Por Dag Vulpi
Contei na crônica anterior a minha saga de ter disputado o ultimo duelo com D’Jango (confira aqui), e nela recordei-me de como era farta a quantidade de personagens atípicos e instigantes naquele recém-criado bairro da cidade de Vila Velha nos idos dos anos 70. Prosseguindo na tentativa de “desenterrar” alguns daqueles personagens, hoje recupero mais um, e a bola da vez é a nada social Maria Taruira.
Contei na crônica anterior a minha saga de ter disputado o ultimo duelo com D’Jango (confira aqui), e nela recordei-me de como era farta a quantidade de personagens atípicos e instigantes naquele recém-criado bairro da cidade de Vila Velha nos idos dos anos 70. Prosseguindo na tentativa de “desenterrar” alguns daqueles personagens, hoje recupero mais um, e a bola da vez é a nada social Maria Taruira.
Taruira era
uma senhora esquisitona e solitária, morava sozinha num pequeno barraco
escondido no meio do matagal do morro do bairro Soteco. Magra ao extremo,
sempre descabelada e suja, vestia-se e alimentava-se com o pouco que vez ou
outra era deixado à sua porta por alguma alma que se sensibilizava com a
situação da infeliz. Não era grata, longe disso, gratidão era uma das muitas palavras
que não faziam parte do seu restrito e particular dicionário. As senhoras que levavam
roupas e alimentos precisavam ser discretas, deixar as sacolas nas imediações
do barraco e não ficar muito tempo por ali, pois corriam o risco de receber como
paga uma lata de urina bem no meio da fuça. Isso mesmo, a infeliz guardava seus
excrementos dentro duma lata, e aquela era sua arma de defesa, mesmo quando
defender-se não se fazia necessário.
Antissocial
além do extremo ela detestava quando alguém se aproximava do seu bangalô, o
desavisado que passasse ali por perto era de imediato rechaçado, primeiro ela
sambava o conteúdo da bendita lata, e logo na sequencia o infeliz ouviria um
grande e seleto repertório de palavrões, e todo azar de praguices, seu
improviso para descompor seu semelhante era certeiro sem igual. Não foram raras
às vezes em que senhoras preocupadas com a tal, retornaram chorosas pelo
destrato que receberam da desinfeliz.
Deixa estar
que parte da rabugice da infeliz era injustificada, já outra nem tanto, pois
ela sofria com a molecada das redondezas, a maioria dos meninos tinha pavor da
velhota, porém quando reunidos era ela que cortava um dobrado com a molecada.
Ainda
recordo-me dos preparativos que fazíamos na tarde em que antecedia o dia que
tirávamos para azucrina-la. Cada um deveria levar o estilingue e um embornal
cheio de pelotas que recolhíamos próximos aos trilhos da estrada férrea de São
Torquato, onde passavam os vagões com minério vindos de MG com destino ao porto
de tubarão para a recentemente inaugurada Vale do Rio Doce, o Terminal de
Tubarão iniciou suas operações em 1962 pela então Companhia Vale do Rio Doce,
através de um projeto pioneiro idealizado por Eliezer Batista.
Normalmente aos
sábados, e o local da reunião era na minha casa que ficava estrategicamente no
pé do morro que seria o alvo de nosso ataque, havia dias que somávamos mais de
quinze moleques, e dali subíamos com a desculpa de que iríamos caçar
passarinho. Naquela época ainda não tínhamos consciência do politicamente
correto, e matar rolinha com estilingue era um comportamento normal da
gurizada. Pois bem, subíamos o morro e ficávamos escondidos nas moitas, de
forma a ter um bom ângulo para o ataque, não tínhamos como alvo a pobre da
Taroira, mas sim seu barraco, que era de madeira, porém tinha o teto e uma das
laterais revestida por zinco, e este detalhe transformava o barulho de uma
simples bolinha de minério num barulho ensurdecedor, imaginemos então dezenas
dessas pelotas chocando-se contra o zinco ao mesmo tempo. E era tudo muito bem planejado,
disparávamos uma saraivada de pelotas direto no telhado e na lateral de zinco e
nos escondíamos todos ao mesmo tempo, recarregávamos nossos estilingues e sapecávamos
outra rajada de pelotas. A esta altura a pobre infeliz já estava quase louca,
saia de dentro do barraco com os olhos esbugalhados e com sua costumeira cabeleira
desarrumada, xingando a tudo e a todos, e nós saíamos em disparada morro
abaixo, felizes da vida e com um gostoso sentimento de realização pessoal e
coletiva, afinal era naquele momento que tínhamos a impressão de estar
devolvendo com juros todo o pânico que ela nos causava quando nos surpreendia
solitários nas ruas do bairro. E a carreira morro abaixo só teria fim quando
cada um de nós estivesse na segurança de nossas casas.
Hoje essas
recordações chegam acompanhadas de certo arrependimento, mas na época era muito
prazeroso. Lembro que mais tarde nos reuníamos para comentar quão gratificante
havia sido aquela aventura, e de como cada um de nós havia sido corajoso por ter
enfrentado a terrível Taruira.
Anos mais
tarde a infeliz foi hospitalizada, fora acometida por uma grave tuberculose e
nunca mais se ouviu noticias da infeliz.
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Abração
Dag Vulpi