- Você pode ficar aqui! Pode comer este capim viçoso, depois te deixo beber
água quando estivermos atravessando o Rio Tabocas lá na ponte dos Loss
Venâncio! Vou voltar para buscar os documentos! Sei que já andamos mais de um
quilômetro, mas a culpa é só minha, ter esquecido a valise com os papéis. Volto
pé! Você é um cavalo! Eu sou o burro! Até logo mais!
Rafael, atrás da moita, onde soltava o barro, estranhou aquilo. Pois, o sábio
Matheus Ângelo Ziviani, falava com o cavalo que amarrava em um Morão da Cerca,
onde vegetava viçosa gramínea. O Angelim Ziviani deixava ali o cavalo encilhado
e, voltava para casa, se auto repreendendo pelo esquecimento! Com seus botões,
confabulava: - Pobre cavalo, não é justo que ele ande dois quilômetros a mais
me carregando só por que esqueci a valise.
E
assim foi! Rafael tendo deixado ali atrás da moita “aquilo”, prosseguiu para o
bananal junto do cafezal, já tendo colhido mais de dez cachos, quando ouviu
Angelim Ziviani chegar ao Cavalo, falando: - Perdoa-me! Já tem mais de vinte
minutos que te deixei aqui! E recolocando de volta seu relógio de bolso em seu
devido lugar, com aquela correntinha sobrando para fora da roupa, falando com o
cavalo, depois que o desamarrou e montou-o, continuava :
- Discordo de muita coisa que o cristianismo diz ser justo, por exemplo: que
culpa tem você de pertencer a um irresponsável? Seria justo, ser cristão e
matar com facadas de assassino ao porco que criamos com carinho? É justo matar
com machado a vaca que por mais de doze anos deixou de dar o seu leite ao
filho, por que os ditos CRISTÂOS, o tomaram para alimentar a si e seus filhos?
É justo que uma espécie animal, mais inteligente, reconheço, escravize vocês e
aos bois, para o transporte e serviços rurais, visando somente angariar mais
lucros, fingindo hipocritamente ignorar que no livro do GÊNISES, todos os
animais também foram criados pelo mesmo CRIADOR? Será, Ó meu bondoso cavalo,
que a Santa Sé não está mentindo para nós, quando diz que fomos criados à
imagem de Deus, o que nos permite domínio sobre vocês? Pode ficar tranquilo!
Quando vender minha próxima colheita de café, vou embarcar no Caminhão do
Henrique Ferrari ali em Tabocas e, vou a Santa Leopoldina me comprar uma
bicicleta BIANCHI! Você não vai mais precisar carregar esta carcaça pecadora!
Vai poder correr pelos pastos e estradas, livre conforme está escrito no
Gênese! Como posso, em sã consciência, depois de batizado, aproveitar de minha
inteligência superior e escravizar você!
A uma daquelas sopradas do cavalo, BBBBRRRUUUMMM, Angelim respondeu: - Sei! E
como sei! Mas só eu entendo você!
Rafael Corona, que nem sabia escrever o próprio nome, mas era atento a tudo o
que estava na Doutrina da Santa Madre Igreja, acabou de lotar os balaios de seu
burro, com os cachos de banana e intrigado rumou para casa! Lá relatou para os
familiares o que viu e ouviu. Pois, estranhava que aquele homem que quase fora
Padre, mencionava a Bíblia ao falar com o cavalo! Ora, o Padre vivia dizendo
que os Católicos não deviam ler a Bíblia, porque se lessem poderiam ficar
loucos, porém, ali não parecia loucura, mas sim uma reflexão do que era falado
sobre o Éden e a Criação do mundo... Entretanto; o que seria da agricultura, se
não pudessem usar cavalos, burros e bois? (...).
Rafael relatou para esposa e filhos, todos destituídos de instrução, o que
ouvira! Ali começou a preocupação da Comunidade: - O Angelim leu a Bíblia, está
louco! – Pois, foi isso que a esposa de Rafael disse para Cecília Rasseli
Ziviani, a esposa, que quando o Matheus Ângelo Ziviani retornou no crepúsculo
daquele dia, o recepcionou, inquirindo-o, sobre sua confabulação com sua
montaria! Calmamente o Angelim perguntou: - Terias coragem de perguntar ao teu
Padre confessor, se antes de nos criticar o graveto no olho, examina o próprio,
para verificar se não há nele uma trave! Cília, se não tiveres nenhum pecado,
apedreje-me, bebedora de leite!
A comunidade não perdoou! Fofocou! Pois, Angelim tinha lido a Bíblia e falava
muitas palavras que o Padre dizia não serem apropriadas para os Católicos!
Muita fofoca circulou entre os tantos desinstruídos, piorando quando comprou a
bicicleta!