Por Kátia
Gerab Baggio
Capitalistas
financiam uma rede de think tanks ultraliberais pelas Américas, cujos frutos
são organizações como ILISP e MBL. O que pretendem com isso?
Introdução:
sobre a Atlas Network e o ultraliberalismo
Inicialmente,
esclareço que meu interesse nas vinculações da Atlas Network com organizações
latino-americanas — e, em particular, brasileiras — deve-se, evidentemente, à
conjuntura política brasileira dos últimos anos.
Meu
objetivo é apresentar as conexões entre o avanço de uma direita ultraliberal —
no Brasil e em outros países latino-americanos — e o think tank norte-americano Atlas
Network, que tem parcerias com várias organizações ultraliberais em todo o
mundo.
Explicito,
a princípio, que fiz a opção pela expressão ultraliberal, em lugar de
neoliberal, por considerá-la mais precisa. O termo neoliberal já foi utilizado,
inclusive, para denominar as ideias e políticas econômicas de matriz keynesiana
do período entreguerras, vinculadas à implementação de modelos de Estado
de bem-estar social ou de economia social de mercado, ainda que,
posteriormente, essa concepção tenha caído em desuso. A partir dos anos 1980, o
termo neoliberal passou a ser utilizado, como se sabe, em sentido praticamente
inverso, ou seja, para denominar as propostas econômico-sociais de Estado
mínimo, defesa do livre mercado e da desregulamentação em um período de rápida
e intensa globalização. Considero o termo ultraliberal, como já afirmei, mais
preciso, pois sintetiza as propostas de um liberalismo acentuado, na era da
globalização financeira.
A Atlas
Network — think tank legalmente denominado Atlas Economic
Research Foundation, sediado em Washington, D.C. — atua, desde 1981,
na defesa e propagação de concepções da direita ultraliberal, com organizações
parceiras em todos os continentes. Em 2013, o nome da organização foi alterado
para Atlas Network, ainda que o nome legal tenha permanecido o mesmo:
Atlas Economic Research Foundation. Seu principal idealizador — e fundador —
foi Antony Fisher(1915-1988), um empresário britânico defensor das
concepções do economista austríaco Friedrich Hayek — assim como,
posteriormente, do norte americano Milton Friedman —, que se
mudou, na década de 1970, para os Estados Unidos, depois de um período de
dois anos no Canadá, em que foi diretor do Fraser Institute,
outro think tank ultraliberal. Em 1955, Fisher havia fundado,
em Londres, o Institute of Economic Affairs (IEA). É conhecido o
fato de que, desde o início dos anos 1960, Margaret Thatcher (Partido
Conservador), que viria a ser a primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990 —
período em que houve um progressivo desmonte do Estado de bem-estar na Grã-Bretanha —,
frequentava reuniões no IEA.
Vale
lembrar que, no mesmo ano da fundação da Atlas Network, 1981, teve início,
nos Estados Unidos, o governo de Ronald Reagan (Partido Republicano),
caracterizado pela defesa do livre mercado, desregulamentação da economia,
cortes de impostos e redução do orçamento de programas sociais. Em síntese, um
programa de enxugamento do Estado, com exceção do orçamento militar, que
cresceu significativamente na década de 1980. O governo Reagan (1981-1989),
afinado com as concepções ultraliberais, contribuiu significativamente para o
fortalecimento da direita norte-americana, não só por sua política econômica,
que ficou conhecida como Reaganomics, como pela retomada da corrida
armamentista e do discurso anticomunista. Para quem não se lembra, Reagan
chamou a ex-União Soviética de “o império do mal”.
Acerca
do financiamento da Atlas Network, segundo consta no site, a organização não
recebe recursos governamentais, apenas privados: de corporações, fundações ou
doações individuais. É registrada como uma organização sem fins lucrativos.
Portanto, todas as doações feitas nos Estados Unidos são dedutíveis de
impostos. Entre os patrocinadores da Atlas Network, estão os
irmãos Koch, bilionários norte-americanos cujas empresas atuam, entre outros
setores, com petróleo e gás.
A
Atlas Network possui, de acordo com informações contidas em sua página na
internet, 465 partners em 95 países. A maior parte dessas organizações está
sediada nos Estados Unidos, 168. Em segundo lugar, estão a Europa e
a Ásia Central, com 134. E, a seguir, com 79, situam-se a América
Latina e o Caribe.
Há
organizações com sedes em cidades do México, países centro-americanos e caribenhos como Bahamas, CostaRica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Jamaica, Panamá e República
Dominicana —, além de todos os países da América do Sul continental,
com as seguintes exceções: Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
Entre
os países latino-americanos, aqueles com o maior número de organizações são
a Argentina, com doze; Brasil, onze; e Chile, com dez. Em
seguida, aparecem na lista o Peru, com oito; Costa Rica e México,
cinco em cada um; Bolívia, Uruguai e Venezuela, com quatro
em cada país. A Guatemala aparece na lista com três. Equador, El
Salvador e República Dominicana, com duas cada um; além das Bahamas, Colômbia, Honduras, Jamaica, Panamá e Paraguai,
com uma organização cada. Além das organizações nacionais, aparece como partner
da Atlas Network uma organização supranacional, Estudiantes por la
Libertad (EsLibertad), que é o ramal latino-americano da
estadunidense Students For Liberty (SFL). Com sede em Washington,
capital dos Estados Unidos, o SFL realizou seu primeiro congresso em 2008,
na Columbia University, em Nova York, e se identifica como “a maior
organização estudantil libertária do mundo”. Há, no Brasil,
uma organização específica, Estudantes Pela Liberdade, com sede em Belo
Horizonte.
Vale
registrar que as duas organizações parceiras da Atlas Network sediadas em Porto
Rico — com nomes em espanhol: Centro para Renovación Económica,
Crecimiento y Excelencia e Fundación Libertad — estão listadas entre as
instituições dos Estados Unidos.
Todos
os anos, a Atlas Network promove a realização do evento Liberty
Forum and Freedom Dinner, que assim é apresentado
no site:
A
Atlas Network fortalece o movimento mundial pela liberdade, identificando,
treinando e apoiando indivíduos com potencial para fundar e desenvolver
organizações independentes eficazes que promovam nossa visão em todos os
países. […] O Liberty Forum reúne anualmente os campeões da liberdade em uma
rede para a troca de ideias e o compartilhamento de estratégias. O jantar de
gala [Freedom Dinner] serve como um grand finale apropriado para o evento,
celebrando os heróis do movimento pela liberdade e os princípios que os amigos da
Atlas Network estão divulgando por todo o mundo.
Sobre
os apoios da Atlas Network às organizações parceiras, afirma-se que:
Com
recursos modestos disponíveis para subvenções [grants], só podemos financiar
uma fração das propostas que recebemos. […] Os subsídios patrocinados pela
Atlas Network podem apoiar projetos específicos ou oferecer suporte operacional
a organizações parceiras. Este suporte é normalmente concedido em quantidades
modestas de 5.000 a 10.000 dólares, e apenas em raras ocasiões irá exceder a
20.000 dólares.
Como
poderá ser constatado adiante, no caso brasileiro, as doações, nos anos de 2015
e 2016, excederam em muito os 20.000 dólares.
Nas
organizações parceiras da Atlas Network, os “princípios”, “valores” ou
“missão” incluem, praticamente sem variações, a defesa da livre iniciativa,
do livre mercado, do empreendedorismo, da responsabilidade
individual, da propriedade privada, das liberdades individuais,
da meritocracia e da limitação de ação dos governos. Algumas
dessas organizações visam à capacitação de indivíduos para serem
multiplicadores dos seus princípios e, em alguns casos, a formação de
lideranças empresariais. Nem sempre perspectivas ultraliberais são
explicitadas, ainda que com muita frequência, na maioria das organizações.
Nos sites dessas
organizações são citados, frequentemente, os dois maiores expoentes da chamada
“Escola Austríaca de Economia”, Ludwig von Mises (1881- 1973) —
principalmente seu livro Ação humana: um tratado sobre economia, de 1940
(edição em inglês de 1949) — e Friedrich Hayek (1899-1992), cuja obra mais
citada é O caminho da servidão, de 1944. Muito citados também são Ayn Rand e Murray
N. Rothbard. Nascida na Rússia czarista em 1905, a romancista e
filosofa Ayn Rand é autora, entre outras obras, do romance
filosófico Atlas Shrugged, de 1957, publicado no Brasil com o título A
revolta de Atlas, em que a autora faz uma defesa enfática do individualismo e
da livre concorrência, e um rechaço veemente do modelo de Estado de
bem-estar social.
Murray
N. Rothbard, por sua vez, ficou conhecido, a partir da década de 1940, por sua
defesa do que veio a ser conhecido como “anarcocapitalismo”, isto é, um sistema
econômico em que todos os serviços, produtos e espaços seriam privados — tanto
por iniciativa individual quanto coletiva — e disputados na livre concorrência,
inclusive a segurança pública, a defesa e a justiça. Os defensores dessas
ideias individualistas de negação do Estado se autointitulam “libertários
anarcocapitalistas”, representantes da “nova direita libertária” e do
“libertarianismo”. Rothbard
é autor, entre outras obras, de For a New Liberty: The Libertarian
Manifesto, cuja primeira edição é de 1973. Obviamente, o sentido da palavra
“libertário” não se vincula ao que lhe foi dado, historicamente, pelos
movimentos anarquistas, vinculados à luta dos trabalhadores por direitos e
melhores condições de vida, mas ao sentido que lhe dá os movimentos ultraliberais,
a partir das concepções econômicas da “Escola Austríaca” e da “Escola Econômica
de Chicago”, cujo expoente maior é Milton Friedman, ou dos
“anarcocapitalistas”.
No
site da Atlas Network, há a seguinte explicação sobre a coincidência de nomes
entre a organização e o conhecido livro de Ayn Rand, Atlas Shrugged:
O
nome não foi derivado do livro. Na verdade, a palavra “Atlas” em nosso nome tem
relação com a natureza global do nosso trabalho. E, embora compartilhemos
muitos dos valores de livre mercado encontrados no Atlas Shrugged e mantidos
pela Atlas Society e Ayn Rand Institute, somos organizações separadas.
Considero,
entretanto, ser indiscutível que a popularidade do livro de Ayn Rand e
os valores compartilhados fazem com que essa associação seja praticamente
inevitável.
O
presidente da Atlas Network, desde 1991, é Alejandro Antonio Chafuen,
argentino radicado nos Estados Unidos. Conhecido como Alex Chafuen, é,
também, fundador e presidente do Conselho do Hispanic American Center For
Economic Research (HACER), fundação criada em 1996, com sede em Washington, D.C.,
que se dedica a promover as ideias ultraliberais na América Hispânica e entre
hispano-americanos que vivem nos Estados Unidos.
Chafuen
ingressou na Atlas Network em 1985 e trabalhou junto com o fundador, Antony
Fisher. Segundo uma consistente matéria da jornalista Marina Amaral,
publicada na agência Pública, em 23 de junho de 2015, Chafuen seria ligado
à Opus Dei, além de simpatizante do Tea Party, tendência
ultraliberal-conservadora dentro do Partido Republicano —
ultraliberal na economia e conservadora no que se refere a questões sociais,
religiosas e de costumes. Como já mencionado, Chafuen é
argentino. Em Buenos Aires, uma das organizações parceiras da Atlas
norte-americana é a Fundación Atlas para una Sociedad Libre, fundada em
1998 e também conhecida como Atlas 1853, em referência ao ano de aprovação da
Constituição liberal argentina. Em seu site, afirma-se que Atlas 1853 retoma o
legado de Juan Bautista Alberdi como inspirador da Constituição de 1853, que
permitiu que — em pouco mais de meio século — o deserto que era a
Argentina naquele momento se transformasse no 10º. país com a maior renda per
capita do planeta.
Os
ultraliberais argentinos de finais do século XX e inícios do XXI retomam, à sua
maneira, Alberdi e Sarmiento, em uma releitura do pensamento
liberal argentino do século XIX.
As
organizações parceiras da Atlas Network no Brasil
No
Brasil, as onze organizações que aparecem no site da Atlas Network como
parceiras, são as seguintes: três no Rio de Janeiro: Centro
Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP), Instituto
Liberal (IL) e Instituto Millenium (Imil); três em São
Paulo: Instituto de Formação de Líderes – São Paulo (IFL-SP), Instituto
Liberal de São Paulo (ILISP) e Instituto Ludwig von Mises Brasil (Mises
Brasil); duas em Belo Horizonte: Estudantes Pela Liberdade (EPL)
e Instituto de Formação de Líderes (IFL); duas em Porto Alegre: Instituto
de Estudos Empresariais (IEE) e Instituto Liberdade (IL-RS); e
uma em Vitória (ES): Instituto Líderes do Amanhã.
Chama
atenção a presença das mesmas pessoas em várias dessas organizações, incluindo
empresários — que, com frequência, são patrocinadores desses institutos, ou
seja, doadores de recursos, como pessoas físicas ou jurídicas — e os chamados
“especialistas”: economistas, jornalistas, cientistas políticos, juristas,
“consultores” etc. São pessoas que atuam, ao mesmo tempo, em órgãos de imprensa
da mídia corporativa, em geral como colunistas, e nas organizações liberais ou
ultraliberais, além de participarem ativamente dos eventos dessas organizações,
ministrando palestras, cursos etc. Basta dar uma olhada nas páginas na internet
de várias dessas organizações, incluindo o Instituto Millenium — o think
tank mais diretamente vinculado às empresas brasileiras de mídia —, para
constatar essa recorrência de nomes.
Grande
parte dessas organizações ultraliberais latino-americanas são filiadas à Red
Liberal de América Latina – RELIAL. A RELIAL foi criada em 2004 e
reúne não só think tanks como partidos políticos liberais da América
Latina. No caso do Brasil, as organizações filiadas à RELIAL são o
Instituto Liberal (IL), criado no Rio de Janeiro em 1983, o Instituto de
Estudos Empresariais (IEE) e o Instituto Liberdade (IL-RS).
O
vice-presidente da RELIAL é, segundo consta no site da organização, Ricardo
Gomes, que também é membro do Conselho Deliberativo do IEE. No Brasil, também
há uma organização que reúne think tanks e demais organizações
ultraliberais que atuam no país. É a Rede Liberdade, que assim se apresenta:
Somos
a rede nacional de organizações liberais e libertárias, que influencia
políticas públicas, por meio de projetos próprios ou de seus membros. A Rede
Liberdade coordena os membros, de forma descentralizada, e tem por objetivo
potencializar a divulgação e o impacto efetivo, entre os formadores de opinião,
de ideias e iniciativas que visem uma menor intervenção estatal na economia e
na sociedade.
A
Rede Liberdade reúne 28 institutos, além de 20 grupos de estudos ou núcleos,
situados em estados de todas as regiões do Brasil. Alguns desses institutos são
bastante conhecidos e com atuação em suas cidades há vários anos, como os já
citados Instituto de Estudos Empresariais, Instituto Liberal, Instituto
Millenium e Estudantes Pela Liberdade. A Rede Liberdade, além das organizações
mais estabelecidas e conhecidas, agrega organizações como o Movimento
Endireita Brasil (MEB – São Paulo), que participou ativamente, nas redes e
nas ruas, da mobilização a favor do impeachment de Dilma
Rousseff. A maioria dessas organizações surgiu nos últimos cinco ou dez anos,
ainda que algumas delas (IEE ou IL, por exemplo) tenham sido criadas na década
de 1980. Ou seja, nos anos dos governos Lula e Dilma houve
uma proliferação, no Brasil, de organizações defensoras do Estado mínimo ou
do enxugamento do Estado, com maior ou menor estrutura de atuação.
Vale
registrar que, em visita ao site da Atlas Network em maio de 2016,
verifiquei que havia 76 organizações parceiras na América Latina e Caribe,
exatamente uma a mais do que as que constavam no site no dia da minha
apresentação no XII Encontro Internacional da ANPHLAC, ocorrida dois meses
depois, em 28 de julho. Entre as 76, estava o Movimento Brasil Livre (MBL),
que, em julho, não aparecia mais na lista de parceiras. Nada, obviamente, é por
acaso. Houve, provavelmente, uma deliberada decisão por ocultar o MBL da lista
de partners no período de votação do impeachment da presidente Dilma
no Senado.
Existem
ligações estreitas, comprovadas, entre brasileiros ultraliberais que lideraram
a mobilização pró-impeachment de Dilma — jovens e não tão jovens — com a
Atlas Network e outras organizações norte-americanas.
O MBL —
que, como se sabe, teve destacada atuação na organização dos atos a favor
do impeachment de Dilma — tem origem no Students For Liberty (SFL),
fundado em 2008 na Columbia University, que tem como “missão” “empoderar
jovens estudantes liberais” ou líderes estudantis “libertários”, e, no ramal do
SFL no Brasil, a organização Estudantes Pela Liberdade (EPL), com
sede em Belo Horizonte. Em novembro de 2015, foi realizado o Primeiro
Congresso Nacional do MBL, ocasião em que foram aprovadas propostas nas áreas
da educação, saúde, sustentabilidade, reforma política, economia, Justiça,
transporte e urbanismo. Sem espaço para detalhar as propostas, ressalto apenas
uma delas: “Fim da função social da propriedade. A propriedade privada não pode
ser relativizada.”
O
Students For Liberty tem vínculos estreitos com a Atlas Network, que promove
programas de treinamento, cursos e apoio financeiro para formar jovens
lideranças do “movimento pela liberdade” em todos os continentes.
Farei,
a partir dessa parte do texto, algumas breves considerações sobre algumas
dessas organizações parceiras da Atlas Network no Brasil.
O
Instituto de Estudos Empresariais, sediado em Porto Alegre, foi fundado em 1984
e realiza, anualmente, o Fórum da Liberdade, desde 1988. Entre os
patrocinadores, estão o Grupo Gerdau, que também patrocina o Instituto Millenium,
o grupo de mídia RBS etc. E há uma parceria com a Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em cujo Centro de
Eventos é realizado o Fórum da Liberdade. Na 29a edição do Fórum, ocorrida em
abril de 2016 no Centro de Eventos PUCRS (CEPUC), o tema escolhido foi “Quem
move o mundo?”, inspirado no romance A revolta de Atlas, de Ayn Rand.
Um dos principais nomes do evento foi Yaron Brook, presidente do The
Ayn Rand Institute (ARI), sediado em Irvine, na Califórnia.
A
parceria do Instituto Millenium com a Atlas Network revela os vínculos do think
tank norte-americano com a mídia corporativa brasileira. Entre os
patrocinadores do Instituto Millenium (Imil), estão os grupos Abril e
RBS (filiado à Rede Globo em Santa Catarina e no Rio
Grande do Sul). O Grupo Estado, que publica o jornal O Estado de S.
Paulo, aparecia entre os “mantenedores e parceiros” do Imil até 2016.
E,
entre os integrantes da “Câmara de Mantenedores”, estão João Roberto
Marinho(Grupo Globo) e Nelson Sirotsky (Grupo RBS); empresários do
setor financeiro — como Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de
1999 a 2002, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso — além
de outros empresários de diferentes setores da economia.
Segundo
informa o site do Imil, o instituto foi fundado em 2005, com o nome inicial de
Instituto da Realidade Nacional, pela economista Patrícia Carlos de
Andrade, e oficializado em 2006, durante o Fórum da Liberdade, em Porto Alegre,
organizado pelo IEE.
No
site do Imil, foi divulgada a realização da 29a edição do Fórum da
Liberdade. Na ocasião, o Instituto Millenium informou que, além de ter apoiado
a realização do evento, “organizou a edição em português do livro A revolta de
Atlas, lançado em 2010 pela editora Arqueiro.” Entre os “especialistas” do
Instituto Millenium, além de economistas, cientistas políticos e intelectuais
reconhecidos no meio acadêmico, há jornalistas e colunistas que defenderam
abertamente o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Um deles
é Leandro Narloch, que foi colunista da revista Veja (Grupo
Abril) de dezembro de 2014 a novembro de 2016, coincidindo com o período da
campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff (sua coluna era
intitulada “Caçador de Mitos”) e, desde dezembro de 2016, assina uma coluna
na Folha de S. Paulo. Também
aparece na lista de “especialistas”, o veterano jornalista José Nêumanne
Pinto, colunista de O Estado de S. Paulo (OESP) e, assim como o
jornal para o qual trabalha — o que ficou claramente evidenciado pelos
editoriais —, foi favorável ao impeachment de Dilma. No dia 10 de
março de 2016, foi publicado no site do Imil um artigo de Nêumanne Pinto
publicado em OESP no dia anterior — apenas quatro dias antes das grandes
manifestações de domingo, 13 de março, a favor do impeachment —,
intitulado “O governo contra a lei”, de oposição duríssima à presidente. A
certa altura do artigo, Nêumanne faz uma menção elogiosa ao “acordo
internacional que incorporou o Brasil ao Primeiro Mundo no combate à
corrupção”.
Alguns
nomes que apareciam como “especialistas” do Imil em 2016, não aparecem mais na
lista em fevereiro de 2017. Entre esses, estão os nomes de Carlos Alberto
Sardenberg, Demétrio Magnoli, Denis Rosenfield e Marco
Antonio Villa, todos com amplo espaço na mídia. Outros nomes, como Arnaldo
Jabor e Reinaldo Azevedo, colaboraram com o Instituto, com artigos
e/ou participação em eventos. Pode-se supor que o Imil tenha preferido, para
tentar manter sua imagem de uma organização técnica e apartidária, excluir da
lista alguns nomes que ficaram muito marcados pela defesa do impeachment de
Dilma. Entretanto, permaneceram na lista de “especialistas” nomes como o do
economista Rodrigo Constantino e o de Hélio Beltrão,
fundador-presidente do Mises Brasil. Enfim, são muitos os colaboradores do
Instituto Millenium que tiveram participação ativa no processo de
desestabilização do governo de Dilma: economistas liberais com colunas em
jornais, empresários favoráveis ao impeachment, jornalistas com espaço na
mídia corporativa etc.
No
site da Atlas Network, foi publicado um artigo de Rodrigo Constantino, no dia
24 de março de 2016, intitulado: “A corrupção governamental no Brasil apresenta
ambos, riscos e oportunidades”. O texto é ilustrado com uma foto da massa
vestida de verde e amarelo que participou, em 13 de março, da manifestação a
favor do impeachment de Dilma em Brasília. Constantino é apresentado
como “presidente do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium,
ambos parceiros da Atlas Network no Brasil”.
Além
de contar com o patrocínio de empresas, o Instituto Millenium recebeu, em 2009,
a certificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip),
outorgada pelo Ministério da Justiça, o que permite ao Imil receber
doações dedutíveis do Imposto de Renda de pessoas jurídicas de até 2%.
É
desnecessário expor aqui o papel absolutamente central das grandes empresas de
mídia brasileiras na desestabilização do governo de Dilma Rousseff, a partir de
junho de 2013 e, particularmente, durante a campanha pelo impeachment da
presidente, a partir do início de seu segundo mandato, em 2015.
Vale
registrar que, em 2013, integrantes dessas organizações ultraliberais iniciaram
sua participação nas manifestações de rua, como demonstra a matéria, já citada,
de Marina Amaral. A jornalista entrevistou membros do Movimento Brasil
Livre e Vem Pra Rua, que confirmaram o início da participação nos
atos de rua em junho de 2013, mas que o problema, naquela ocasião, era a
diversidade de pautas. Os entrevistados afirmaram que, somente a partir de
março de 2015, puderam colocar suas pautas ultraliberais nas ruas, por exemplo,
em cartazes em que se podia ler “Menos Marx, Mais Mises”.
Chama
atenção, também, o oportunismo do Movimento Brasil Livre (MBL), que,
evidentemente, inspirou-se no nome do Movimento Passe Livre (MPL),
que teve grande importância no desencadeamento das manifestações de junho de
2013, em defesa da melhoria e da gratuidade do transporte público, ou seja, uma
pauta de esquerda, totalmente contrária à do MBL, que é privatista e defensora
do Estado mínimo. Se os integrantes do MBL atuassem como Estudantes Pela
Liberdade, a filiação com o Students For Liberty ficaria explícita. Daí, a
criação do Movimento Brasil Livre em novembro de 2014, logo depois da reeleição
da presidente Dilma.
No
site da Atlas Network, há um texto sobre Kim Kataguiri e o Movimento
Brasil Livre, publicado no dia 01 de abril de 2015, ou seja, um ano antes da
votação pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente
Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, ocorrida em 17 de abril de 2016. O
artigo tem o seguinte título: “Students For Liberty jogam um importante papel
no Movimento Brasil Livre”. Assim o texto apresenta Kataguiri:
À
frente do movimento [MBL] está Kim Kataguiri, uma estrela libertária emergente
que trabalha com os Estudantes Pela Liberdade (Students For Liberty), partner
da Atlas Network. […] Muitos membros do Movimento Brasil Livre passaram pelo
principal programa de treinamento da Atlas Network, a Atlas Leadership Academy,
e agora estão aplicando o que aprenderam no local onde vivem e trabalham. “A
Atlas Leadership Academy oferece diversos treinamentos com foco no
desenvolvimento de missões, saber como alcançar seu público e a importância de
alcançar impacto”, afirma Cindy Cerquitella, diretora da Atlas Leadership
Academy. “Foi emocionante trabalhar com defensores da liberdade no Brasil e em
90 países do mundo, e ainda mais emocionante foi vê-los colocar essas lições em
prática”.
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