Ruth Costas Da BBC Brasil em São Paulo 31 julho 2015
A empresa JBS, dona da marca Friboi, há algum
tempo já é a maior produtora de carne bovina e a maior processadora de proteína
animal do mundo. Mas desde o ano passado, acrescentou mais um título à sua
coleção de superlativos. Após um aumento de 30% nas vendas, superou a Vale para
se tornar a maior empresa privada do Brasil.
A diversificação geográfica e de produtos explica a resiliência
à estagnação da economia brasileira, segundo o presidente da empresa, Wesley
Batista.
Parte das operações da JBS está nos EUA, o que significa um
grande faturamento em dólar. Além disso, se a crise faz o brasileiro deixar de
comer carne bovina, impulsiona o consumo de frango – também produzido pela JBS.
Fundada pela
família Batista em Anápolis, Goiás, a JBS tem uma história de sucesso
incontestável, mas permeada por algumas polêmicas. Hoje, também é a maior
doadora de campanha do país, tendo contribuído com mais de R$ 300 milhões só
nas eleições de 2014.
Qual o objetivo
das doações? "Fazer um Brasil melhor",
promete Batista, em entrevista exclusiva à BBC Brasil. Mas se o objetivo é
esse, investir em político não é arriscado? "Sem dúvida", admite,
acrescentando que o risco "faz parte".
Em uma conversa
na sede da empresa, em São Paulo, Batista falou sobre a relação da JBS com o BNDES,
a Lava Jato e os rumores de que o filho
do ex-presidente Lula, Fábio Luis da Silva, conhecido como Lulinha, seria um
sócio oculto de sua empresa. Confira:
BBC Brasil - Pedi para um taxista me trazer na JBS e ele
perguntou: A empresa do Lulinha? Qual a origem desses rumores?
Batista - (Risos) Vamos
ter de fazer uma reunião com taxistas, porque já ouvi isso de muita gente. Talvez organizar um evento com o sindicato
para eles pararem com essa
palhaçada. Essa conversa é absurda e sem
nexo. É difícil dizer de onde saem (esses rumores). A impressão que temos é que foram plantados em campanhas por
adversários políticos (do PT). Parece que foi um site específico…
Mas não é só isso. Nossa empresa tem uma história. Meu pai
começou esse negócio do nada, sessenta e poucos anos atrás. Quando (o
presidente) Juscelino (Kubitschek) decidiu erguer Brasília, meu pai foi vender
carne para as empresas que estavam construindo a cidade em uma precariedade
danada. Trabalhou duro, fez uma reputação. E, sem falsa modéstia, somos
bem-sucedidos no que fazemos.
Não sei se é um
tema cultural, mas se você pesquisar vai achar vários empresários bem-sucedidos
acusados de receber ajuda. Parece que no Brasil há uma dificuldade de se
reconhecer que alguém pode crescer por ser competente ou por força do seu
trabalho - e não por sorte ou porque é testa de ferro ou sócio de alguém.
BBC Brasil - Como assim?
Batista - Há quinze anos,
em Goiás, quando éramos muito menores, você ia achar muitos taxistas dizendo
que (a JBS, na época Friboi) era do Íris Rezende, que foi governador do Estado
várias vezes. Era parecido com essa história do Lulinha. Sempre crescemos muito
e as pessoas tinham de achar uma justificativa: "como eu não cresço e o outro cresce?".
Aqui neste lugar
(sede da JBS) funcionava o escritório do Bordon, que chegou a ser uma das
maiores empresas de carne bovina do Brasil. O Bordon por muitos anos
"foi" do Delfim Neto (ex-ministro da Fazenda). Quer dizer, foi
enquanto ia bem. Quando começou a ir mal ninguém mais falava que era do Delfim.
Talvez isso
(rumores) tomou uma proporção maior pelo tamanho que a empresa ganhou. E em
função das redes sociais. Mas o que a JBS tem feito é fruto do trabalho e das
pessoas competentes que tem aqui dentro.
BBC Brasil - Como é sua relação com Lula?
Batista - Lula foi
presidente por oito anos. Só o encontrei uma vez nesse período, em uma reunião
setorial no palácio, com 30 pessoas na sala, ministros, CEOs, etc. Não tenho
certeza sobre meu irmão (Joesley Batista), mas acho que ele nunca encontrou o
Lula quando ele era presidente. Fomos conhecê-lo depois, porque nos chamaram no
Instituto Lula justamente para explicar isso (os rumores). Eles perguntaram:
"Que diabos é isso? São vocês que estão falando isso?" Respondemos:
"De jeito nenhum, presidente Lula,
achamos isso um negócio sem pé nem cabeça."
No total,
encontrei o Lula três vezes depois que ele deixou a Presidência. Teve um evento
de uma revista em um hotel. Sentei na mesa, ele estava almoçando. E teve outra
vez em uma inauguração de alguma coisa. Essa é a relação. É muito distante.
BBC Brasil - E com o Lulinha?
Batista - Nunca vi o Lulinha na
minha vida. Sei quem ele é por foto na internet. Um amigo um dia falou:
"Wesley, ele é parecido com você".
Eu respondi: "Tá louco!" Aí fui olhar. Mas nunca apertei a mão do
Lulinha. Meu irmão encontrou ele uma vez em um evento social, uma festa. Uma
pessoa que estava lá ainda brincou: "Vem
cá que eu vou te apresentar teu sócio. O sócio que você não conhece…".
Aí meu irmão disse: "Rapaz… o povo
fala que somos sócios e nunca nem tinha te visto".
BBC Brasil - Outro tema
polêmico são os recursos que a JBS recebeu do BNDES.
Batista - Aí temos outro
mito descabido. Ouço constantemente que a JBS recebe dinheiro subsidiado do
BNDES. As pessoas não se dão ao trabalho (de conferir). A JBS não recebe empréstimos
do BNDES. Ponto. Isso é público. A JBS não deve um centavo ao BNDES. Público.
Para não falar que não deve um centavo, deve 40 e poucos milhões de reais, que
veio de aquisições que fizemos, da Tyson e da Seara.
BBC Brasil - Mas a empresa recebeu aportes via BNDESPar (o braço
de participações do BNDES. Ele compra ações de empresas. Não faz empréstimos,
mas se torna 'sócio' das companhias).
Batista - A JBS vendeu
participação acionária para o BNDESPar, que participa em 200 ou mais empresas.
E importantíssimo: depois que a JBS já tinha capital aberto. A transparência
foi total. Além disso, se formos olhar o investimento que o BNDESPar fez e o
que tem hoje, eles tiveram um resultado extraordinário. Provavelmente, um dos
melhores da sua carteira. No que diz respeito ao valor (dessas operações)
também existe um engano tremendo, (uma confusão) do que foi compra na JBS e em
empresas que depois viemos a adquirir. O total de aportes na JBS foi da ordem
de 5 bilhões de reais. Eles compraram isso em ações que hoje, felizmente, valem
muito mais.
BBC Brasil - A JBS seria desse tamanho não fosse a ajuda do BNDES
na fase quente de aquisições para a empresa, 2007, 2008, 2009?
Batista - Primeiro, a
gente não acha que foi ajuda. O BNDES não nos ajudou. Ele fez um negócio e nós
fizemos um negócio. E nós entregamos. Ajudar é quando você dá um dinheiro e não
cobra. Por outro lado, de forma nenhuma podemos dizer que a participação do
BNDES não foi importante. Como os outros acionistas, eles foram importantes
para a JBS emitir ações, levantar equity.
É difícil
responder o que teria sido sem o BNDES. Há fundos soberanos em vários países e
teríamos corrido atrás de interessados. Mas não dá para garantir que teríamos
atraído outros fundos.
BBC Brasil - O BNDES é um banco público. O que
a aposta na JBS trouxe de resultado para a sociedade?
Batista - Se for o caso, a
sociedade precisa discutir o papel do BNDES, não o fato do banco investir na
JBS ou na Vale. Hoje politizaram esse debate e a discussão política não cabe a
nós. Em vários lugares do mundo você tem bancos de desenvolvimento que atuam de
forma semelhante. O BNDES tem uma gama de objetivos ampla, que vai desde a
questão social e econômica ao desenvolvimento do mercado de capital brasileiro
– e a JBS é hoje uma das companhias mais valiosas nesse mercado. Toda a
sociedade ganha com um mercado de capital fortalecido.
Além disso, há a
questão a internacionalização. Hoje, o Brasil tem uma presença no território
americano muito mais expressiva que há 10 anos. Só a JBS tem 70 mil funcionários
nos EUA. E isso não pesa nas relações de país a país? Sem dúvida.
Também contribuímos para a formalização de nosso setor e da
cadeia pecuária. A indústria frigorífica do país era informal e já deu
prejuízos astronômicos. Hoje, tem três empresas listadas em bolsa, com
transparência. O setor se profissionalizou.
BBC Brasil - Não falta uma abertura maior das informações do
banco? O TCU já pediu para acessar dados sobre os acordos com a JBS...
Batista - É difícil
opinar. Acho que isso tem mais a ver com um debate político. É usado como
gancho desse debate.
BBC Brasil - Mas a JBS apoia uma abertura maior dos termos dos
acordos? O banco alega que isso prejudicaria as empresas.
Batista - É difícil falar.
O TCU não nos pediu nada. Eles pediram ao BNDES. Não temos conhecimento, no
detalhe, de que tipo de informações estão pedindo. A maioria das coisas já é
pública. Quanto a JBS deve ao BNDES? Divulgo isso em minha demonstração de
resultado. Quanto ele comprou de participação acionária? Quanto valia quando ele
comprou e quanto vale agora? Tudo é público.
BBC Brasil - Talvez quais os critérios para a escolha da JBS? Por
que não o frigorífico X ou Y?
Batista - Não vou
responder pelo BNDES, mas às vezes pode ser porque, naquele momento, foi a JBS
que foi atrás, que bateu na porta. A JBS não tem como opinar.
BBC Brasil - Delatores da Lava Jato têm relatado como doações de
campanha foram usadas para abrir portas. A JBS é a maior doadora de campanha no
Brasil. O que espera conseguir com essas doações?
Batista - Está se criando
uma imagem de que a doação de campanha existe por que há alguma contrapartida.
Mas não é assim, você não pode generalizar. Há setores e setores. Primeiro, a
JBS não tem negócios com o governo, não faz obra e não vende (para o governo).
Se vende é coisa insignificante para alguma prefeitura, talvez merenda escolar.
Não é uma empresa cuja atividade depende desse relacionamento. Nem tem dinheiro
a receber.
Por que doação
de campanha? Primeiro porque esse é o modelo brasileiro. As campanhas são financiadas
com doações privadas. E o que você espera? Espera que o Brasil seja melhor.
Para a JBS um país melhor tem um valor financeiro gigantesco. Por que a JBS
participa em doações de campanha? Porque acredita que, participando, tem
condições de apoiar partidos e pessoas que, se ganham, podem contribuir para a
gente ter um país melhor. E com um pais melhor, automaticamente, a JBS tem um
ganho de valor extraordinário.
BBC Brasil - Mas a JBS doa tanto para o governo quanto para a
oposição. Qual a lógica disso? Vocês acham que qualquer um que ganhe, o país
melhora?
Batista - Não é assim… A
bolsa brasileira é de 50 mil pontos. Se fosse de 80 mil pontos, a JBS valeria
50% a mais, ou 25 bilhões de reais (a mais). Então você tem um negócio
relevante. Aí você diz, "mas a JBS doou pra um e para outro". É
verdade. Tem um defeito no modelo brasileiro. São tantos partidos que você não
quer ficar rotulado como um cara que tem partido. Não temos partido. Por
exemplo, o finado Eduardo Campos era um político no qual achávamos que valia
investir. Era promissor …
BBC Brasil - Se você doa para políticos que concorrem entre si,
não parece estar identificando os 'promissores'.
Batista - Idealmente, você
deveria escolher alguns. Mas ninguém quer ficar rotulado como
"aliado" ou "opositor". A gente sempre fala para qualquer
político que vem aqui: não somos políticos, somos empresários. Queremos
contribuir apoiando bons políticos, mas não temos lado. Não é uma questão de
escolha.
BBC Brasil - Se o objetivo é um Brasil melhor, o investimento em
político não é arriscado? Não seria melhor um instituto de combate à pobreza ou
algo do tipo?
Batista - Sem dúvida é
arriscado. Temos investimentos em outras áreas (sociais). Dentro dessa sede da
empresa, há uma escola com 600 alunos, porque acreditamos que o maior gap (deficiência)
que o Brasil tem não é infraestrutura, é educação.
É um
investimento arriscado, claro. Investimos alguns milhões no Eduardo (Campos).
Investimos em alguns partidos ou políticos que depois olhamos e falamos:
"Poxa, erramos. Era melhor o outro candidato". Isso faz parte. Se eu
soubesse e pudesse só acertar…
BBC Brasil - Tivemos o escândalo do HSBC recentemente. O que leva
alguns grandes empresários a colocarem a reputação em risco para sonegar
imposto?
Batista - Acho que não há
uma ou duas ou três explicações. Cada caso é um caso. Às vezes fico vendo
empresas que pagaram para receber dinheiro (ao qual tinham direito) do governo.
É errado, claro. Não tem de pagar ninguém. Mas é difícil julgar porque às vezes
a pessoa precisa do recurso. Fica entre a cruz e a espada e acaba indo para o
caminho incorreto para salvar a empresa. É preciso ver em que circunstâncias o
sujeito fez isso. Não estou falando do funcionário público ou político que
recebeu propina, porque eles estão ali para prestar um serviço público. Também
tem empresários e empresários. Mas é difícil julgar.
BBC Brasil - O senhor parece
estar se referindo à Lava Jato. É isso?
Batista - De novo, acho
que tem casos e casos. Pode ter casos em que (o empresário) fez errado, que
corrompeu o corrompido, que foi iniciativa da empresa. É horrível. Não que de
outra forma não seja horrível. Mas generalizar não é correto. Tem bons
empresários e maus empresários. Boas empresas e más empresas. E também é
preciso ver as circunstâncias em que as coisas aconteceram. Não dá para sair
julgando. O Brasil precisa de um amadurecimento, até da imprensa. Há uma
imprensa cuidadosa, mas outra que emite opinião sem fatos e dados suficientes.
BBC Brasil - Por exemplo?
Batista - Nós tivemos dois
casos nesse sentido, que mostram que não dá para sair julgando. Fizemos um
pagamento da compra de um frigorífico em Ponta Porã e um centro de distribuição
no Paraná em uma conta, porque a pessoa mandou (fazer o depósito) contra ordem
de terceiro. A conta estava no meio da Lava Jato. Foi um barulho (sem
propósito)…
BBC Brasil - O outro (caso) diz respeito a anotação (encontrada em
uma planilha) de Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras e delator da Lava
Jato)?
Batista - Ele fez uma
anotação numa agenda, ou sei lá no que. "J&F (holding controladora da
JBS): tantos mil pra mim, tantos pro fulano". Na operação, a Policia
Federal pegou isso e saiu (na imprensa) algo que fazia parecer que a JBS fez um
negócio (ilícito).
Na prática, foi
algo tão descabido: uma pessoa que conhecia meu irmão ligou para ele um dia e
disse que tinha um amigo que queria vê-lo para oferecer uma empresa. Normal no
mundo empresarial. Meu irmão falou: "Tudo bem, traz seu amigo para falar
com um diretor meu". Essa pessoa era o Paulo Roberto Costa, que foi lá
oferecer a Astromarítima. Ele estava pensando em ganhar corretagem (com a venda
da empresa), o que também é normal, desde que ele declare essa comissão. A proposta
não interessou. Mas nesse meio tempo o cara deve ter feito a continha: "Se
eu vender, recebo tanto." Virou um negócio que "meu Deus".
Também
confundiram os nomes. Esse amigo do meu irmão tinha o primeiro ou segundo nome
igual ao de um executivo da OAS preso. A imprensa deduziu que era a mesma
pessoa. Isso tudo já está explicado. Mas cria-se um negócio não concreto, um
julgamento de valor. Opinar quem fez e quem não fez na Lava Jato é para os
procuradores, juízes e investigadores.
BBC Brasil - Com a desaceleração da economia, há o medo que o
Brasil reverta os ganhos sociais dos últimos anos. Há quem defenda que os ricos
poderiam pagar mais impostos para aliviar o impacto do ajuste sobre os pobres.
Sua família está no topo da pirâmide social brasileira. O que acha?
Batista - Pergunta
difícil. Essa você pegou pesado. Olha, isso não é uma novidade. Em vários
países, quem tem mais paga mais. Nós temos uma situação específica do Brasil.
Já temos uma das maiores cargas tributárias do mundo… e aí é que eu acho que
está o debate. Não é se se cobra mais de quem tem mais e menos de quem tem
menos. Já temos impostos demais e os impostos aqui são muito complicados. Além
do custo de pagar, o custo de administrar, isso é monstruoso. Nossa companhia
nos EUA é tão grande quanto no Brasil, mas temos aqui dez vezes mais pessoas
envolvidas com a questão dos tributos. O foco deveria ser simplificar esse
troço.
BBC Brasil - Os processos trabalhistas são o tema de muitos
comentários negativos contra a JBS nas redes sociais. O que vocês estão fazendo
para diminuir isso?
Batista - Muita coisa.
Cada dia mais. Temos uma área de compliance trabalhista
composta por engenheiros de segurança do trabalho, ergonomistas, advogados, um
grupo multifuncional que vai de fábrica em fábrica. Lógico que não somos
perfeitos. Temos problemas, mas isso às vezes é superdimensionado. Dado o
universo que a JBS trabalha, a quantidade de fábricas, nossos indicadores são
bons. Temos 120 mil funcionários no Brasil. É claro que não queríamos ter
problema nenhum. Nenhum acidente. A gente trabalha para isso. Mas,
infelizmente, às vezes tem alguns casos.