Por Dag Vulpi
A fronteira entre religião e política sempre foi tênue, mas indispensável. Quando um ultrapassa o território do outro, o resultado é confusão moral e enfraquecimento de ambos. O que nasce da fé se contamina pelo cálculo do poder, e o que deveria servir à coletividade se converte em instrumento de dogma.
Quando a religião é levada para dentro das casas legislativas, as leis dos homens entram inevitavelmente em conflito com as leis de Deus. E quando a política se instala nos altares, as palavras da Sagrada Escritura passam a disputar espaço com interesses humanos — muitas vezes disfarçados de virtude.
A fé perde sua pureza quando se torna bandeira partidária. A política, por sua vez, perde sua legitimidade quando se converte em púlpito. Ambas, quando misturadas, deixam de cumprir seus propósitos originais: uma deixa de iluminar, a outra deixa de governar com justiça.
O azeiteiro é o local apropriado para armazenar o azeite; já no decanter, repousa o vinho. Ambos possuem natureza distinta, recipientes próprios, ritos e finalidades diferentes. A tentativa de inverter ou misturar esses compostos conduz a um único desfecho: tanto o vinho quanto o azeite perdem seus aromas e sabores característicos — e, com eles, sua essência.
Assim também ocorre com a religião e a política: quando deixamos que uma se infiltre na função da outra, ambas perdem o sentido e corrompem o que há de mais precioso em cada uma — a fé que eleva e a justiça que liberta.
A crítica contemporânea à fusão entre fé e poder
As críticas à chamada bancada evangélica concentram-se justamente nesse ponto sensível: o uso da fé como instrumento de poder político. Analistas e observadores apontam que, ao buscar influência legislativa e executiva, parte dessa representação acaba promovendo um discurso que mistura dogmas religiosos com decisões públicas, comprometendo o princípio do Estado laico.
Entre as principais críticas estão:
Conservadorismo e direitos humanos: A bancada é frequentemente criticada por sua oposição a pautas relacionadas à diversidade, como aborto, eutanásia, casamento entre pessoas do mesmo sexo e igualdade de gênero. Tais posições, embora legitimadas pela liberdade religiosa, são vistas por muitos como obstáculos à ampliação dos direitos humanos e à convivência plural.
Politização da fé: Para críticos e estudiosos — inclusive em análises amplamente debatidas em plataformas como o YouTube —, a atuação da bancada se distancia dos ensinamentos de Cristo, que rejeitava a disputa pelo poder e pregava o amor e a compaixão. A associação direta entre fé e política, nesse sentido, é vista como um afastamento do espiritual em favor do eleitoral.
Influência excessiva e disputas políticas: Outro ponto recorrente é o uso do poder religioso para intervir em decisões de governo, pressionar o Congresso e garantir a aprovação de projetos de interesse de grupos específicos. Essa prática é interpretada como uma sobreposição de crenças particulares sobre o interesse coletivo.
Controvérsias em projetos de lei: Em redes como o Instagram e nos meios acadêmicos, levantam-se críticas à condução de projetos que tratam com superficialidade temas sensíveis como estupro, abuso e violência contra a mulher. Há preocupação de que interpretações moralistas possam fragilizar políticas públicas de proteção social.
Apropriação e polarização ideológica: Por fim, a bancada é frequentemente associada à manutenção de pautas conservadoras e à aproximação com lideranças políticas de viés ideológico, como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Esse alinhamento, segundo críticos, reforça a polarização e enfraquece o diálogo democrático dentro das instituições.
Essas críticas não pretendem negar o papel social e espiritual das igrejas, mas alertam para os riscos que surgem quando a fé, em vez de guiar consciências, passa a comandar votos e legislações.
Reflexão:
A harmonia entre o sagrado e o profano não se encontra na fusão, mas no respeito aos limites que os separam. Fé e política só coexistem em paz quando cada uma permanece no espaço que lhe cabe — servindo, cada qual à sua maneira, ao bem comum. Quando o altar se torna palanque, o verbo se torna discurso, e a espiritualidade perde sua luz para o brilho fugaz do poder.

Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi