” (ou seja, FGTS, PIS/Pasep). Com a posse de Fernando Henrique Cardoso e sua equipe, a proposta foi abandonada, para alegria de grupos empresariais.

O trabalhador brasileiro foi duplamente lesado. Continuou vítima do “calote” do governo, no FGTS e no PIS/Pasep. E ficou sem as estatais, das quais já era dono.




Fonte de pesquisa "O Brasil Privatizado", do emérito jornalista Aloysio Biondi


2 comentários:

  1. Lamentável essa situação das privatizações em nosso país na década de 90.
    O FHC quebrou 3 vezes o país, e ainda hoje, tem gente que diz que seu governo foi bom.
    Devemos essa falta de informação, ou melhor, informação mentirosa, a nossa média canalha, que facilitou as vendas das estatais, manipulando a opinião pública.
    Esperemos, que com a internet, com opções de informações, milhões tenham a informação certa.
    E viva os blogs sujos.

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  2. Muito bom, patrão. Parabéns e Gracias.

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Dag Vulpi

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