Agência
Brasil
A
equiparação da idade mínima para aposentadoria de homens e mulheres, presente
na proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso pelo
governo, foi debatida hoje (23) na comissão especial da Câmara dos Deputados
que discute o tema. Mulheres de diferentes instituições argumentaram
sobre a necessidade de manter ou mudar a diferença de idade que vigora
atualmente.
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A
proposta de emenda à Constituição (PEC) 287/2016 prevê que tanto homens quanto
mulheres se aposentem quando atingirem 65 anos de idade. Hoje as mulheres podem
se aposentar aos 60 anos (cinco a menos que os homens), ou quando completarem
30 anos de contribuição. Não há idade mínima para se aposentar.
Desigualdade de contextos
Para
a juíza Noêmia Aparecida Garcia Porto, secretária-geral da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), igualar a idade mínima para
ambos os sexos é inconstitucional. “A
diferenciação entre homens e mulheres está prevista na Constituição brasileira
para fins de aposentadoria. É uma desigualdade que está condicionada a um
cenário, para que a igualdade efetiva seja considerada”, argumentou.
Noêmia
explicou que a diferenciação na Previdência foi aprovada para compensar o fato
de as mulheres assumirem a maior parte das tarefas domésticas, além de outras
ocupações, e a persistente desigualdade de gênero na realidade do mercado de
trabalho no Brasil. “O argumento da PEC é
meramente formal e despreza essa realidade de desigualdade vivenciada na pele
por todas as brasileiras.”
A
juíza classificou a proposta do governo de "perversa" e inviável,
pois retira direitos consolidados e segue a lógica do mercado privado, e não
dos princípios constitucionais. E rebateu os argumentos de que as mulheres
vivem mais e contribuem menos com a Previdência. “De fato, elas são minoria entre os contribuintes, mas isso se deve a
diversos fatores. A informalidade atinge mais as mulheres. Elas recebem
salários mais baixos e benefícios previdenciários mais modestos. E ocupam
postos de menos destaque no mundo do trabalho”, disse.
Para
resolver o problema do déficit do Regime Geral da Previdência, Noêmia propõe
que sejam reveladas as origens da sonegação, que se busquem fontes extras de
seguridade social e que se faça auditoria nas contas da Previdência. “O tema do equilibro das contas no setor
publico é sério e pertinente, mas apenas se forem consideradas todas as
variantes que revelam a injustiça de retirada dos direitos das mulheres”,
declarou.
Condições
diferentes de trabalho
Os
argumentos da juíza foram reforçados pela apresentação da professora da
Universidade de Campinas Marilane Teixeira, e pela técnica da Diretoria de
Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Joana Mostafá. As duas pesquisadoras apresentaram diversos números e pesquisas
que, segundo elas, corroboram a necessidade de diferenciar a idade das
mulheres.
Para
Marilane, a diferenciação da idade de aposentadoria para as mulheres é um dos
grandes méritos do regime previdenciário atual. Marilne argumenta que a
diferença nas regras de acesso ao benefício da Previdência contribui para
aumentar a inclusão de pessoas que têm condições diferentes de trabalho e,
assim, compensar as desigualdades estruturais do mercado de trabalho. “É um reconhecimento, através da lei, de que
existe uma condição desigual entre os sexos no trabalho.”
Joana
alertou para a dificuldade que as mulheres têm para comprovar o tempo de
contribuição. A pesquisadora disse que a reforma proposta representa uma
tendência de “masculinização da Previdência”
e ressaltou que outras políticas devem ser adotadas para reduzir a desigualdade
de gênero, e não para aprofundá-la. “A
diferença de cinco anos na idade [mínima] de aposentadoria está de acordo com o
sobretrabalho feminino, e isso não tem apresentado tendência de mudar no Brasil”,
afirmou.
Já
a procuradora regional da 3ª Região, Zélia Luiza Piedorná, defendeu o acúmulo
da concessão da aposentadoria e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) sob
o ponto de vista da coletividade. Para Zélia, o acesso aos benefícios deve ser
regido pela necessidade de garantia dos princípios democráticos, e não por uma
lógica "individual e privatista".
Sobre
o “rombo” da Previdência alegado pelo governo, a procuradora alertou para a
urgência de resolver o problema das fraudes no sistema de concessão de
benefícios no Brasil, o que poderia servir como solução. “Não se pode ter uma legislação que estimula mau comportamento”,
afirmou.
Aproximação de contextos
A
assessora especial da Casa Civil da Presidência da República Martha Seiller
defendeu o texto original apresentado pelo governo e justificou a necessidade
de igualar a idade mínima de aposentadoria para mulheres e homens.
De
acordo com Martha, dados demográficos mostram uma evolução da inserção da
mulher no mercado de trabalho e uma tendência de aproximação entre o salário
pago às mulheres e o que é pago aos homens. Ela disse que as justificativas
para manutenção da diferença de cinco anos na idade mínima para aposentadoria
entre homens e mulheres já não se sustentam como antigamente.
Martha
lembrou que a pirâmide demográfica brasileira está cada vez mais desfavorável à
manutenção de um sistema previdenciário equilibrado, já que a base jovem tem
diminuído, devido à queda na taxa de natalidade, ao crescente número de idosos
no topo, com o avanço da expectativa de vida, "Como é que esse sistema previdenciário sobrevive com uma mudança tão
brusca na taxa de natalidade e expectativa de vida sem passar por mudanças?",
questionou.
A
assessora da Casa Civil disse que as regras de transição previstas na reforma
para vigorar em 20 anos podem compensar as desigualdades que ainda existem. Ela
acrescentou que a diferença de cinco anos é a maior entre os regimes de outros
países que ainda consideram a necessidade de diferenciação.
Para
Martha, são insuficientes os argumentos das debatedoras sobre a dupla jornada
feminina, uma vez que os homens hoje também executam tarefas domésticas. Ela
disse que tal ideia não deve ser usada com naturalidade, como se fosse uma
realidade imutável, sob o risco de favorecer o que definiu como “constitucionalização do machismo”.
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