Por Alice Melo e Vivi Fernandes de Lima
O acervo pessoal de Luiz Carlos
Prestes, que será doado por sua viúva, Maria Prestes, ao Arquivo Nacional [isso
aconteceu em janeiro de 2012], traz entre cartas trocadas com os filhos e a
esposa, fotografias e documentos que mostram diferentes momentos da história
política do Brasil. Entre eles, o “Relatório da IV Reunião Anual do Comitê de
Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, datado de fevereiro de 1976.
Neste período Prestes vivia exilado na
União Soviética e, como o documento não revela quem são os membros deste
Comitê, não se pode afirmar que o líder comunista tenha participado da
elaboração do relatório. De qualquer forma, é curioso encontrá-lo entre seus
papéis pessoais.
O documento é dividido em seis
capítulos, entre eles estão “Mais desaparecidos”, “Novamente a farsa dos
suicídios”, “O braço clandestino da repressão” e “Identificação dos
torturadores”, que traz uma lista de 233 militares e policiais acusados de
cometer tortura durante a ditadura militar. Esta lista foi elaborada em 1975,
por 35 presos políticos que cumpriam pena no Presídio da Justiça Militar
Federal. Na ocasião, o documento foi enviado ao presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), Caio Mário da Silva Pereira, mas só foi noticiado
pela primeira vez em junho de 1978, no semanário alternativo “Em Tempo”.
Segundo o periódico, “na época em que foi escrito, o documento não teve grandes
repercussões, apenas alguns jornais resumiram a descrição dos métodos de
tortura”. O Major de Infantaria do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra é o
primeiro da lista de torturadores, segundo o relatório. A Revista de História
tentou ouvi-lo, mas segundo sua esposa, Joseita Ustra, ele foi orientado pelo
advogado a não dar entrevista. “Tudo que ele tinha pra dizer está no livro
dele”, diz ela, referindo-se à publicação “A verdade sufocada: a história que a
esquerda não quer que o Brasil conheça” (Editora Ser, 2010)
A
repercussão da lista em 1978
A Revista de Históriaconversou com um
jornalista que integrava a equipe do “Em Tempo”. Segundo a fonte – que prefere
não ser identificada – a redação tinha um documento datilografado por presos
políticos. Era uma “xerox” muito ruim do texto, reproduzido em uma página A4.
Buscando obter mais informações sobre o documento, os jornalistas chegaram ao
livro “Presos políticos brasileiros: acerca da repressão fascista no Brasil”
(Edições Maria Da Fonte, 1976, Portugal). Depois desta lista, o “Em Tempo”
publicou mais duas relações de militares acusados de cometerem tortura.
Na época, a tiragem do semanário era
de 20 mil exemplares, rapidamente esgotada nas bancas, batendo o recorde do
jornal. A publicação fechou o tempo para o jornal, que sofreu naquela semana
dois atentados. A sucursal de Curitiba foi invadida e pichada. Na parede, os
vândalos deixaram a marca em spray “Os 233”. O outro atentado aconteceu na
sucursal de Belo Horizonte: colocaram ácido nas máquinas de escrever. Na
capital mineira, a repercussão foi maior porque os militantes de esquerda
saíram em protesto a favor do jornal. O próprio “Em Tempo” publicou esses dois
casos, com fotos.
Os
autores da lista
As assinaturas dos 35 que assumem a
autoria também foram publicadas no “Em Tempo”. Hamilton Pereira da Silva é um
deles. O poeta – conhecido pelo pseudônimo Pedro Tierra e hoje Secretário de
Cultura do Distrito Federal – fez questão de conversar com a Revista de
História sobre o assunto, afirmando que a lista não foi fechada em conjunto. Os
nomes e funções dos torturadores do documento teriam sido informados pelas
vítimas da violência militar em momentos distintos de suas vidas durante o
cárcere.
“Essas informações saíam dos presídios
por meio de advogados ou familiares. A esquerda brasileira, neste período, não
era unida, era formada por vários grupos isolados, que não tinham muito contato
entre si por causa da repressão”, conta Tierra. “Quando a lista foi publicada
no ‘Em Tempo’, eu já estava em liberdade. Sei que colaborei com dois nomes: o
major, hoje reformado, Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o capitão Sérgio dos
Santos Lima – que torturava os presos enquanto ouvia música clássica”.
Hamilton lembra ainda que, após a
publicação da lista no periódico, a direita reagiu violentamente realizando
ataques a bomba em bancas de jornal e até uma bomba na OAB, além de ameaças à
sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Em 1985, já em tempos de abertura
política, a equipe do projeto Brasil: Nunca mais divulgou uma lista de 444
nomes ou codinomes de acusados por presos políticos de serem torturadores.
Organizado pela Arquidiocese de São Paulo, o trabalho se baseou em uma pesquisa
feita em mais de 600 processos dos arquivos do Superior Tribunal Militar de
1964 a 1979. Os documentos estão digitalizados e disponíveis no site do Grupo
Tortura Nunca Mais.
Entre os autores da lista de acusados
de tortura feita em 1975, além de Hamilton Pereira da Silva, estão outros
ex-presos políticos que também assumem cargos públicos, como José Genoino Neto,
ex-presidente do PT e assessor do Ministério da Defesa, e Paulo Vanucchi,
ex-ministro dos Direitos Humanos e criador da comissão da verdade. Os outros
autores da lista são: Alberto Henrique Becker, Altino Souza Dantas Júnior,
André Ota, Antonio André Camargo Guerra, Antonio Neto Barbosa, Antonio Pinheiro
Salles, Artur Machado Scavone, Ariston Oliveira Lucena, Aton Fon Filho, Carlos
Victor Alves Delamonica, Celso Antunes Horta, César Augusto Teles, Diógenes
Sobrosa, Elio Cabral de Souza, Fabio Oascar Marenco dos Santos, Francisco
Carlos de Andrade, Francisco Gomes da Silva, Gilberto Berloque, Gilney Amorim
Viana,Gregório Mendonça, Jair Borin, Jesus Paredes Soto, José Carlos Giannini,
Luiz Vergatti, Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, Manoel Porfírio de Souza, Nei
Jansen Ferreira Jr., Osvaldo Rocha, Ozeas Duarte de Oliveira, Paulo Radke,
Pedro Rocha Filho, Reinaldo Moreno Filho e Roberto Ribeiro Martins.
A seguir, a reprodução de parte do
“Relatório do Comitê de Solidariedade aos Revolucionários do Brasil”, com os
233 nomes dos acusados de praticarem tortura direta ou indiretamente:
RELATÓRIO DA IV REUNIÃO ANUAL DO COMITÊ DE SOLIDARIEDADE AOS
REVOLUCIONÁRIOS DO BRASIL
CONFIRA ABAIXO A LISTA COM 233 TORTURADORES
CONFIRA ABAIXO A LISTA COM 233 TORTURADORES