sábado, 22 de abril de 2017

Vossa Excelência Sergio Mauro e a partilha litigiosa de bens


Por Dag Vulpi 22/04/2017

Dias desses um velho conhecido, que eu omitirei o nome por razões que se provarão necessárias ao final deste texto, me ligou se dizendo um pouco mais animado, pois enfim seu advogado informou-lhe que havia sido marcada a audiência que tratará da divisão letigiosa dos bens que ele e sua ex-esposa haviam acumulado durante mais de 25 anos de matrimônio.

Eles já estavam separados há quase um ano, porém, o fato de seu ex-sogro ser juiz, sua ex-sogra ser uma bem sucedida advogada e um dos ex-cunhados ser deputado, acabou por fazer com que o meu velho conhecido saísse de casa com uma mão na frente e outra atrás, e assim permaneceria, ao menos até que o juiz determinasse como ficaria a partilha dos bens do casal.

Ele conseguiu através de muito trabalho e dedicação acumular um belo patrimônio naqueles 25 anos de casamento. Tinha um belo apartamento de frente para o mar, onde morou por mais de 15 anos com sua ex-esposa, tinha outros dois apartamentos que ele presenteou as filhas quando aquelas se casaram. Tinha um belo sitio na região das montanhas espírito-santense, dois carros importados, um para ele e outra da esposa, uma moto e tinha também uma bela quantia de dinheiro aplicada.

Ele sempre comentava com orgulho das suas conquistas obtidas graças a toda uma vida de dedicação ao trabalho e à família. Certa ocasião ele mencionou que quando mais jovem o único bem que possuía era um Fusquinha 66, Fusca esse que ele ainda guarda como relíquia na garagem da casa da sua mãe e que de vez em quando ele ainda dava umas voltas com a relíquia para matar a saudade. Agora ele está andando com o Fusquinha pra cima e pra baixo, afinal, é o único meio de transporte que lhes restou.

Mas voltando ao que de fato interessa que é a bendita partilha dos bens, ele pediu para que eu ficasse na torcida, pois sabia que não seria fácil conseguir uma partilha justa, afinal, sua ex-esposa estava muitíssimo bem guarnecida, com um juiz, dois advogados, sendo que um deles era sua ex-sogra, não bastando tinha ainda seu ex-cunhado que é deputado, enquanto ele contava apenas com um jovem e inexperiente advogado que conseguira na Defensoria Publica.

Diante desse quadro completamente desfavorável para ele sugeri que nos encontrássemos para conversar sobre o assunto pessoalmente e que talvez eu pudesse ajuda-lo. Marcamos um almoço para tratarmos do assunto. Ele chegou na hora combinada tentando demonstrar tranquilidade, mas percebi que ele estava tenso. Depois de colocar a conversa em dia, finalmente entramos no assunto que era o motivo de estarmos ali.

Depois de analisar os fatos e considerar os trâmites fui ao ponto que ele aguardava ansioso.  Estando ciente dos detalhes jurídicos e do real patrimônio do casal, busquei ser objetivo na formulação de uma proposta que poderia atender as expectativas dele e talvez, também as dela.

Lembrei que enquanto ele adorava o belo sitio do casal, sua ex-esposa simplesmente o detestava e que, em contrapartida, enquanto ele não morria de amores pelo apartamento na praia, ela o adorava. E que esse seria um facilitador, já que os valores dos dois imóveis se equivaliam. Lembrei também que o fato de terem dois carros facilitaria a divisão, e no caso da moto, sugeri que ele deixasse para ela ou para seu neto, e ele ficaria com o Fusca, lembrando-o que pelo fato de o Fusca estar registrado em seu nome, sua ex-esposa também teria direito. No caso do valor aplicado bastaria dividir em duas partes iguais e cada um ficaria com uma.

Ele coçou a cabeça e falou: “sabe que você tem razão, a partilha até que não será tão complicada como eu estava imaginando, mas é muita sacanagem ter que dividir em partes iguais, tudo o que consegui com uma vida de trabalho, eu quase não tenho dormido tanto que penso nisso”. Aí eu voltei argumentar, sempre na tentativa de deixa-lo mais tranquilo, que ele deveria considerar o fato de terem vivido harmoniosamente durante mais de 20 anos e que se não fosse sua ex-esposa ele não teria aquela bela família, suas filhas maravilhosas, que por sua vez já lhes deram duas netas e um neto e que tudo isso deveria ser levado em consideração.

Mais uma vez ele concordou comigo, dizendo que não havia nem pensado nisso, mas que de fato, sem ela não teria uma família, ao menos não aquela. E acabou concordando comigo. Ao final tomamos um café e quando íamos nos despedir ele me fez um pedido: “será que você não poderia me acompanhar até o Fórum no dia da audiência? Você me passa muita tranquilidade, coisa que meu advogado não consegue”. Eu respondi que por mim não havia problema, mas que talvez eu teria que sair antes dele, mas que mais tarde poderíamos conversar sobre o resultado da audiência.

Conforme o combinado no dia e hora marcados lá estava eu. Ele havia chegado mais cedo, foi com seu Velho fusquinha, que segundo ele, daria sorte, o Fusca era uma espécie de talismã pra ele. O jovem advogado chegou exatamente na hora em que eles foram chamados, uma pena, pois eu queria ter conversado com ele pra saber qual seria a sua linha de defesa e se as propostas que eu fiz seriam as melhores ou se ele teria tido alguma ideia melhor para o acordo na divisão dos bens.

Eles entraram na sala, eu encontrei alguns amigos, mas que infelizmente não tivemos tempo para trocar mais que três ou quatro palavras, afinal quem está ali está, ou a trabalho ou em atendimento à justiça. Fiquei mais alguns minutos e me retirei.

Mais tarde liguei pra ele, mas a ligação sempre caia na caixa postal, por certo ele deve estar sem bateria deduzi. Foi quando resolvi ir até a casa da mãe dele, que era onde ele estava morando ha mais de oito meses. Chegando lá fui recebido com um belo sorriso da sua mãe, fazia tempo que não nos víamos, ela sempre gentil me convidou para entrar e me serviu um café. Enquanto esperávamos ansiosos sua chegada. Ficamos recordando de como antes as coisas eram mais difíceis, mas mesmo com todas as dificuldades as pessoas pareciam serem mais felizes. Foi inevitável que o assunto acabasse no final do casamento do seu filho, mas ela entendeu que foi melhor assim, afinal, fazia tempo que seu filho estava infeliz e reclamava com ela dizendo não confiar mais na esposa. Segundo informações não confirmadas, sua ex-esposa estaria tendo um caso com um jovem advogado que não por acaso é apadrinhado por seu ex-sogro.

Passado algum tempo e nada dele chegar resolvi ir embora. Despedi-me e falei para a mãe dele que ligaria mais tarde para saber como tudo transcorreu. Sai, fazia um calor danado, atravessei a rua e fui até um bar na esquina. Pedi um chope e fiquei ali na esperança que ele chegasse e de preferencia com boas noticias. Eu já havia me decidido que se tudo desse certo eu iria passar um final de semana lá no sitio dele, juntos poderíamos nos divertir e tentar fazer com que ele esquecesse de uma vez por todas aquela triste situação da separação.

Tomei o chope e quando ia pedir o segundo me chamou a atenção um carro que passava em frente do bar. Olhei e não acreditei, mas acreditem, era o meu amigo dirigindo meio Fusca, isso mesmo, um Fusca cerrado ao meio foi o que lhes restou. Depois fiquei sabendo dos pormenores do ocorrido na audiência. O coitado do meu velho conhecido acabou ficando praticamente sem nada, o celular que liguei e ele não atendia também ficou para a ex-esposa. O Juiz que julgou o caso, um tal de Sergio Mauro, era amigão do ex-sogro dele, sua ex-esposa além de ter a mãe como advogada, que nunca perdeu uma causa e todos sabem por que, lá pelas tantas recebeu um telefonema durante a audiência pedindo para que passassem o celular para o juiz, era o irmão dela, o deputado. Ligou de Brasília para falar alguma coisa para o Mauro, e para não restar nenhuma dúvida do tamanho da sacanagem, o advogado que estava “defendendo” meu velho conhecido, aquele que foi conseguido na Defensoria Publica, era ninguém menos que o tal advogado apadrinhado do ex-sogro e que vinha saindo com a sua ex-esposa. Tá bom ou você quer mais.

Resumo da ópera: O juiz Mauro determinou que todos os bens ficassem para a ex-esposa, o apartamento de frente para a praia, o sítio nas montanhas espírito-santense, os dois carros importados, quase dois milhões de reais aplicados, o celular que havia sido presente da esposa e para acabar de vez, o juiz percebeu que entre os bens havia um Fusca 66 e para ser justo, como aquele bem foi adquirido  antes de eles se casarem, o juiz determinou que o Fusca fosse dividido em duas partes, cortado ao meio, cerrado em duas bandas como se faz com um pão francês. Pois isso seria o justo afiançou o nobre representante da lei, vossa meritíssima excelência Sergio Mauro. E assim foi feito.

Confira abaixo o vídeo que gravei de dentro do bar quando percebi que era o meu amigo que estava chegando da audiência de separação de bens litigiosa dirigindo agora o seu, meio Fusca 66.

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Dag Vulpi

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