segunda-feira, 4 de setembro de 2017

O poder da atlas network: conexões ultraliberais nas américas


Por Kátia Gerab Baggio
Capitalistas financiam uma rede de think tanks ultraliberais pelas Américas, cujos frutos são organizações como ILISP e MBL. O que pretendem com isso?

Introdução: sobre a Atlas Network e o ultraliberalismo

Inicialmente, esclareço que meu interesse nas vinculações da Atlas Network com organizações latino-americanas — e, em particular, brasileiras — deve-se, evidentemente, à conjuntura política brasileira dos últimos anos.

Meu objetivo é apresentar as conexões entre o avanço de uma direita ultraliberal — no Brasil e em outros países latino-americanos — e o think tank norte-americano Atlas Network, que tem parcerias com várias organizações ultraliberais em todo o mundo.

Explicito, a princípio, que fiz a opção pela expressão ultraliberal, em lugar de neoliberal, por considerá-la mais precisa. O termo neoliberal já foi utilizado, inclusive, para denominar as ideias e políticas econômicas de matriz keynesiana do período entreguerras, vinculadas à implementação de modelos de Estado de bem-estar social ou de economia social de mercado, ainda que, posteriormente, essa concepção tenha caído em desuso. A partir dos anos 1980, o termo neoliberal passou a ser utilizado, como se sabe, em sentido praticamente inverso, ou seja, para denominar as propostas econômico-sociais de Estado mínimo, defesa do livre mercado e da desregulamentação em um período de rápida e intensa globalização. Considero o termo ultraliberal, como já afirmei, mais preciso, pois sintetiza as propostas de um liberalismo acentuado, na era da globalização financeira.

A Atlas Network — think tank legalmente denominado Atlas Economic Research Foundation, sediado em Washington, D.C. — atua, desde 1981, na defesa e propagação de concepções da direita ultraliberal, com organizações parceiras em todos os continentes. Em 2013, o nome da organização foi alterado para Atlas Network, ainda que o nome legal tenha permanecido o mesmo: Atlas Economic Research Foundation. Seu principal idealizador — e fundador — foi Antony Fisher(1915-1988), um empresário britânico defensor das concepções do economista austríaco Friedrich Hayek — assim como, posteriormente, do norte americano Milton Friedman —, que se mudou, na década de 1970, para os Estados Unidos, depois de um período de dois anos no Canadá, em que foi diretor do Fraser Institute, outro think tank ultraliberal. Em 1955, Fisher havia fundado, em Londres, o Institute of Economic Affairs (IEA). É conhecido o fato de que, desde o início dos anos 1960, Margaret Thatcher (Partido Conservador), que viria a ser a primeira-ministra britânica entre 1979 e 1990 — período em que houve um progressivo desmonte do Estado de bem-estar na Grã-Bretanha —, frequentava reuniões no IEA.

Vale lembrar que, no mesmo ano da fundação da Atlas Network, 1981, teve início, nos Estados Unidos, o governo de Ronald Reagan (Partido Republicano), caracterizado pela defesa do livre mercado, desregulamentação da economia, cortes de impostos e redução do orçamento de programas sociais. Em síntese, um programa de enxugamento do Estado, com exceção do orçamento militar, que cresceu significativamente na década de 1980. O governo Reagan (1981-1989), afinado com as concepções ultraliberais, contribuiu significativamente para o fortalecimento da direita norte-americana, não só por sua política econômica, que ficou conhecida como Reaganomics, como pela retomada da corrida armamentista e do discurso anticomunista. Para quem não se lembra, Reagan chamou a ex-União Soviética de “o império do mal”.

Acerca do financiamento da Atlas Network, segundo consta no site, a organização não recebe recursos governamentais, apenas privados: de corporações, fundações ou doações individuais. É registrada como uma organização sem fins lucrativos. Portanto, todas as doações feitas nos Estados Unidos são dedutíveis de impostos. Entre os patrocinadores da Atlas Network, estão os irmãos Koch, bilionários norte-americanos cujas empresas atuam, entre outros setores, com petróleo e gás.

A Atlas Network possui, de acordo com informações contidas em sua página na internet, 465 partners em 95 países. A maior parte dessas organizações está sediada nos Estados Unidos, 168. Em segundo lugar, estão a Europa e a Ásia Central, com 134. E, a seguir, com 79, situam-se a América Latina e o Caribe.

Há organizações com sedes em cidades do México, países centro-americanos e caribenhos como Bahamas, CostaRica, El Salvador,  Guatemala,  Honduras, Jamaica, Panamá e República Dominicana —, além de todos os países da América do Sul continental, com as seguintes exceções: Guiana, Guiana Francesa e Suriname.

Entre os países latino-americanos, aqueles com o maior número de organizações são a Argentina, com doze; Brasil, onze; e Chile, com dez. Em seguida, aparecem na lista o Peru, com oito; Costa Rica e México, cinco em cada um; Bolívia, Uruguai e Venezuela, com quatro em cada país. A Guatemala aparece na lista com três. Equador, El Salvador e República Dominicana, com duas cada um; além das Bahamas, Colômbia, Honduras, Jamaica, Panamá e Paraguai, com uma organização cada. Além das organizações nacionais, aparece como partner da Atlas Network uma organização supranacional, Estudiantes por la Libertad (EsLibertad), que é o ramal latino-americano da estadunidense Students For Liberty (SFL). Com sede em Washington, capital dos Estados Unidos, o SFL realizou seu primeiro congresso em 2008, na Columbia University, em Nova York, e se identifica como “a maior organização estudantil libertária do mundo”. Há, no Brasil, uma organização específica, Estudantes Pela Liberdade, com sede em Belo Horizonte.

Vale registrar que as duas organizações parceiras da Atlas Network sediadas em Porto Rico — com nomes em espanhol: Centro para Renovación Económica, Crecimiento y Excelencia e Fundación Libertad — estão listadas entre as instituições dos Estados Unidos.

Todos os anos, a Atlas Network promove a realização do evento Liberty Forum and Freedom Dinner, que assim é apresentado no site:

A Atlas Network fortalece o movimento mundial pela liberdade, identificando, treinando e apoiando indivíduos com potencial para fundar e desenvolver organizações independentes eficazes que promovam nossa visão em todos os países. […] O Liberty Forum reúne anualmente os campeões da liberdade em uma rede para a troca de ideias e o compartilhamento de estratégias. O jantar de gala [Freedom Dinner] serve como um grand finale apropriado para o evento, celebrando os heróis do movimento pela liberdade e os princípios que os amigos da Atlas Network estão divulgando por todo o mundo.

Sobre os apoios da Atlas Network às organizações parceiras, afirma-se que:

Com recursos modestos disponíveis para subvenções [grants], só podemos financiar uma fração das propostas que recebemos. […] Os subsídios patrocinados pela Atlas Network podem apoiar projetos específicos ou oferecer suporte operacional a organizações parceiras. Este suporte é normalmente concedido em quantidades modestas de 5.000 a 10.000 dólares, e apenas em raras ocasiões irá exceder a 20.000 dólares.

Como poderá ser constatado adiante, no caso brasileiro, as doações, nos anos de 2015 e 2016, excederam em muito os 20.000 dólares.

Nas organizações parceiras da Atlas Network, os “princípios”, “valores” ou “missão” incluem, praticamente sem variações, a defesa da livre iniciativa, do livre mercado, do empreendedorismo, da responsabilidade individual, da propriedade privada, das liberdades individuais, da meritocracia e da limitação de ação dos governos. Algumas dessas organizações visam à capacitação de indivíduos para serem multiplicadores dos seus princípios e, em alguns casos, a formação de lideranças empresariais. Nem sempre perspectivas ultraliberais são explicitadas, ainda que com muita frequência, na maioria das organizações.

Nos sites dessas organizações são citados, frequentemente, os dois maiores expoentes da chamada “Escola Austríaca de Economia”, Ludwig von Mises (1881- 1973) — principalmente seu livro Ação humana: um tratado sobre economia, de 1940 (edição em inglês de 1949) — e Friedrich Hayek (1899-1992), cuja obra mais citada é O caminho da servidão, de 1944. Muito citados também são Ayn Rand e Murray N. Rothbard. Nascida na Rússia czarista em 1905, a romancista e filosofa Ayn Rand é autora, entre outras obras, do romance filosófico Atlas Shrugged, de 1957, publicado no Brasil com o título A revolta de Atlas, em que a autora faz uma defesa enfática do individualismo e da livre concorrência, e um rechaço veemente do modelo de Estado de bem-estar social.

Murray N. Rothbard, por sua vez, ficou conhecido, a partir da década de 1940, por sua defesa do que veio a ser conhecido como “anarcocapitalismo”, isto é, um sistema econômico em que todos os serviços, produtos e espaços seriam privados — tanto por iniciativa individual quanto coletiva — e disputados na livre concorrência, inclusive a segurança pública, a defesa e a justiça. Os defensores dessas ideias individualistas de negação do Estado se autointitulam “libertários anarcocapitalistas”, representantes da “nova direita libertária” e do “libertarianismo”. Rothbard é autor, entre outras obras, de For a New Liberty: The Libertarian Manifesto, cuja primeira edição é de 1973. Obviamente, o sentido da palavra “libertário” não se vincula ao que lhe foi dado, historicamente, pelos movimentos anarquistas, vinculados à luta dos trabalhadores por direitos e melhores condições de vida, mas ao sentido que lhe dá os movimentos ultraliberais, a partir das concepções econômicas da “Escola Austríaca” e da “Escola Econômica de Chicago”, cujo expoente maior é Milton Friedman, ou dos “anarcocapitalistas”.

No site da Atlas Network, há a seguinte explicação sobre a coincidência de nomes entre a organização e o conhecido livro de Ayn Rand, Atlas Shrugged:

O nome não foi derivado do livro. Na verdade, a palavra “Atlas” em nosso nome tem relação com a natureza global do nosso trabalho. E, embora compartilhemos muitos dos valores de livre mercado encontrados no Atlas Shrugged e mantidos pela Atlas Society e Ayn Rand Institute, somos organizações separadas.

Considero, entretanto, ser indiscutível que a popularidade do livro de Ayn Rand e os valores compartilhados fazem com que essa associação seja praticamente inevitável.

O presidente da Atlas Network, desde 1991, é Alejandro Antonio Chafuen, argentino radicado nos Estados Unidos. Conhecido como Alex Chafuen, é, também, fundador e presidente do Conselho do Hispanic American Center For Economic Research (HACER), fundação criada em 1996, com sede em Washington, D.C., que se dedica a promover as ideias ultraliberais na América Hispânica e entre hispano-americanos que vivem nos Estados Unidos.

Chafuen ingressou na Atlas Network em 1985 e trabalhou junto com o fundador, Antony Fisher. Segundo uma consistente matéria da jornalista Marina Amaral, publicada na agência Pública, em 23 de junho de 2015, Chafuen seria ligado à Opus Dei, além de simpatizante do Tea Party, tendência ultraliberal-conservadora dentro do Partido Republicano — ultraliberal na economia e conservadora no que se refere a questões sociais, religiosas e de costumes. Como já mencionado, Chafuen é argentino. Em Buenos Aires, uma das organizações parceiras da Atlas norte-americana é a Fundación Atlas para una Sociedad Libre, fundada em 1998 e também conhecida como Atlas 1853, em referência ao ano de aprovação da Constituição liberal argentina. Em seu site, afirma-se que Atlas 1853 retoma o legado de Juan Bautista Alberdi como inspirador da Constituição de 1853, que permitiu que — em pouco mais de meio século —  o deserto que era a Argentina naquele momento se transformasse no 10º. país com a maior renda per capita do planeta.

Os ultraliberais argentinos de finais do século XX e inícios do XXI retomam, à sua maneira, Alberdi e Sarmiento, em uma releitura do pensamento liberal argentino do século XIX.

As organizações parceiras da Atlas Network no Brasil

No Brasil, as onze organizações que aparecem no site da Atlas Network como parceiras, são as seguintes: três no Rio de Janeiro: Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (CIEEP), Instituto Liberal (IL) e Instituto Millenium (Imil); três em São Paulo: Instituto de Formação de Líderes – São Paulo (IFL-SP), Instituto Liberal de São Paulo (ILISP) e Instituto Ludwig von Mises Brasil (Mises Brasil); duas em Belo Horizonte: Estudantes Pela Liberdade (EPL) e Instituto de Formação de Líderes (IFL); duas em Porto Alegre: Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e Instituto Liberdade (IL-RS); e uma em Vitória (ES): Instituto Líderes do Amanhã.

Chama atenção a presença das mesmas pessoas em várias dessas organizações, incluindo empresários — que, com frequência, são patrocinadores desses institutos, ou seja, doadores de recursos, como pessoas físicas ou jurídicas — e os chamados “especialistas”: economistas, jornalistas, cientistas políticos, juristas, “consultores” etc. São pessoas que atuam, ao mesmo tempo, em órgãos de imprensa da mídia corporativa, em geral como colunistas, e nas organizações liberais ou ultraliberais, além de participarem ativamente dos eventos dessas organizações, ministrando palestras, cursos etc. Basta dar uma olhada nas páginas na internet de várias dessas organizações, incluindo o Instituto Millenium — o think tank mais diretamente vinculado às empresas brasileiras de mídia —, para constatar essa recorrência de nomes.

Grande parte dessas organizações ultraliberais latino-americanas são filiadas à Red Liberal de América Latina – RELIAL. A RELIAL foi criada em 2004 e reúne não só think tanks como partidos políticos liberais da América Latina. No caso do Brasil, as organizações filiadas à RELIAL são o Instituto Liberal (IL), criado no Rio de Janeiro em 1983, o Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e o Instituto Liberdade (IL-RS). 

O vice-presidente da RELIAL é, segundo consta no site da organização, Ricardo Gomes, que também é membro do Conselho Deliberativo do IEE. No Brasil, também há uma organização que reúne think tanks e demais organizações ultraliberais que atuam no país. É a Rede Liberdade, que assim se apresenta:

Somos a rede nacional de organizações liberais e libertárias, que influencia políticas públicas, por meio de projetos próprios ou de seus membros. A Rede Liberdade coordena os membros, de forma descentralizada, e tem por objetivo potencializar a divulgação e o impacto efetivo, entre os formadores de opinião, de ideias e iniciativas que visem uma menor intervenção estatal na economia e na sociedade.

A Rede Liberdade reúne 28 institutos, além de 20 grupos de estudos ou núcleos, situados em estados de todas as regiões do Brasil. Alguns desses institutos são bastante conhecidos e com atuação em suas cidades há vários anos, como os já citados Instituto de Estudos Empresariais, Instituto Liberal, Instituto Millenium e Estudantes Pela Liberdade. A Rede Liberdade, além das organizações mais estabelecidas e conhecidas, agrega organizações como o Movimento Endireita Brasil (MEB – São Paulo), que participou ativamente, nas redes e nas ruas, da mobilização a favor do impeachment de Dilma Rousseff. A maioria dessas organizações surgiu nos últimos cinco ou dez anos, ainda que algumas delas (IEE ou IL, por exemplo) tenham sido criadas na década de 1980. Ou seja, nos anos dos governos Lula e Dilma houve uma proliferação, no Brasil, de organizações defensoras do Estado mínimo ou do enxugamento do Estado, com maior ou menor estrutura de atuação.

Vale registrar que, em visita ao site da Atlas Network em maio de 2016, verifiquei que havia 76 organizações parceiras na América Latina e Caribe, exatamente uma a mais do que as que constavam no site no dia da minha apresentação no XII Encontro Internacional da ANPHLAC, ocorrida dois meses depois, em 28 de julho. Entre as 76, estava o Movimento Brasil Livre (MBL), que, em julho, não aparecia mais na lista de parceiras. Nada, obviamente, é por acaso. Houve, provavelmente, uma deliberada decisão por ocultar o MBL da lista de partners no período de votação do impeachment da presidente Dilma no Senado.

Existem ligações estreitas, comprovadas, entre brasileiros ultraliberais que lideraram a mobilização pró-impeachment de Dilma — jovens e não tão jovens — com a Atlas Network e outras organizações norte-americanas.

O MBL — que, como se sabe, teve destacada atuação na organização dos atos a favor do impeachment de Dilma — tem origem no Students For Liberty (SFL), fundado em 2008 na Columbia University, que tem como “missão” “empoderar jovens estudantes liberais” ou líderes estudantis “libertários”, e, no ramal do SFL no Brasil, a organização Estudantes Pela Liberdade (EPL), com sede em Belo Horizonte. Em novembro de 2015, foi realizado o Primeiro Congresso Nacional do MBL, ocasião em que foram aprovadas propostas nas áreas da educação, saúde, sustentabilidade, reforma política, economia, Justiça, transporte e urbanismo. Sem espaço para detalhar as propostas, ressalto apenas uma delas: “Fim da função social da propriedade. A propriedade privada não pode ser relativizada.”

O Students For Liberty tem vínculos estreitos com a Atlas Network, que promove programas de treinamento, cursos e apoio financeiro para formar jovens lideranças do “movimento pela liberdade” em todos os continentes.

Farei, a partir dessa parte do texto, algumas breves considerações sobre algumas dessas organizações parceiras da Atlas Network no Brasil.

O Instituto de Estudos Empresariais, sediado em Porto Alegre, foi fundado em 1984 e realiza, anualmente, o Fórum da Liberdade, desde 1988. Entre os patrocinadores, estão o Grupo Gerdau, que também patrocina o Instituto Millenium, o grupo de mídia RBS etc. E há uma parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em cujo Centro de Eventos é realizado o Fórum da Liberdade. Na 29a edição do Fórum, ocorrida em abril de 2016 no Centro de Eventos PUCRS (CEPUC), o tema escolhido foi “Quem move o mundo?”, inspirado no romance A revolta de Atlas, de Ayn Rand. Um dos principais nomes do evento foi Yaron Brook, presidente do The Ayn Rand Institute (ARI), sediado em Irvine, na Califórnia.

A parceria do Instituto Millenium com a Atlas Network revela os vínculos do think tank norte-americano com a mídia corporativa brasileira. Entre os patrocinadores do Instituto Millenium (Imil), estão os grupos Abril e RBS (filiado à Rede Globo em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul). O Grupo Estado, que publica o jornal O Estado de S. Paulo, aparecia entre os “mantenedores e parceiros” do Imil até 2016.

E, entre os integrantes da “Câmara de Mantenedores”, estão João Roberto Marinho(Grupo Globo) e Nelson Sirotsky (Grupo RBS); empresários do setor financeiro — como Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de 1999 a 2002, no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso — além de outros empresários de diferentes setores da economia.

Segundo informa o site do Imil, o instituto foi fundado em 2005, com o nome inicial de Instituto da Realidade Nacional, pela economista Patrícia Carlos de Andrade, e oficializado em 2006, durante o Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, organizado pelo IEE.

No site do Imil, foi divulgada a realização da 29a edição do Fórum da Liberdade. Na ocasião, o Instituto Millenium informou que, além de ter apoiado a realização do evento, “organizou a edição em português do livro A revolta de Atlas, lançado em 2010 pela editora Arqueiro.” Entre os “especialistas” do Instituto Millenium, além de economistas, cientistas políticos e intelectuais reconhecidos no meio acadêmico, há jornalistas e colunistas que defenderam abertamente o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Um deles é Leandro Narloch, que foi colunista da revista Veja (Grupo Abril) de dezembro de 2014 a novembro de 2016, coincidindo com o período da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff (sua coluna era intitulada “Caçador de Mitos”) e, desde dezembro de 2016, assina uma coluna na Folha de S. Paulo. Também aparece na lista de “especialistas”, o veterano jornalista José Nêumanne Pinto, colunista de O Estado de S. Paulo (OESP) e, assim como o jornal para o qual trabalha — o que ficou claramente evidenciado pelos editoriais —, foi favorável ao impeachment de Dilma. No dia 10 de março de 2016, foi publicado no site do Imil um artigo de Nêumanne Pinto publicado em OESP no dia anterior — apenas quatro dias antes das grandes manifestações de domingo, 13 de março, a favor do impeachment —, intitulado “O governo contra a lei”, de oposição duríssima à presidente. A certa altura do artigo, Nêumanne faz uma menção elogiosa ao “acordo internacional que incorporou o Brasil ao Primeiro Mundo no combate à corrupção”.

Alguns nomes que apareciam como “especialistas” do Imil em 2016, não aparecem mais na lista em fevereiro de 2017. Entre esses, estão os nomes de Carlos Alberto Sardenberg, Demétrio Magnoli, Denis Rosenfield e Marco Antonio Villa, todos com amplo espaço na mídia. Outros nomes, como Arnaldo Jabor e Reinaldo Azevedo, colaboraram com o Instituto, com artigos e/ou participação em eventos. Pode-se supor que o Imil tenha preferido, para tentar manter sua imagem de uma organização técnica e apartidária, excluir da lista alguns nomes que ficaram muito marcados pela defesa do impeachment de Dilma. Entretanto, permaneceram na lista de “especialistas” nomes como o do economista Rodrigo Constantino e o de Hélio Beltrão, fundador-presidente do Mises Brasil. Enfim, são muitos os colaboradores do Instituto Millenium que tiveram participação ativa no processo de desestabilização do governo de Dilma: economistas liberais com colunas em jornais, empresários favoráveis ao impeachment, jornalistas com espaço na mídia corporativa etc.

No site da Atlas Network, foi publicado um artigo de Rodrigo Constantino, no dia 24 de março de 2016, intitulado: “A corrupção governamental no Brasil apresenta ambos, riscos e oportunidades”. O texto é ilustrado com uma foto da massa vestida de verde e amarelo que participou, em 13 de março, da manifestação a favor do impeachment de Dilma em Brasília. Constantino é apresentado como “presidente do Instituto Liberal e membro-fundador do Instituto Millenium, ambos parceiros da Atlas Network no Brasil”.

Além de contar com o patrocínio de empresas, o Instituto Millenium recebeu, em 2009, a certificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), outorgada pelo Ministério da Justiça, o que permite ao Imil receber doações dedutíveis do Imposto de Renda de pessoas jurídicas de até 2%.

É desnecessário expor aqui o papel absolutamente central das grandes empresas de mídia brasileiras na desestabilização do governo de Dilma Rousseff, a partir de junho de 2013 e, particularmente, durante a campanha pelo impeachment da presidente, a partir do início de seu segundo mandato, em 2015.

Vale registrar que, em 2013, integrantes dessas organizações ultraliberais iniciaram sua participação nas manifestações de rua, como demonstra a matéria, já citada, de Marina Amaral. A jornalista entrevistou membros do Movimento Brasil Livre e Vem Pra Rua, que confirmaram o início da participação nos atos de rua em junho de 2013, mas que o problema, naquela ocasião, era a diversidade de pautas. Os entrevistados afirmaram que, somente a partir de março de 2015, puderam colocar suas pautas ultraliberais nas ruas, por exemplo, em cartazes em que se podia ler “Menos Marx, Mais Mises”.

Chama atenção, também, o oportunismo do Movimento Brasil Livre (MBL), que, evidentemente, inspirou-se no nome do Movimento Passe Livre (MPL), que teve grande importância no desencadeamento das manifestações de junho de 2013, em defesa da melhoria e da gratuidade do transporte público, ou seja, uma pauta de esquerda, totalmente contrária à do MBL, que é privatista e defensora do Estado mínimo. Se os integrantes do MBL atuassem como Estudantes Pela Liberdade, a filiação com o Students For Liberty ficaria explícita. Daí, a criação do Movimento Brasil Livre em novembro de 2014, logo depois da reeleição da presidente Dilma.

No site da Atlas Network, há um texto sobre Kim Kataguiri e o Movimento Brasil Livre, publicado no dia 01 de abril de 2015, ou seja, um ano antes da votação pela admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, ocorrida em 17 de abril de 2016. O artigo tem o seguinte título: “Students For Liberty jogam um importante papel no Movimento Brasil Livre”. Assim o texto apresenta Kataguiri:

À frente do movimento [MBL] está Kim Kataguiri, uma estrela libertária emergente que trabalha com os Estudantes Pela Liberdade (Students For Liberty), partner da Atlas Network. […] Muitos membros do Movimento Brasil Livre passaram pelo principal programa de treinamento da Atlas Network, a Atlas Leadership Academy, e agora estão aplicando o que aprenderam no local onde vivem e trabalham. “A Atlas Leadership Academy oferece diversos treinamentos com foco no desenvolvimento de missões, saber como alcançar seu público e a importância de alcançar impacto”, afirma Cindy Cerquitella, diretora da Atlas Leadership Academy. “Foi emocionante trabalhar com defensores da liberdade no Brasil e em 90 países do mundo, e ainda mais emocionante foi vê-los colocar essas lições em prática”.

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