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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A incompreendida liberdade de expressão

por Octavio CarusoOctavio Caruso

A questão da liberdade de expressão é muito pouco compreendida, ainda mais numa nação onde adultos não se dedicam ao hábito da leitura. Essa fragilidade acaba resultando em revoltas momentâneas nas redes sociais, baseadas em um conhecimento superficial sobre o tema que as incitou, como no caso “Charlie Hebdo” e, para começar num tom mais leve, na tola questão envolvendo o vestido da presidente. A Cora Rónai debochou da roupa dela, mas pediu desculpas quando o Leonardo Boff entrou na brincadeira e deu o troco na mesma moeda. Dois adultos agindo de forma infantil. Ela iniciou a deselegância pública, sem pensar no que a outra mulher pensaria ao ler sua opinião, então ninguém racional pode colocá-la como vítima. Os dois exercitaram a liberdade de expressão, mas, infelizmente, optaram pelo desperdício de tempo com uma tolice. E já acho que perdi tempo demais com assunto tão bobo, então retorno ao caso dos cartunistas franceses.

Começo pelo básico: nada justifica a violência. Em um mundo utópico, formado apenas por seres que verdadeiramente honrassem o “sapiens” que sucede o “homo”, não haveria tema tabu ou assunto intocável, o humor seria reconhecido como elemento essencial, especialmente, nas questões mais sérias. Estamos muito longe dessa realidade, vivemos em um mundo ignorante, que se debate na escuridão, condição que possibilita diversas interpretações, especialmente aquelas equivocadas, conduzindo ao perigoso radicalismo religioso, ao torpor da cegueira intelectual. Um mundo onde os homens criaram através do tempo sistemas de crenças que ditam costumes e fomentam preconceitos, que necessitam segregar, no intuito de distinguir os escolhidos e os ignorados, especiais e aqueles que ainda não foram tocados pelo divino.

O humor é a qualidade mais perceptível no homem inteligente. A ideia de enxergar a brincadeira com a religião como uma ofensa passível de severa punição está mais próxima do instinto bestial que move as torcidas organizadas de futebol. Você tem o direito de odiar a piada, não concordando com a abordagem ácida, mas precisa respeitar a livre expressão do artista que a elaborou. É direito daquele que se considera ofendido, contra-argumentar efusivamente, devolver a piada, no popular, pagar na mesma moeda. Mas aceitar um ato terrorista que tira a vida de doze pessoas como uma resposta compreensível é aplaudir a estupidez humana em seu mais alto grau.

A queda das torres gêmeas, com todos os seus inocentes mortos, foi compreensível? O homem que esfaqueia sua esposa, após encontrá-la com outro na cama, comete um ato compreensível? A mãe que mata um bebê, em um ritual de magia negra, está agindo de forma compreensível? Ela está seguindo algo em que acredita fortemente, assim como aqueles que jogaram os aviões nas torres. Aceitar o assassinato em um ato terrorista é, indubitavelmente, aceitar a violência como forma de revide em qualquer situação. É legitimar a evidência de que não evoluímos nada com o passar dos séculos.


Octavio Caruso – Ator, Escritor e Crítico de Cinema

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A aranha e os chifres de unicórnio



Depois de mais de um ano deixado de lado, volto com essa que foi uma ideia iniciada nos primeiros meses de 2013, que teve e tem por objetivo, repostar aqui no Blog, postagens relevantes feitas nas redes sociais. Nesta quinta edição do Pescado no Facebook escolhi a publicação do Octavio Caruso, que é escritor, ator e critico de cinema.

Octavio Caruso trata com propriedade o fato do comodismo e o medo das mudanças tão presentes na sociedade contemporânea.

Boa leitura!

Por Octavio Caruso*

Existe uma grande parte da sociedade que se acostumou a ser como uma aranha constantemente amedrontada, posicionada no centro de um círculo de chifres de unicórnio. Misticismo e teatralidade, ferramentas utilizadas historicamente para controlar os seres humanos. São raras as aranhas que questionam e conseguem enxergar que unicórnios não existem, logo, entendem que o círculo místico que os limita, na verdade, é formado por mundanos e inofensivos ossos de galinha. 

O poder de um homem ideologicamente livre é impossível de ser contido pelos grilhões da ignorância consciente e meticulosamente administrada por aqueles que intencionam controlar outrem, movidos pela ganância ou por uma noção abstrata de um bem comum maior. A escuridão conduz à possibilidade de diversas interpretações, especialmente aquelas equivocadas, conduzindo ao radicalismo, ao torpor da cegueira intelectual. 

A aranha se aproxima dos chifres de unicórnio, com a curiosidade natural que impulsionou o homem em cada descoberta importante, o desejo que motivou o atrito de pedras e a primeira faísca de fogo. O medo a detém, as lendas que foram nutridas através do tempo, a ira do unicórnio.  Um sistema que dita costumes e fomenta preconceitos, que necessita segregar, no intuito de distinguir escolhidos e ignorados, especiais e aqueles que ainda não foram tocados pelo divino. O problema está na força que teoricamente prega a bondade mais acalentadora, o erro ocorre quando se limita a complexidade do ser humano a qualquer manual de regras. A aranha estende lentamente uma de suas patas, tentando tocar o universo desconhecido que se localiza além dos chifres do unicórnio. O conformismo a detém, a necessidade de se misturar na multidão, viver mentiras frágeis e defendê-las sem convicção. O hábito de falar incessantemente, uma balbúrdia de sons desconexos que não significam nada, usualmente debochando daqueles mais calados, que preferem escutar, tornando-os alvo de escárnio nos grupos sociais. Exatamente por estarem conscientes de que somam no coro da propagação de uma farsa, eles não ousam tornar público o pavor que sentem da pungência da verdade que reside no silêncio. 

A pata da aranha toca o solo desconhecido, reconhecendo-o como tendo a mesma textura e temperatura daquele em que habitava até segundos atrás. O desconhecido é formado da mesma matéria que o conhecido. Não há mais medo, apenas coragem, a curiosidade natural desperta após um longo repouso. O ser humano finalmente evolui, até que novos sistemas voltem a ser criados na tentativa de controlá-lo. A aranha está livre.

***

"Que o unicórnio não amedronte mais as aranhas. Que o passar do tempo realmente signifique o acúmulo de conhecimento, não apenas a aproximação da inexorável finitude. Que não se disfarce a preguiça intelectual com coitadismo. Que o conforto seja temido mais do que a ousadia. Que eu possa continuar contando com o seu carinho, querido leitor. Obrigado pela companhia até este momento."

Postado no Facebook (Grupo Consciência Política Razão Social)

*Octavio Caruso – Ator, Escritor e Crítico de Cinema

Sobre o Blog

Este é um blog de ideias e notícias. Mas também de literatura, música, humor, boas histórias, bons personagens, boa comida e alguma memória. Este e um canal democrático e apartidário. Não se fundamenta em viés políticos, sejam direcionados para a Esquerda, Centro ou Direita.

Os conteúdos dos textos aqui publicados são de responsabilidade de seus autores, e nem sempre traduzem com fidelidade a forma como o autor do blog interpreta aquele tema.

Dag Vulpi

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