sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O início da travessia: o menino, a porta e o silêncio da alma


Quando revisitar o passado se torna o primeiro passo rumo à individuação

Há momentos em que o passado nos chama não para aprisionar, mas para libertar.
Durante uma reflexão profunda — guiada pelo desejo de compreender as raízes da própria sombra — encontrei um menino parado diante de uma porta azul. Era uma lembrança, mas também um símbolo. Aquele menino, perdido entre lembranças de amizade e feridas antigas, ainda esperava por um gesto de reconciliação interior.

Na memória, o cenário era simples: o corredor do antigo ginásio, o eco dos passos, a luz entrando pelas janelas altas. Mas o que pesava ali não era o tempo — era a dor de uma frase. Uma única frase dita na infância, carregada de orgulho e comparação, e que feriu mais do que o próprio menino pôde compreender.

Durante anos, aquela porta azul permaneceu fechada dentro de mim. Atrás dela, o eco de uma amizade interrompida, a sombra de uma desigualdade que me ensinou sobre limites, dignidade e silêncios. Hoje, ao revisitar essa lembrança, percebi que o perdão verdadeiro não é esquecer o que aconteceu, mas permitir que a dor encontre um novo significado.

Ao fechar a porta — e não por negação, mas por compreensão — senti-me mais leve. Caminhei novamente pelo mesmo corredor, agora vazio, mas cheio de sentido. O menino em mim, antes ferido, parecia enfim aceitar que as feridas também educam, e que o amor-próprio nasce do reconhecimento da própria dor.

Mas percebo que essa é apenas a primeira de muitas portas a serem abertas. A sombra, como descreve Jung, é a guardiã de tudo aquilo que negamos em nós mesmos: medos, ressentimentos, julgamentos, e até a ternura que reprimimos. Entrar em contato com ela não é um castigo — é um rito de passagem.

Hoje, aos 61 anos, compreendo que a individuação não é uma chegada, mas um caminhar constante. Cada lembrança revisitada se torna uma chave, cada dor compreendida uma abertura. A leveza que sinto agora é apenas o prenúncio de um novo ciclo — o da integração entre o que fui, o que sou e o que ainda posso me tornar.

Fechar aquela porta azul foi o primeiro gesto consciente de libertação. E talvez, nas próximas jornadas, eu descubra que as outras portas também estão apenas esperando um olhar mais amoroso para serem abertas.


Por Dag Vulpi

Diário da Busca pelo Self – Capítulo 1 - 

“A sombra não é inimiga: é a professora mais antiga da alma.”

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