Por
Bárbara Mariotto Bordin* no site oficial da DAHW Brasil
A
hanseníase era estigmatizada como doença hereditária, antes do advento da
microbiologia enquanto ciência, devido à alta freqüência observada de doentes
em uma mesma família. Somente no século XVII a doença foi tida como enfermidade
infecciosa, quando Armauer Hansen identificou um bacilo como causador da
doença, a bactéria Mycobacterium leprae. Os estudos científicos passaram então
a se concentrar no agente patogênico e suas características, tais como sua
virulência (capacidade que a bactéria tem de causar a doença), resposta imune
(mecanismos de defesa do hospedeiro) e resposta ao medicamento (1).
Entretanto, observações clínicas levantaram intrigantes questionamentos. Primeiro: porque ter o contato com o bacilo não é o bastante para o desenvolvimento da doença? Segundo: porque a hanseníase ocorre com maior freqüência em determinadas populações? Terceiro: porque se manifesta de uma forma em alguns indivíduos e de forma diferente em outros?
A resposta a esses levantamentos está no resultado do balanço entre resposta imune deflagrada pelo hospedeiro e a capacidade de escape pelo M. leprae através de mecanismos de evasão desta resposta imunológica. A resposta do sistema imunológico pode ser inata ou adaptativa. A resposta inata se dá no primeiro momento de interação do bacilo com o hospedeiro e possui requisitos que podem ser suficientes para reconhecer e restringir a infecção, sendo importante no estágio inicial onde se define o estabelecimento ou não da doença. A resposta adaptativa dará direcionamento do curso da infecção bem como das diversas formas clínicas da hanseníase (2). Em suma, será o perfil imunológico do indivíduo que ditará a resposta à presença do bacilo no organismo, determinando a susceptibilidade a doença ou a resistência a ela.
Na
resposta imune inata competente, células de defesa (células dendríticas) são
ativadas durante o primeiro contato com bacilo, passando a ser eficientes em
fagocitar, processar e apresentar o antígeno a outras células de defesa
(linfócitos T e B) distantes do sítio da infecção. Os macrófagos também são
células fagocíticas que participam da interação inicial com o patógeno, e
possuem uma ação diretamente efetora na restrição do crescimento e proliferação
do bacilo. Após ser reconhecido pelo macrófago, o patógeno será fagocitado e em
seguida serão ativadas vias que tentarão impedir o sucesso da infecção (2).
Entretanto, essas vias fagocíticas são moduladas por citocinas (moléculas
envolvidas com emissão de sinais) em vias divergentes, e o desequilíbrio entre
essas vias pode favorecer a suscetibilidade ou a resistência ao M. leprae (3).
Na
resposta imune adaptativa sugere-se que os pacientes do pólo tuberculóide
tenham um padrão de resposta imune protetora mediada pelas células T
parcialmente eficientes, com produção de citocinas que contribuem na maturação
e ativação dos macrófagos, levando ao controle da multiplicação dos bacilos e a
sua posterior eliminação. Já os pacientes do pólo lepromatoso (ou virchowiano),
parecem possuir um perfil de citocinas que induz a redução da resposta
inflamatória, com inibição macrofágica e perfil característico da resposta
humoral, padrões imunológicos que, somados a outros fatores, seriam insuficientes
para conter o M. leprae (2).
O
fato é: são os genes que vão ditar o perfil imunológico do indivíduo,
consequentemente a influência genética do hospedeiro frente ao M. leprae é
determinante no desfecho doença. Estudos envolvendo genes candidatos têm dado
grande contribuição ao conhecimento da genética na doença. Muitos desses
estudos exibem resultados animadores, demonstrando a relevância de
regiões/genes que podem estar associados a susceptibilidade ou proteção a
doença ou suas formas clínicas. Têm sido avaliados principalmente genes de
citocinas e de outras moléculas com papel relevante na resposta imunológica,
estando localizados na região do complexo antígeno leucocitário humano – HLA (do inglês Human Leukocyte Antigens) ou não (2).
Cada
indivíduo tem seu próprio genoma, caso contrário todos seriam clones genéticos
e isso acarretaria consequências surpreendentes. Nessa hipótese, qualquer
indivíduo poderia doar órgãos ou sangue para qualquer indivíduo, já que seriam
todos clones, o que é uma inverdade. E ainda nessa hipótese todos responderiam
igualmente a cada doença, o que não ocorre. Pelo fato de cada um ter seu
próprio perfil genético, não são todos que desenvolverão hanseníase. Muitos
entram em contato com o bacilo e o destroem; já outros não tem a eficiência
imunológica necessária e desenvolvem a doença.
Existe
portanto um vasto arsenal genético a ser pesquisado e ainda muitos
questionamentos a serem elucidados. Tais como: quais são os genes ligados à
susceptibilidade a hanseníase? Quais são os genes relacionados à proteção a
hanseníase? Como lidar com os indivíduos portadores dos genes relacionados à
doença? Seria possível descobrir a doença antes do aparecimento dos primeiros
sinais clínicos, para possível prevenção?
*Msc. Bárbara Mariotto
Bordin – Biomédica responsável pela baciloscopia do laboratório do
Centro de Referência em Diagnostico e Terapêutica (SMS do município de Goiânia)
Mestre em genética, professora efetiva na PUC-GO
Referencias bibliográficas:
1- Prevedello
FC, Mira MT. Hanseníase: uma doença genética? An Bras Dermatol. 2007;
82(5):451-9.
2 – Marques CS, Moraes MO. Estudo de Associação entre o Gene VDR e a Hanseníase. 2010; dissertação de mestrado, FIOCRUZ-RJ.
3 – Montoya D, Cruz D, Teles RM, et al. Divergence of macrophage phagocytic and antimicrobial programs in leprosy. Cell Host Microbe. 2009;6:343–53.
2 – Marques CS, Moraes MO. Estudo de Associação entre o Gene VDR e a Hanseníase. 2010; dissertação de mestrado, FIOCRUZ-RJ.
3 – Montoya D, Cruz D, Teles RM, et al. Divergence of macrophage phagocytic and antimicrobial programs in leprosy. Cell Host Microbe. 2009;6:343–53.
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