quinta-feira, 31 de março de 2011

Proposta de Reforma política: Convite para o debate


"Proposta para Reforma Política”


Por entender que ela propõe avanços que satisfarão alguns dos muitos anseios da nossa sociedade, apresento abaixo essa proposta para Reforma Política.

Pretendo gerar um debate em torno de sua essência, para tal convoco os amigos.

A  "Reforma Política" pode melhorar sua vida.

Seus impostos merecem boa administração. Bons políticos não vêm do nada. Para que existam bons políticos para administrar o país toda a sociedade precisa colaborar para que eles possam despontar e surgir.  É preciso um sistema eleitoral moderno  para melhorar a qualidade da política. Os políticos "tradicionais" tem horror à reforma política,  porque ela pode mudar a situação atual onde eles usam e manipulam  o eleitor e são pouco cobrados !

Entendemos que a REFORMA POLÍTICA é o primeiro passo (e um movimento social) imprescindível para se iniciar um processo de melhora real e verdadeira na qualidade da política brasileira, no modo de se votar e  ser votado e um ato social fundamental para o verdadeiro saneamento da nossa forma de fazer política. A reforma política brasileira é início de uma boa e eficiente administração pública. Veja nossas posições e sugestões para a reforma.

Como requisito ao entendimento do tema, entenda-se que eleição majoritária é aquela em que concorrem no sistema brasileiro, atual, os governadores, senadores e prefeitos, onde o eleitor vota diretamente na pessoa do candidato, sendo eleito o mais votado (em primeiro ou segundo turno no caso de prefeitos e governadores), enquanto a eleição proporcional é aquela em que escolhemos deputados e vereadores, de forma proporcional, e onde admite-se a votação na legenda partidária e, também, no candidato, sendo eleito, por partido, os candidatos, proporcionalmente mais votados dentro do partido, na proporção das  vagas obtidas pelo partido, seja na Câmara de vereadores, ou na Câmara Federal, seja na Assembleia Legislativa do Estado da federação. Na eleição  proporcional, divide-se o número de eleitores pelo número de vagas de forma a se encontrar a proporção de votos necessárias para ser conquistada uma cadeira na Câmara Federal, ou uma cadeira  na Assembleia Legislativa Estadual ou na Câmara de vereadores. Assim, quando um partido alcança, na soma de votos de todos os seus candidatos a deputados (ou vereadores), o total de votos necessários para conquistar uma vaga de representante do eleitorado, o candidato mais votado do partido toma assento em tal vaga e assim, sucessivamente, o segundo colocado do partido (ou coligação), até que todas as vagas sejam preenchidas pelo total de votos obtidos, proporcionalmente, pelo partido.

Vejamos, agora, a pauta da reforma política com suas características a debater na contemporaneidade.

I -  Voto Distrital – Chega de se eleger e depois sumir: 

a) O que é Voto Distrital

Sistema de escolha do candidato no qual este tem que  morar em um distrito eleitoral, região definida por espaço geográfico pré-estabelecido, não podendo colher votos em todos os distritos, visando mais proximidade do eleitor com o eleito, maior fiscalização e menos candidatos no momento da escolha, para facilitar o conhecimento da vida do candidato pelo eleitor.

b) Voto Distrital Misto e Voto Distrital Puro.

No voto distrital puro, todos os candidatos na eleição proporcional (deputados estaduais e federais) são escolhidos somente entre os candidatos de uma determinada região (ou distrito) eleitorais, que devem possuir, obrigatoriamente, domicílio eleitoral nessa região (perto do eleitor), e são escolhidos de forma majoritária (o mais votado, por exemplo). Nesse sistema puro, não existe  o voto para deputados de fora da região do eleitor e não se facilita a representação por categorias homogêneas de interesses, tendendo-se a diminuição de partidos políticos.

No voto distrital misto, parte das vagas é escolhida pelo sistema distrital e a outra parte é escolhida pelo sistema atual (proporcional), de forma que o eleitor tem acesso a uma escolha de representante da sua região e, também, pode votar em um candidato que represente uma área  política de seu interesse, como, por exemplo, uma projeto nacional, uma proposta de trabalho de amplo  alcance,  não só local, como um candidato nacionalista, a favor da segurança, meio ambiente, etc., ou o  que defenda políticas sociais e ideológicas específicas, como o trabalhador, o empresariado, a igualdade racial,  direitos civis, consumidor, relações homo afetivas, ambientalistas,  socialistas, etc., tendendo-se a manter um pluripartidarismo para defender tais grupos de interesses coletivos fragmentados. 

c) Efeitos e vantagens do Voto Distrital.

Como pelo  voto distrital  o candidato só pode pedir voto na região onde  mora, ele não some depois das eleições – fica sempre e obrigatoriamente perto do eleitor.  Assim, o eleito pode ser melhor conhecido, melhor fiscalizado e  mais cobrado, durante  e, principalmente, após as eleições. Com o voto distrital a sobrevivência política depende de alianças fortes, permanentes,  e honestas, a serem traçadas com uma comunidade de eleitores de tamanho  menor, constante, imutável, fixa, o que torna mais difícil o enganar e o ludibriar, o que, por sua vez, é uma qualidade ótima para o eleitor e péssima para o mau político. Justamente por tal modernidade e por ser tão eficiente (do ponto de vista do interesse do  eleitor) é que nossos políticos  (em maioria) ainda fogem do voto distrital, como o diabo foge da cruz! Justamente o que os políticos atuais querem evitar, é ter que prestar, de verdade, contas do que fazem, para o seu eleitorado,  já que um grupo menor de eleitores (só os eleitores de seu distrito) é mais difícil de ser enganado e manipulado indevidamente do que o eleitorado de todo o Estado da federação (que são milhões). Ora, evidente que,  no todo geográfico e populacional de todo um Estado da federação, num país continental como o Brasil,  fica mais fácil para o mau político fazer  "novas vítimas" e abusar contra o processo eleitoral e democrático, prometer e não cumprir, vender mentiras, etc., se estiver captando votos dentre milhões, quando algumas dezenas de milhares de votos já podem eleger um deputado.  Além disto,  no sistema do voto distrital, a escolha do eleitor fica mais eficiente e fácil pois, no momento da votação, ele  escolhe entre menos candidatos (só os da sua região se o sistema for o distrital puro e entre os da sua região e os candidatos de todo o Estado da federação, se o sistema for o distrital misto). Elimina-se (no voto distrital puro) ou ameniza-se (no distrital  misto) a tarefa torturante de o eleitor ser obrigado a optar,   entre algumas centenas ou até mais de mil candidatos, o que torna a eleição confusa (é impossível de se examinar as propostas e o currículo e sequer a história de vida dos postulantes). Quanto menos candidatos, mais fácil a escolha eficiente pelo eleitor, que tem menos candidatos para comparar e pesquisar. Além disto, no sistema do voto distrital, uma pessoa sem muitos recursos, mas com uma boa causa e proposta,  tem mais chance de fazer valer sua política, com boas chances de ganhar as eleições, mesmo contra uma máquina econômica poderosa, desde que tenha o básico (apoio da    comunidade local). Por outro lado, na eleição proporcional, atual, que  exige boa votação a ser obtida  em territórios imensos, do tamanho de países médios, nos Estados da Federação, no Brasil, isto só favorece aos candidatos financiados de modo milionário por grandes grupos financeiros poderosos, únicos com poder de fogo para financiar atividades que englobem grandes áreas territoriais, o que dá a vantagem eleitoral aos   grupos de interesses de setores ricos da sociedade. Isto desfavorece e distorce a qualidade,  a legitimidade e a efetiva representatividade   democrática, violando o interesse popular e afasta o cidadão comum da política. Assim, o voto distrital é ótimo para o eleitor, bom para os partidos,  e péssimo para os maus políticos, enquanto que  o voto proporcional (sistema atual) é ótimo para os candidatos, razoável para os partidos,  mas, ruim para o eleitor! Talvez por isto, em nosso país, ainda em vias de se desenvolver,  onde a educação, de um modo geral, é apenas sofrível (especialmente a educação política) e que ainda principia, apenas inicia, uma democracia séria, o voto distrital, seja o distrital puro, seja o distrital misto, ainda não é aceito pela maior parte dos políticos pátrios, pelo "status quo" de poder vigente, evidentemente por serem "eficiente demais"  na melhoria da qualidade representativa e por ser muito favorável ao eleitor.

d) Países que o  adotam.

Os países ocidentais mais civilizados tem uma ou outra forma de voto distrital, justamente porque a educação política, experiência democrática longa,  cultura geral, relativamente mais  avançada, na maior parte da população,  levam, pelos estágios de desenvolvimento da sociedade, fatalmente, para o avançado modo de escolher representantes através do voto distrital. Alemanha, Inglaterra, EUA, Itália e França possuem alguma das formas de voto distrital em seu sistema eleitoral e isto não é a toa!

e) Crítica ao Sistema do Voto Totalmente Proporcional  (sistema atual no Brasil).

Hoje, no Brasil, o candidato a vereador ou deputado colhe o seu  voto, em qualquer lugar do Município ou Estado da federação e  depois de eleito some das vistas do eleitor! Fatalmente, após as eleições, uma análise séria da representatividade demonstra que algumas regiões ficam sem representante algum seja na Assembleia Legislativa seja na Câmara Federal, outras regiões ficam sub-representadas e outras super-representadas, o que além de injusto fere o Estado Democrático de Direito e o princípio da representatividade,  já que todas as regiões, por óbvio, deveriam ter pelo menos um representante.  A compra de votos em dinheiro, ou em  troca de pequenos favores ou benesses é um padrão que se repete de modo exaustivo, apesar da conduta ter sido criminalizada.     Escolhemos  Deputados e Vereadores de forma "proporcional" (pede-se o voto em todo Estado ou Município). Muito melhor um representante que mora perto de você (no seu  distrito eleitoral) .  Estamos votando na sigla do partido ou no candidato, qualquer que seja o lugar onde o candidato mora, mesmo que more  muito longe do eleitor.   Então,  os eleitos não sabem quem os elegeu e o eleitor não conhece de perto os candidatos.  Se o eleito morar perto de você (no seu distrito) você o conhecerá melhor e estará  mais perto para cobrar e fiscalizar,  e não longe, como hoje, às vezes, por mais absurdo que pareça,  o candidato mora  a varias centenas de quilômetros, do eleitor, como é hoje, o que é um grande absurdo.  Pelo voto distrital o eleitor poderá  escolher melhor, pois, terá menos candidatos para  estudar e comparar.  Hoje é  impossível conhecer o perfil de todos os candidatos, pois são centenas de opções, confundindo o eleitor. Assim, entendemos que é fundamental a adoção de uma das formas de voto distrital para melhorar a  qualidade da representação política e democrática no Brasil. Em verdade aqueles que não querem o voto distrital tendem a ser, justamente, os setores sociais oligárquicos, conservadores, dominantes, que não querem, de fato, prestar contas à população, de seus atos políticos e preferem mais o atraso do que a modernidade, mais opulência pessoal do que a eficiência estatal.

II - Contra Eleição por Lista e Pela Reforma Partidária.

Pelo sistema de eleição "por lista", elege-se o deputado (ou vereador) que está no topo da lista indicada pelo partido, ou até o segundo ou terceiro nome da lista, mesmo que eles só tenham recebido, por exemplo, um só voto. Mas o Brasil, ao menos neste instante legal e social, ainda não está preparado para adotar, de modo eficiente, a eleição por lista, já que os partidos não vivem um sistema realmente democrático, internamente. Ao contrário, são dominados por famílias, algumas há várias décadas ou por personalidades centralizadoras. Se aprovada a eleição por lista, sem prévia reforma que obrigue a existência de democracia real dentro dos partidos, vai ter dirigente partidário vendendo posição na lista, em "caixa dois", não contabilizado! Este sistema só funciona onde há democracia real nos partidos e efetiva participação popular na vida dos partidos. Essas condições ainda não existem no Brasil por falta de:  

a) eleições internas obrigatórias para garantir o direito  dos filiados elegerem quais serão os candidatos que disputarão os  cargos majoritários (prefeito, governador e presidente da república), por  prévias internas; 

b) falta de fiscalização estatal da efetividade da democracia dentro dos partidos  (atualmente a lei os considera inatingíveis pela justiça que não pode afetá-los internamente); 

c) falta de aplicação do "ficha limpa" aos dirigentes partidários; 

d) extinção, na prática, da figura dos delegados de partidos; 

e) falta de garantia de representatividade às minorias partidárias; 

f) falta de garantia de que qualquer cidadão, salvo prática de ilícito ou incompatibilidade ideológica comprovada, possa se filiar a qualquer partido; 

g) falta de regra que impeça a sucessiva  e eterna "reeleição" de presidentes de partidos, cargo que, no Brasil, se tornou quase que vitalício. 

Assim, por falta de regras e garantias democráticas obrigatórias internas e legalmente protegidas,  ser filiado a um partido político, hoje, no Brasil, é servir de mero degrau, de capacho, de bucha de canhão para os "mandões" de sempre, pois não há meio institucionalizado   e legal de garantir  o respeito à vontade dos filiados nos partidos. Não se admira, então, que os partidos  tenham poucos filiados, poucos militantes e que o povo, em geral  e os jovens,  no particular, fujam dos partidos e os desprezem, preferindo votar  na pessoa dos candidatos e não em propostas partidárias. Em resumo,  simplesmente, hoje,  os partidos são  inconfiáveis. Assim a prática política é sempre oligárquica, personalista, familiar, pessoalista, egoísta, atrasada, secular,  paralisante da democracia real. Conclui-se, nesta parte do texto, que, sem uma prévia reforma partidária, a  eleição "por lista" só irá piorar o quadro político brasileiro, e, contrariando-se o bordão  de Tiririca,  o semianalfabeto deputado federal paulista,  "pior que está, ficará" ! Assim, na fase atual de nossa legislação partidária, somos contra listas partidárias de candidatos, que no sistema atual seriam escritas  só pelos "caciques" de partidos, sem participação democrática e assemblar dos filiados (associados) dos partidos. Se tiver lista partidária, tem que haver,  por lei,  obrigação de eleições internas nos partidos, para escolha dos candidatos e direito de filiação livre e, ainda,  com autorização legal para que tais eleições sejam fiscalizadas pelos Tribunais Eleitorais, e limitação de reeleição de direção partidária e, também, ficha limpa obrigatória pra ser dirigente partidário. Cuidado, portanto,  com o "coronelismo" eleitoral que estamos vendo hoje, sempre os mesmos candidatos, das mesmas famílias, sempre o mesmo  de sempre,  alguns verdadeiros bandidos !

III - Eleição para Suplente de Senador. 

Atualmente o suplente de senador (substituto)  é uma pessoa de livre escolha do senador. Pode ser qualquer um. Pode ser quem financia a campanha, estes, muitos, compram, assim uma vaga no Senado, pois, o "suplente" pode ser qualquer um ao gosto do "Senador". Isto não é bom para a democracia porque nosso processo eleitoral não permite que o eleitor saiba detalhadamente quem ó o suplente eleito.  Muitas vezes o senador usa isso como moeda de troca ao arrepio do interesse do eleitor. Este, então, não é respeitado nem bem representado no Senado, quando assume um suplente, porque se impede que o eleitor escolha de modo cauteloso, civilizado  e debatido,   o "suplente" de senador! Ora, quem tem que escolher o suplente de senador é o eleitor de modo mais direto, mais completo e mais debatido!  Nunca se assiste a um debate de suplente de senador (a lei não exige).  Assim, para valorizar e respeitar o voto,  defendemos a campanha pela eleição destacada e direta do suplente de senador, sendo que, hoje, o nome do suplente pouco ou nada aparece na campanha eleitoral.

IV - Eleição  para Deputado do Mercosul. 

Já existe em funcionamento o Parlamento do MERCOSUL, mas, os deputados que lá atuam  NÃO SÃO ELEITOS  PELO VOTO DIRETO! São "indicados"  pelos deputados.   Ora, na União Europeia os deputados do parlamento europeu são  eleitos  de modo direto!  Os deputados do MERCOSUL, ao menos pelo Paraguai,  já são eleitos pelo voto direto! Os deputados e senadores brasileiros estão fazendo corpo mole nesse assunto (evitando eleições diretas). Isso precisa mudar. É uma vergonha nacional. Há um desrespeito pelo eleitor. Defendemos o voto direto para deputado do MERCOSUL para valorizar o seu voto.  Cuidado: há um projeto em andamento no Congresso para que o deputado do MERCOSUL seja eleito pelo sistema de "lista fechada" que explicamos, acima, na atual legislação partidária é antidemocrático, uma vez que não há votação obrigatória nos partidos para escolher o primeiro da lista (que acaba sendo eleito para a vaga), e assim  quem acabará escolhendo o vitorioso não será um sistema democrático mas o Presidente Nacional de cada partido (absurdo). Nem uma pessoa pode ter tanto poder como os atuais presidentes nacionais de partidos políticos, pois, o poder concentrado em uma só pessoa, tende a não ser fiscalizado, vira corrupção, arbítrio, ditadura e hipocrisia. Urgem as reformas.

V - Representação por pessoa. 

Atualmente não temos um voto por cabeça na Câmara Federal.  Ou seja, temos grandes cidades, regiões e  Estados com  menos deputados do que pequenas  cidades, regiões e Estados com bem menos eleitores. Temos regiões  não representadas, sub-representadas e hiper-representadas nos parlamentos.   Assim há uma distorção do poder de voto (poucos elegem muitos e muitos elegem poucos). Isso não é justo. Não deveriam  existir  eleitores que "valem mais" que outros. Todos somos brasileiros iguais. A lei precisa mudar para garantir voto de igual valor para todos os brasileiros. Atualmente o voto do Sul do brasil é muito desvalorizado. Feitas as contas, na média, por exemplo, um eleitor do nordeste "vale"  vinte e uma vezes mais do que um   eleitor do Sul. Isto distorce, por exemplo, o encaminhamento de emendas parlamentares para obtenção de recursos. Por isto o Estado do Paraná, por exemplo, tem recebido poucos investimentos federais em proporção à sua  população e arrecadação de impostos !  Ademais, como cada Estado detém 3 senadores, já há mais esta distorção em favor dos Estados menores em população e recursos, em detrimento dos Estados federativos maiores, o que já compensa o menor peso específico da economia e população dos Estados menores, com bastante razoabilidade,  sendo, assim, totalmente injusta, desproporcional e não razoável (e antidemocrática) a representação distorcida na Câmara Federal, onde pequenos Estados tem sua população super-representada, enquanto grandes Estados tem sua representação federal sub-representada. Por isto, por questão de justiça, igualdade  e de cidadania, vote em quem defende a revisão nacional no peso do "valor proporcional" do voto de cada brasileiro. Uma pessoa um voto!

VI - Volta da Democracia aos Partidos.

Há bons dirigentes partidários, mas muitos não são. Até 1995, os presidentes nacionais dos partidos não podiam escolher os candidatos a governador e a deputado. Não existia essa "ditadura partidária" que vemos hoje.   Era o povo, pelos filiados ou delegados de partido que escolhiam os candidatos. Havia assim mais democracia (o coletivo decidia). Hoje é diferente.  Desde 1995, os presidentes nacionais de apenas 27 partidos nacionais, podem sozinho, escolher alianças, definir quem pode ou não ser candidato a governador e deputado, por exemplo. Não há mais democracia nos partidos. Há dificuldade para serem criados novos partidos, e a legislação não permitem partidos "regionais, mas só "nacionais". Ora, mas o Brasil é um continente e impedir partidos "regionais", ao menos para eleições  a prefeito e para governo dos Estados, e para parte  dos deputados e das Assembleias Estaduais e Câmaras Municipais,    e ainda negar o voto distrital é o mesmo que  alijar grandes parcelas de população, e regiões,  na prática, do jogo do poder e do processo democrático  de acesso aos cargos eletivos.

Não há mais a obrigatoriedade legal de eleições internas nos partidos, para escolha de candidatos (prévias).  Acabaram, na verdade nunca existiram com força, na prática, as assembleias partidárias para escolher estatuto (propostas) e candidatos. Quem manda são os "caciques" e "donos" de partidos (presidentes nacionais). Foram extintos, ao menos  na vida real dos partidos,  os "delegados de partidos", que determinavam a direção dos diretórios, e que foram, na prática, substituídos por presidentes provisórios estaduais e municipais,  indicados, geralmente e de modo autoritário, pelos novos donos de partidos (os presidentes nacionais). Por isto,  o eleitor quase não vê novos candidatos aos cargos de prefeito, governador e senador,  e por isto não temos uma democracia verdadeira, porque, o eleitor só pode escolher  entre poucos e sempre os mesmos candidatos, não havendo renovação. A eleição, então, é "acertada", antes de acontecer, porque os "caciques" combinam antes quem poderá ser candidato, negociam  tempo de TV e rádio pelas coligações,  sem que isso passe pela vontade dos próprios filiados do partido (povo). A cidadania não é exercida e os filiados dos partidos viraram, de novo,   só massa de manobra dos "coronéis" de partido.

Nossa lei  partidária atual, então, retrocedeu e matou a democracia nos partidos!  Ora, mas todo o sistema eleitoral começa nos partidos, então, já começa tudo errado. Se nada mudar, continuaremos nessa falsa democracia (uma verdadeira farsa). Partido político, hoje, é pior que time de futebol. Salvo raras exceções, só mandam os cartolas!  O povo, coitado,  só assiste. Isto precisa mudar. E só muda se você ajudar. Vote consciente. Vote em quem pede mudanças.

VII - Fim do Foro Privilegiado para Políticos. 

Hoje, quando um senador ou deputado ou Governador, rouba do povo,  entra numa fila enorme de julgamentos nos Tribunais Superiores (o chamado foro privilegiado), e por isso, acaba não sendo julgado (até hoje a média de julgamentos é só de 5% dos casos). Grande parte dos casos,   o processo caduca e político corrupto  sai livre.  Isto tem que acabar!  As investigações e julgamentos, realmente,  ficam comprometidos, se dirigidas pelos Tribunais locais, porque parte de seus juízes é indicada pelo governador, mas, nos Tribunais Superiores,  com apenas 11 ministros, é impossível agilidade e rapidez nos julgamentos, pois, somos um país continental com  milhares de políticos. Há um impasse institucional. Uma solução seria criar e ampliar, nos Tribunais Superiores, Câmaras Especializadas e rápidas, com mais juízes, já que apenas 11,  no E. STF, por exemplo, ainda que os Ministros sejam competentes, materialmente, não dão conta do excesso de serviço e acabam não condenados. Os maus políticos tem que ser julgados de modo mais rápido, em justiça comum, especializada em crimes contra o patrimônio público ou tem que se ampliar o número de juízes especializados só em ilícitos  de governantes, senadores  e deputados, nos Tribunais Superiores.  Ao menos que se julguem os casos, de algum modo! E  seja dado o exemplo.  Essa impunidade, esse privilégio odioso (leia-se a vantagem de roubar,  levar vantagem e não ser julgado a tempo) dos deputados, senadores e governadores, tem que acabar já.  Pouquíssimos já foram presos. Eles acham que tem direitos   de serem como os reis de antigamente (que nunca eram julgados) e se achavam acima de tudo e de todos. Chega dessa impunidade.  Eles fizeram tais leis em benefício próprio e não do povo. Isso precisa mudar e você, eleitor, precisa fazer algo.  Apoie um projeto popular para melhorar esse problema. Ademais, os dirigentes partidários (Presidentes Nacionais dos Partidos e executiva nacional) mais dirigentes locais (que obedecem cegamente àqueles, com medo de intervenção e destituição pura e simples, na legislação atual) são dependentes e nada mudarão. Quem  deseja faz acontecer, só uma opinião pública atuante e militante, vigilante mesmo, pode melhorar tal quadro.

VIII - Ampliação do "Ficha Limpa".  

Recente alteração na Lei Complementar  64/90,  proibiu que políticos condenados pela justiça fossem candidatos  (fichas sujas). Realmente não é bom  bandidos a representar o povo. Tal lei veio tarde no Brasil, mas, é ótima. Só que a lei esqueceu-se de impedir que eles continuem na política, movimentando milhões de reais, pois se esqueceu de proibir que eles sejam dirigentes partidários onde  podem movimentar milhões de reais do Fundo Público dos Partidos (dinheiro seu, do povo, que o Governo dá aos partidos para eles fazerem os programas de TV, nas eleições,  e pagarem as despesas dos partidos). São os dirigentes de partido (essencialmente os 27 Presidentes Nacionais de Partidos)  que tem o poder de decidir quem pode ser candidato a governador, por exemplo, podem vetar candidaturas (por negativa de filiação no partido) ou  quem pode ser dirigente partidário local (estadual ou municipal) e, consequentemente, tem o poder de decidir como ser distribuído o horário de rádio e TV entre os candidatos do partido ou coligação! É  poder demais para se acumular nas mãos de uma só pessoa sem fiscalização   (a lei atual permite intervenção do dirigente partidário nacional  no diretório estadual  e impede que a justiça eleitoral regule a vida partidária ou julgue questões internas dos partidos). Assim é imprescindível para a sociedade organizada, exigir a ampliação da lei da ficha limpa para alcançar, também, os "dirigentes partidários" (presidentes de partido, secretários, tesoureiros, etc.), para que, também eles,  tenham que ter, obrigatoriamente, ficha limpa para poderem dirigir os partidos e movimentar toda essa máquina de poder e dinheiro.

IX - Cortar Mordomias e Regalias de Políticos. 

Recentemente vi na TV que um ministro sueco não possui empregados na casa oficial de governo, e que LAVA SUAS PRÓPRIAS ROUPAS. É quase inacreditável para os padrões latinos. Que país avançado! Que respeito ao patrimônio público!  Temos muito que evoluir. A política no Brasil divide a sociedade entre abastados coronéis da política e o povo que lhes serve. Isto precisa mudar. Mesmo com a urbanização relativamente recente na história brasileira, ainda temos uma mentalidade, nas cidades, de um Brasil Colônia (Casa Grande versus Senzala).  É mordomia demais!  É claro que para representar em Brasília há que se subsidiar as despesas de viagem e a estadia do  político, já que a capital é muito longe, e pagar um alto salário,  dada a importância do cargo que recomenda qualidade de vida e dedicação, e atração de pessoas preparadas e inteligentes, mas, afora isto é abuso. No Brasil há um exagero, uma violência contra os bens públicos (contra seu dinheiro dos impostos).  É auxílio para  correspondência, gasolina, viagem, celular, cartão de crédito, veículo, motorista, dezenas de assessores e secretários pessoais, guarda pessoal, direito de indicar dezenas, centenas, por vezes milhares de cargos comissionados e sem concurso público,   etc. etc. A lista dos abusos  não tem fim, e sempre recebe acréscimos. Acumulação de várias aposentadorias, etc., tudo isto  são salários indiretos e em excesso. Pelo corte em mordomias! Que paguem despesas pessoais com o  seu salário! Além disso, quem já foi eleito usa o patrimônio público (seu dinheiro) para continuar no poder, impedindo a renovação democrática, já que,  os novos candidatos não têm dinheiro ou condições,  fora exceções já comentadas, de competir perante o eleitorado, com pessoas que usam fortunas do dinheiro público para a autopromoção pessoal permanente! Isso fere o princípio republicano e democrático,  e impede as  mínimas condições  de igualdade de competição entre os candidatos novos e os já eleitos. Aliás, o voto distrital amenizaria um pouco esse problema É tudo um grande absurdo e uma falsa democracia! Acordemos povo brasileiro!

X - Financiamento Público de Campanha.

O financiamento público de campanha é uma ótima ferramenta, desde que seja bem utilizada, para moralizar a política. Porém, só será eficiente (realmente democrático) se for acompanhado de uma prévia, seria e avançada  reforma partidária, que redemocratize o partidos (hoje são  propriedade privada de Presidentes de Partidos e "coronéis" de partido). Só com tal prévia redemocratização da vida interna dos partidos com ampla fiscalização estatal,  o financiamento público poderá ser uma forma de democratizar o acesso ao poder, e de igualar chances iniciais de competição (Bobbio) entre os cidadãos, o que é uma tarefa reservada ao Estado Democrático de Direito. Do contrário, se aprovada, sem garantias de igualdade no uso do dinheiro público e sem um severo sistema de fiscalização  (estruturado pelos TRES e TSE) para garantir efetiva  isonomia entre candidatos, será mais uma vergonha nacional, com desvios de dinheiro, caixa dois,  notas frias, desvios e abusos a financiar e privilegiar alguns poucos apaniguados, encastelados no poder,  em detrimento  do cidadão comum, que pouco ou nada terá a fazer na política. Hoje, infelizmente, a realidade eleitoral expulsa muita gente digna, inteligente e honesta (com muitas exceções é claro), da vida partidária. O financiamento público, mal aplicado, porém, longe de solucionar, poderá agravar o autoritarismo, o coronelismo partidário, o desvio e o mau uso do dinheiro público. Ademais, a classe política vem dando mostras de não gostar muito de igualdade e isonomia, nem de respeitar o dinheiro público, como demonstra a atual legislação partidária e eleitoral, a qual não permite, ao menos de modo expresso, por exemplo, que os TREs fiscalizem, previamente, antes de ir para o ar,  a igualdade da distribuição de tempo de TV e Rádio, de modo transparente, entre candidatos da eleição proporcional. Isto favorece só os atuais e já conhecidos deputados e vereadores, já que, em campanha curtíssima  os novos candidatos levam enorme desvantagem e  qualquer reclamo judicial contra a ilegalidade e má distribuição, desigual, de tempo de propaganda, em rádios e Tvs.,  é possível somente "a posteriori", depois do  tempo já ter sido usado, quando  já se feriu o princípio da igualdade de competição e o mal já foi feito! Ora impossível em curta campanha (apenas 90 dias atualmente, na prática só uns 70 dias pois os registros eleitorais tem seu deferimento sempre atrasado nos TREs e a lei só permite propaganda com o número de registro válido do candidato), que o povo realmente conheça os novos candidatos.

XI – Conclusão

Como vimos, nossa democracia na realidade é uma democracia só "de fachada", sofrível, enganadora, e atrasada. Por isto se quisermos um país e um governo que realmente trabalhem em favor do cidadão, gastem os recursos públicos para o bem de todos,  e   respeitem de verdade o cidadão, se queremos uma nação forte, avançada, realmente justa, é urgente apoiar a reforma política e partidária já, que estão por demais atrasadas.  Como vimos, ainda, a política é importante demais para ficar nas mãos só dos políticos, pois,  eles tendem a perpetuar a situação na qual atualmente levam vantagens várias. Na verdade  eles  NÃO QUEREM REFORMAS, tudo por interesse pessoal! Urge, assim,  a participação popular, a mobilização e a cobrança da sociedade organizada para forçar as reformas, apressá-las, cobrá-las. Isto só será alcançado pelo ativismo social e político, pela inteligência popular, conscientização e pela ação. Abaixo o imobilismo, o conformismo e o comodismo!

A sociedade tende a evoluir, sempre. Contudo, se nada for feito, o futuro mais democrático e evoluído chegará só após muitas décadas. Cabe às pessoas inteligentes, honestas, de bom propósito, aos cidadãos responsáveis, apressar e exigir, de modo ativo, tais reformas. Do contrário, em vez de algumas poucas décadas, ou anos, talvez demoremos um século ou mais para vivermos e alcançarmos um pais realmente moderno, justo, admirável e politicamente avançado e civilizado.

*lidson tomass - Brasileiro. Curitibano. Advogado. Escritor. Político. Mestre em Direito Publico pela UFPR. Ativista.  Procurador Publico do Município de Curitiba. Ex-professor PUC-Pr. Foi Presidente da Associação dos Procuradores do Município de Curitiba e membro do Conselho de Procuradores do Município de Curitiba.

Reforma tributária e desigualdade social




Por Davi Carvalho*
Junto com a reforma política, a reforma tributária é a condição para a qualificação e ampliação da democracia Brasileira. As duas “reformas irmãs” são imprescindíveis para o enfrentamento às mais profundas desigualdades existentes no país. A manutenção das conquistas das últimas décadas passa pela construção, pactuação e implementação de um reforma progressiva, que tire o foco da tributação do consumo, produtos básicos e investimentos produtivos e passe a incidir mais diretamente sobre renda e patrimônio. Essa proposta poderia parecer atraente e civilizada à maioria da população, mas, na prática, envolve inúmeros interesses e está na agenda das pautas negativas da grande mídia e dos setores conservadores da sociedade. Aliás, com o Congresso mais conservador e milionário que assume em Janeiro, uma reforma que vá por este caminho entra na lista dos sonhos. Para tratar da reforma tributária que o Brasil precisa, as dificuldades em realizá-la e a importância dela para ampliar as conquistas sociais, a Plataforma ouviu o economista Fabrício Augusto de Oliveira, doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp, ex-professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro da rede Plataforma Política Social.

A carga tributária no Brasil é, de fato, elevada como reclama uma parcela importante da sociedade brasileira? O que há de errado com ela?

Fabrício Augusto de Oliveira: Se compararmos a dimensão da carga tributária no Brasil, hoje em torno de 36-37% do PIB, com a dos países da América Latina, das economias emergentes e também com a de alguns países desenvolvidos, com nível de renda per capita superior, como Estados Unidos e Japão, por exemplo, não há dúvidas de ser ela bem elevada. Em termos do tamanho da carga tributária, o Brasil só perde para alguns países europeus e para os países escandinavos, que, no entanto, possuem níveis de renda per capita bem mais elevados e um welfare state (Estado de bem estar social) mais abrangente e consolidado.

Considerando, no entanto, de um lado, as grandes desigualdades sociais do país e os ainda elevados níveis de pobreza da população, e, de outro, que cabe idealmente ao Estado, por meio dos impostos, manejá-los para encurtar as distâncias entre ricos e pobres, até mesmo para garantir maior coesão social, essa crítica ao tamanho da carga tributária comparando-o ao de outros países, é superficial, pois não leva em conta a maior ou menor complexidade de suas estruturas econômicas e sociais e o papel atribuído ao Estado pela própria sociedade para atuar na mitigação ou mesmo na correção destes problemas, o que exige financiamento adequado.

Para mim, os maiores problemas da carga tributária residem não tanto na sua dimensão, que não deixa de ter efeitos nocivos para a competitividade da produção nacional, mas, de um lado, na sua composição, e, de outro, no retorno destes impostos para a sociedade na forma de políticas públicas.

Quanto à sua composição, a estrutura tributária brasileira conta com um peso muito elevado de impostos de má qualidade e com uma distribuição de seu ônus entre os membros da sociedade muito desigual. Ambos os aspectos são altamente prejudiciais para o crescimento econômico. Impostos cumulativos, de incidência em cascata, caso da COFINS e do PIS, ainda que parcialmente, e de outras contribuições sociais, e também do ISS e até mesmo do ICMS, não só porque cobrado “por dentro”, mas também pelos créditos dos produtores que não são compensados, aumentam muito o custo-Brasil e reduzem a competitividade do país. Já a tributação iníqua da carga tributária, além de ir contra um princípio fundamental da tributação – o da equidade – enfraquece o mercado interno ao lançar o maior ônus dos impostos sobre os contribuintes de menor renda, que têm maior propensão a consumir.

No que diz respeito ao retorno dos tributos, sabidamente o Estado atualmente continua em dívida com a população, dada a insuficiente e, em muitas áreas, precária, oferta de políticas públicas, especialmente quando se considera o tamanho da carga tributária. De um lado, parte significativa dos impostos (ou dessa carga) é esterilizada com o pagamento de juros e encargos da dívida pública (que representa atualmente cerca de 5-6% do PIB); de outro, parte importante se perde nos caminhos tortuosos e desconhecidos da burocracia e na ineficiência na gestão das políticas públicas. O resultado de tudo isso não e nenhuma novidade: uma carga tributária de países desenvolvidos e uma oferta de políticas públicas de países do terceiro mundo.

A reforma tributária é tema de partidos de direita e esquerda no Brasil. Os primeiros pensam em redução de impostos com apelo estritamente econômico. Já os movimentos sociais e partidos progressistas defendem uma reforma tributária que contribua com a redução da desigualdade e aprofundamento das conquistas dos últimos anos. Que reforma tributária o Brasil precisa e por que ela é tão urgente?

Fabrício Augusto de Oliveira: Os dois lados têm razão de acordo com o seu ponto de vista e os seus objetivos deveriam ser conciliados numa eventual reforma. Tal como se encontra estruturado, o sistema tributário brasileiro é prejudicial tanto para um como para outro objetivo. De ponto de vista estritamente econômico, ele onera demasiadamente o custo-Brasil, reduzindo a competitividade da produção nacional e operando como trava do crescimento econômico. Do ponto de vista social, é um dos sistemas mais iníquos do mundo, à medida que lança o maior peso da tributação sobre os ombros mais fracos, ignorando uma máxima importante da tributação (atualmente desprezada pelo pensamento econômico dominante) de que se deve “cobrar mais de quem mais ganha”. Ora, isso só contribui para agravar ainda mais a ainda gritante desigualdade de renda existente no país e a manter em estado latente os conflitos sociais.

Creio que uma reforma tributária no Brasil deve se preocupar em dar uma solução para estes dois objetivos. Para isso, é necessário deixar de considerar o sistema tributário como um mero instrumento voltado para a produção de superávits primários para o pagamento da dívida, como manda o pensamento conservador, e recuperá-lo como instrumento de política econômica e social que o Estado dispõe para cumprir o seu papel, qual seja, de contribuir para o desenvolvimento econômico e para a redução das desigualdades sociais e regionais. Como tal, não pode funcionar como óbice para a produção e os investimentos, como acontece atualmente, o que exige uma limpeza de sua estrutura dos impostos de má qualidade; e nem ser um instrumento de agravamento da distribuição de renda, o que implica deslocar as bases da tributação, dando mais ênfase à renda e ao patrimônio. Um equilíbrio desejável e necessário para o reencontro do país com o crescimento econômico e com a inclusão social.

Apesar da necessidade de uma reforma ser consenso, por que não se avança?

Fabrício Augusto de Oliveira: Acredito não haver maior consenso no Brasil sobre a necessidade de uma reforma tributária. É um tema que entrou na agenda já no início da década de 1990, logo após a Constituição Federal de 1988 e que, de lá para cá, vem sendo empurrado com a barriga por todos os governos que o país teve, sem avanços importantes.

A verdade é que cada um dos agentes que podem ser por ela afetados tem a sua própria reforma tributária “ideal”, com propostas de mudanças raramente coincidentes. Empresas, contribuintes pessoas físicas, governos municipais, estaduais, federal, representantes de políticas sociais em geral são unânimes em concordar com a necessidade de uma reforma, mas sem prejuízos para seus interesses e recursos.

Como os contribuintes nunca são consultados ou ouvidos sobre este tema, embora sejam os pagadores de impostos, em minha opinião os maiores oponentes de sua realização são os próprios governos, a quem cabe viabilizá-las e aprová-las no Congresso. O governo federal, porque prisioneiro dos interesses do capital financeiro e do comprometimento com políticas de austeridade fiscal, não se dispõe a abrir mão de receitas para garantir o pagamento dos juros e encargos da dívida. Os governos estaduais e municipais, diante da desconstrução federativa que vem sendo realizada no Brasil desde a década de 1990, porque temem, com razão, que as iniciativas apresentadas e encaminhadas pelo governo federal para o Congresso, diminuam ainda mais sua autonomia e destrocem ainda mais suas finanças, não têm se mostrado dispostos a sancionar mesmo as tímidas propostas feitas para sua revisão. Sem se chegar a um acordo confiável entre estes níveis de governo sobre o conteúdo e resultados da reforma, o que não será nada fácil dada a desconfiança que predomina sobre as reais intenções do governo federal, não se pode esperar que a mesma prospere de forma desejável e necessária.

O que é preciso para essa reforma tributária mencionada seja feita?

Fabrício Augusto de Oliveira: É preciso conciliar os interesses dos diversos agentes e governos envolvidos na questão. Isso significa mapear conflitos, negociar alternativas e sinalizar que a sociedade como um todo sairá beneficiada com as mudanças. Por isso, a reforma deveria ser abrangente, tratando o conjunto dos problemas do sistema, pois só assim, se tornará possível vislumbrar que eventuais perdas em que pode incorrer um ou outro setor poderão ser compensadas por outros ganhos. Cite-se, como exemplo, uma revisão do modelo federativo, uma questão que tem sistematicamente abortado as propostas de reforma. Se realizada, o governo federal poderia até perder receitas, o que hoje não se admite pelos compromissos assumidos com políticas de austeridade fiscal. Por outro lado, contudo, o fortalecimento financeiro de estados e municípios os capacitaria a aumentar sua contribuição na provisão de políticas públicas e mesmo cooperativamente na implementação de políticas anticíclicas, desafogando financeiramente o governo federal sem comprometer essas políticas de austeridade. Eventual redução de receitas que pode ocorrer com a extinção ou diminuição dos impostos cumulativos pode ser compensada, por exemplo, com crescimento econômico mais vigoroso, dados os ganhos de competitividade que serão obtidos, gerando, consequentemente, maior arrecadação, e maior cobrança sobre a renda e o patrimônio, atualmente subtaxados. Melhorias na distribuição do ônus tributário, além de tornar o sistema mais justo socialmente, representaria uma injeção poderosa no crescimento econômico.

Creio, no entanto, que nada disso ocorrerá se no país não se construir um projeto de sociedade, no qual esteja claro para onde se pretende rumar, qual o papel que caberá ao Estado, o tipo de federalismo que se pretende ter, os objetivos econômicos e sociais que se quer atingir. À luz deste é que se contará com condições para moldar o sistema, enquanto instrumento manejado pelo Estado, para viabilizar estes objetivos. Sem este projeto, as mudanças no sistema devem continuar ocorrendo de forma episódica e casuística, ao sabor dos problemas conjunturais e financeiros, divorciadas de uma visão estratégica do futuro para a sociedade.

Propostas como redução do número de tributos e imposto único são alternativas viáveis para as necessidade e especificidades do Brasil?

Fabrício Augusto de Oliveira: Reduzir o número de tributos é importante para a simplificação do sistema, mas essa simplificação por si não resolve seus maiores problemas, devendo ser acompanhada das mudanças necessárias para sua modernização. Atualmente, há vários impostos, seja sobre o patrimônio ou sobre o consumo, que incidem sobre as mesmas bases. COFINS, PIS, ISS, CIMS, IPI e outras contribuições (sociais e econômicas) são exemplos disso entre os impostos indiretos, o que torna o sistema tributário muito complexo e altamente rentável a atividade do planejamento tributário, aumentando os custos para o contribuinte. De outro lado, os impostos sobre o patrimônio, que geram baixa arrecadação (pouco mais de 1% do PIB), apesar de em grande número (seis) não cumprem o papel de contribuir para refrear o avanço da concentração de renda no país.

Tanto a tributação indireta como os impostos sobre o patrimônio podem ser alvos desta simplificação, ao mesmo tempo em que se avança em sua modernização. No primeiro caso, com a criação de um imposto mais amplo incidente sobre o valor agregado, um IVA, e essa tem sido uma mudança importante que tem figurado em várias propostas de reforma do sistema. No segundo, com a criação de um imposto mais amplo e mais poderoso cobrado sobre o patrimônio líquido, na linha do que foi apresentado nos trabalhos constituintes de 1988, mas que terminou ali sendo rejeitado, pois contrário aos interesses das classes proprietárias ali representadas.

Claro que essas mudanças pressupõem negociações nada fáceis com várias áreas e níveis de governos, à medida que mudam a equação do financiamento tanto dos governos subnacionais como das políticas sociais. Para isso, é indispensável a criação de mecanismos que constitucionalmente preservem suas fontes de receitas, o que deve ser devidamente contemplado no projeto de sociedade anteriormente mencionado.

No que diz respeito ao imposto único, embora sedutora para alguns setores da sociedade, representa uma proposta, felizmente até a atualidade desconsiderada, de mentes que não compreendem nem a natureza e o papel do Estado na economia capitalista, nem a dos impostos enquanto instrumentos de política econômica e social. A ideia do imposto único tem por trás a visão neoliberal do imposto como um instrumento meramente arrecadatório para um Estado que desempenhe funções bastante restritas (o Estado “mínimo”), sem interferir na vida econômica e social do país. Em sua essência, o imposto único (na linha de um imposto incidente sobre transações financeiras, tal como proposto) nada mais é que um imposto antiEstado, anticrescimento, antiequidade, antifederação e muitos outros anti. Um imposto sobre transações dessa natureza só se justifica como instrumento complementar de uma estrutura tributária com o objetivo de auxiliar a fiscalização para identificar, por meio de operações financeiras realizadas por contribuintes, atividades ilícitas e práticas de sonegação, papel que a nossa ex-CPMF cumpria, para o qual não se necessita de contar com uma alíquota superior a 0,01% para não prejudicar a economia e a sociedade. Fora isso, não é o imposto que a sociedade necessita para enfrentar seus problemas, desigualdades e desafios do crescimento econômico. Tanto isso é verdade, que nenhum país do mundo abriu mão dos demais impostos para adotá-lo.

A experiência do Brasil é de fatiar questões estruturais e realiza-las aos poucos. Um reforma tributária progressiva que contribua com a consolidação das conquistas nos últimos doze anos pode ser feita dessa maneira?

Fabrício Augusto de Oliveira: A falta de ousadia e de vontade política do governo de enfrentar essa questão vem levando-o a realizar apenas mudanças pontuais no sistema, às vezes verdadeiros remendos, sem que os seus problemas sejam resolvidos. Pelo contrário, alguns até têm se agravado com essas mudanças. O fatiamento das questões até poderia se justificar, diante das dificuldades enfrentadas para a realização de uma reforma mais abrangente, se tivesse como farol uma proposta global e seguisse um calendário previamente negociado e acertado. Não é o caso. Nas tímidas propostas que são apresentadas termina ocorrendo um “fatiamento do fatiamento”, por falta de acordo entre os agentes que as negociam, ampliando as mazelas do sistema, ao contrário do pretendido.

Para mim, a consolidação das conquistas dos últimos doze anos, exige, primeiramente, que se recupere a trajetória de crescimento econômico do país, que tem sido o fator mais fundamental para a redução das desigualdades sociais de que tanto se fala, e mesmo para a manutenção e até mesmo ampliação dos programas redistributivistas de renda, para o que se deve contar com níveis de arrecadação do governo robustos, que dependem deste mesmo crescimento. Além disso, mudanças na estrutura tributária, dando maior ênfase aos impostos incidentes sobre a renda e o patrimônio, para adequá-la a estes objetivos e reforçar os instrumentos redistributivos, são essenciais. Não será com medidas pontuais e nem com propostas que, via de regra, não contemplam essas mudanças que se conseguirá preservar essas conquistas e resgatar o sistema como um instrumento de crescimento e de inclusão social.

Alguns analistas da mídia e especialistas no tema apontam a carga tributária do país como um fator que diminui a competitividade da indústria brasileira e encarece produtos e serviços internamente. Reduzir impostos para os mais ricos, pontualmente, esperando uma compensação através da geração de empregos, aumento da produtividade e elevação dos salários é uma alternativa?

Fabrício Augusto de Oliveira: Embora estes analistas tenham razão sobre os efeitos nocivos da carga tributária brasileira sobre a competitividade da indústria brasileira e consequentemente sobre o crescimento econômico, não é reduzindo os impostos dos mais ricos que se vai corrigir este problema.

A ideia de subtaxar o capital e as altas rendas, ou mesmo de torná-los infensos ao ônus da tributação, apoia-se na recomendação teórica equivocada, que vem lá das escolas clássica e neoclássica da economia, de que são estes que podem “poupar” e contribuir com investimentos para a economia, à medida que tinham o Estado como mero dissipador da riqueza produzida, e que ganhou nova expressão na vertente neoliberal da década de 1980 com o Governo Reagan, para quem o corte de impostos dos mais ricos irradiaria efeitos benéficos para a produção (teoria da economia pelo lado da oferta). Trata-se apenas de teorias convenientes para as classes dominantes para justificarem taxações mais suaves ou mesmo isenções para sua renda e riqueza.

Contrariamente a essas teorias, o economista John Maynard Keynes demonstrou, em sua obra-prima de 1936, A Teoria Geral, o importante papel do investimento e do gasto público para o crescimento econômico, e, portanto, a falácia da tese do Estado improdutivo, assim como a importância de políticas redistributivas, por meio de impostos mais progressivos, tanto para o seu financiamento como para o fortalecimento da demanda agregada e para a atenuação das flutuações cíclicas da economia de mercado, dada a maior propensão ao consumo das classes de menor renda.

Vista deste prisma, a redução da tributação sobre os mais ricos, o que se comprovou com o malogro das políticas norte-americanas do Governo Reagan nos Estados Unidos, ao invés de fortalecer, enfraquece tanto os investimentos necessários para a economia, reduzindo a atividade econômica e minando as bases da arrecadação e a capacidade financeira do Estado, como a demanda por consumo, prejudicando, ao contrário do que se pretende, o crescimento econômico. Não é este o caminho que o Brasil está precisando trilhar.

O cenário econômico brasileiro atual permite avançar nas discussões sobre uma reforma tributária progressiva? Ela pode ajudar o país na retomada do crescimento e na inauguração de um novo ciclo de desenvolvimento?

Fabrício Augusto de Oliveira: Não tenho a menor dúvida de que, no cenário econômico atual, a reforma tributária progressiva será essencial para ajudar a pavimentar o caminho em direção a um crescimento mais robusto e sustentado, necessário para continuar avançando o objetivo de redução das desigualdades sociais. Mesmo que a economia seja submetida a ajustes mais severos e amargos nos dois próximos anos para corrigir algumas variáveis econômicas que estão fora do horizonte e das expectativas do mercado – contas públicas, contas externas e até mesmo a inflação -, como resultado da política anticíclica implementada, e que são fontes de incertezas, sua solução não abre naturalmente as portas do crescimento econômico, como o pensamento conservador apregoa.

É preciso deixar claro que o que é chamado atualmente de modelo econômico, o tal do tripé macroeconômico, composto pela geração de superávits primários, câmbio flutuante e regime de metas inflacionárias, nada mais é que um modelo de estabilidade monetária e de sustentabilidade intertemporal da dívida. E que, se seu equilíbrio acalma e satisfaz o mercado, isso não significa que as portas do crescimento se abram naturalmente. No caso do Brasil, há muitas pedras – e problemas estruturais – no caminho deste crescimento e o papel do Estado é fundamental para enfrentar o desafio de removê-las, razão por que não se pode simplesmente descartar suas ações, considerando-as prejudiciais para o sistema econômico.

Ora, para dar condições ao Estado de cumprir este papel e enfrentar problemas cruciais nas áreas da educação, com melhor qualificação da mão de obra, da saúde, da infraestrutura econômica, para ficar com algumas que oneram o custo-Brasil, e contribuir para o fortalecimento da demanda agregada, por meio de políticas redistributivas, é necessário reorientar suas bases de financiamento e, neste aspecto, a reforma progressiva é essencial, deslocando a tributação ou dando maior ênfase à cobrança de impostos sobre a renda e o patrimônio. Sabidamente, e o livro de Thomas Piketty, O Capital no século XXI, revela isso, um Estado de bem-estar não pode se sustentar apenas com impostos sobre os salários e renda fixa, como manda atualmente a norma superior da tributação da competitividade, nestes tempos de globalização. Tal norma, além de insuficiente para dotá-lo de recursos para suas ações equalizadoras e inclusivas, essenciais para a coesão social e para a própria reprodução do sistema no longo prazo, agrava ainda mais as desigualdades existentes e enfraquece a demanda efetiva e a atividade econômica, enquanto as grandes rendas e o patrimônio, crescentes e concentrados no tempo, não se revertem necessariamente em investimentos produtivos.

Se a ancoragem da economia é necessária nos termos atuais do novo consenso macroeconômico, sem uma ação deliberada do Estado de construir uma ponte para o futuro, com um projeto de crescimento com inclusão social, o país continuará prisioneiro do capital financeiro, para quem, na sua irracionalidade, a desigualdade é simplesmente uma questão de mercado, e sem condições de descortinar um futuro de maior esperança para a população.

O Congresso que assume em janeiro terá condições de conduzir um processo tão complexo? De necessária, a reforma pode entrar na lista das propostas dos sonhos e ser transformada num tema intocável?

Fabrício Augusto de Oliveira: Infelizmente, isso pode acontecer. Mesmo em outras oportunidades em que a correlação das forças políticas no Congresso se apresentou mais favorável para mudanças nessa direção, propostas dessa natureza não foram aprovadas. Isso aconteceu na constituinte de 1987/88, que, mesmo influenciada por demandas da sociedade por mais equidade e políticas sociais, depois de mais de vinte anos de arbítrio de um regime autoritário, rejeitou a criação de um imposto sobre o patrimônio líquido (e deu em troca o imposto sobre grandes fortunas, que nunca foi criado) e remeteu para o campo infraconstitucional a definição de um imposto de renda mais justo, o que acabou não ocorrendo. A primeira proposta de reforma tributária do Governo Lula, de 2003, também continha alguns pontos, embora tímidos, que poderiam contribuir para melhorar a progressividade (ou atenuar a regressividade) do sistema de impostos, mas o projeto final que acabou sendo aprovado terminou restrito a mudanças necessárias apenas para a preservação do ajuste fiscal.

Isso não significa que o governo federal deva lançar a toalha no chão e desistir de apresentar uma proposta de reforma mais abrangente que enfrente não somente o problema da alta regressividade do sistema como também do distorcido sistema federativo no país. Afinal, o Executivo federal tem forte influência nessas decisões, mas será necessário mapear os conflitos, negociar e convencer os agentes afetados por essas mudanças e também os envolvidos nessa tarefa, de sua importância para o futuro do país, para que ela possa finalmente sair da lista dos sonhos e tornar-se uma realidade. Uma tarefa sabe-se, nada fácil. Mas, se continuar se restringindo a apresentar propostas de mudanças pontuais, como vem acontecendo, o sistema tributário brasileiro não somente continuará operando como trava do crescimento, mas também como antípoda de maior equidade na distribuição de seu ônus. Por isso, é preciso ousar mais. Desenhar mais claramente um projeto de sociedade que efetivamente combine crescimento com inclusão social, visando atrair maior apoio às mudanças que são necessárias no sistema tributário, entendido como instrumento essencial para a viabilização e materialização destes objetivos. Caso contrário, essa reforma continuará, de fato, apenas figurando na lista dos sonhos.

* – Davi Carvalho é jornalista e economista, membro da Plataforma.

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