Um dia após o aval da Câmara para abertura do impeachment
da presidenta Dilma Rousseff, o cientista político e professor da
Fundação Getulio Vargas Claudio Couto diz que parlamentares ligados ao
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já articulam estratégias
para minar o processo contra o parlamentar no Conselho de Ética para
garantir sua permanência no comando da Casa.
“É sempre bom lembrar o papel do Eduardo Cunha nessa história: explica-se o impeachment
da presidenta Dilma Rousseff pela manutenção do Cunha na
presidência da Casa. Uma coisa explica a outra e as duas justificam o
processo”, disse Couto.
“Acho difícil que seja cassado. E se
mantém não só na cadeira de deputado mas também na de presidente da
Câmara. Ele tem controle nessa posição, que é baseada no poder
institucional que a Câmara proporciona. A contra-face do impeachment é a absolvição do Cunha”, analisou o cientista político.
Cunha
é alvo de uma representação no Conselho de Ética por ter mentido à
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras, em março do ano
passado, quando negou ter contas no exterior. Posteriormente, documentos
do Ministério Público da Suíça revelaram a existência de contas ligadas
a ele naquele país. De acordo com um das denúncias, Cunha recebeu US$ 5
milhões em uma conta secreta no exterior.
Com 367 votos a favor, 137 contra, sete abstenções e duas ausências, o parecer pela instauração do processo de impeachment
da presidenta Dilma Rousseff foi aprovado nesse domingo (17) na Câmara
dos Deputados. Agora cabe ao Senado decidir se processa e julga a
presidenta.
Para a professora do Instituto de Ciência Política da
Universidade de Brasília (UnB) Flávia Biroli, o fato do prosseguimento
do processo de deposição de uma presidenta eleita, “no qual não há prova
de crime de responsabilidade e de corrupção”, ter sido dado por alguém
que é investigado por corrupção e lavagem de dinheiro é preocupante.
“A
cena que está montada é uma cena onde vemos uma ação dos grupos que
querem garantir que as investigações sejam bloqueadas, fica cada vez
mais claro que os acordos são para Cunha não ser cassado. O discurso
contra a corrupção foi o mote de mobilização a favor do impeachment, mas a cena é de deputados que são réus tentando impedir uma presidenta eleita de seguir seu governo”, disse.
Congresso conservador
O
conservadorismo do Congresso também preocupa a professora da UnB, já
que, segundo ela, grupos identificados com Defesa dos direitos humanos e
movimentos sociais foram reduzidos na atual legislatura. “A cena de
ontem mostrou claramente o que significa um Congresso conservador. Não é
à toa que o eixo dos discursos foi a família. Não existe a preocupação
de justificar politicamente o voto com algo de caráter público”, disse.
Segundo
Flávia, a votação de ontem na Câmara não foi contra Dilma ou o PT, mas
contra os direitos das populações em desvantagem, contra mulheres,
contra a população negra, contra os homossexuais. “É quando abrimos mão
de uma política, que mesmo no jogo de cena é feito nos interesses
coletivos e públicos, e coloca abertamente a questão da pequena
vingança, da proteção de processos contra a corrupção, da garantir que
minha posição vai ser garantida.”
Para o professor da FGV, com a
votação de ontem, a população teve a oportunidade de conhecer a
composição do Congresso brasileiro. “Aquilo que muita gente ficou
surpresa, do perfil e qualidade dos parlamentares, foi apenas uma
oportunidade de explicitação da realidade.”
Segundo Couto, os atritos entre o governo e a base aliada nos últimos
meses ajudam a explicar a derrota de ontem na Câmara. “Houve um
desgaste do governo com sua base parlamentar, deputados que rompem com o
governo quando consideram que não são atendidos nos seus pleitos, e
essa é a razão pela qual vimos ontem esse discursos tão violentos”,
analisou.
“Não eram as razões formalmente alegadas que estavam em
questão, era o afastamento de um governo que havia perdido a base de
sustentação de um lado e, por outro, um governo que teve sua
legitimidade questionada pela oposição no dia seguinte à eleição”, disse
Couto. “Já não havia disposição em aceitar o resultado das urnas e o impeachment veio dar razão a algo como se tivesse causa previamente. Foi um impeachment em busca de um motivo”, acrescentou.
Comparações com Collor
Flávia Biroli, da UnB, diz que é falaciosa a comparação que muitos fazem entre o processo de impeachment
da presidenta Dilma Rousseff e o do ex-presidente Fernando Collor, em
1992. “Há jornais que têm feito isso sistematicamente para evocar um
paralelo entre dois processos muito distintos”, criticou.
No caso
de Collor, segundo Flávia, 1992, Collor não tinha base social de apoio.
“A presidenta Dilma tem. E isso é uma amostra clara de que há no
Congresso pessoas que têm interesses e um modo de políticas
conservadoras, que buscam menos direitos sociais e mais bloqueio de
processos contra corrupção”, segundo a cientista política.
O professor da FGV também argumenta que os processos de impeachment de Dilma e Collor são diferentes quanto à opinião popular. Segundo Couto, em 1992, havia unanimidade sobre o processo de impeachment e agora a sociedade e o sistema político estão divididos.
“A
sociedade organizada ficou contra o processo [de Dilma] e isso tende a
ter consequências no relacionamento político daqui pra frente. Teremos
uma profunda cicatriz na democracia”, disse, explicando que o PT é um
partido histórico da transição da democracia e que tem entidades da
sociedade civil bem vinculadas; diferente do PRN, partido que elegeu
Collor presidente, que “sequer poderia existir por esse ponto de vista”.
Além disso, na avaliação de Couto, os argumentos para o impeachment de Dilma “são muito frágeis”, o que provoca ressentimentos e desconfianças no meio político.
Michel Temer
O
professor da FGV não acredita que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
julgue procedente o processo que pede a cassação do mandato da
presidenta Dilma Rousseff e do vice, Michel Temer. “O presidente do TSE,
ministro Gilmar Mendes não é alguém que tenha interesse em afastar o
novo governo”, disse Couto, explicando que o ministro deve postergar a análise do processo.
Sobre
um eventual governo Temer, o professor da FGV disse que a possibilidade
pode ser bem-vista no meio econômico, pelo fato de que poderá ser um
governo com uma política econômica mais próxima dos interesses do
mercado. “Do ponto de vista de apoio do mercado, um futuro governo de
Temer tende a ter mais sucesso. Temer vai ter mais governabilidade que
Dilma”, disse.
Entretanto, segundo Couto, do ponto de vista do impeachment
como instrumento de combate à corrupção, um governo comandado pelo
peemedebista vai decepcionar. “Vão notar que acabaram colocando um
presidente e um partido que tem mais problemas. Sequer o impeachment
foi fundamentado. Sou pessimista com relação à legitimidade desse
governo que não vai resolver os problemas de corrupção que levaram as
pessoas às ruas”, disse o professor da FGV.
Para a professora da UnB, a partir de agora, os governistas tentarão derrubar o processo de impeachment
no Senado e, de outro lado, o avanço do processo será apresentado como
consenso do empresariado, do setor financeiro e da oposição, comandado
por Cunha e o PSDB. “Temos a maior parte dos meios de comunicação de um
lado e do outro lado temos os coletivos sociais. A disputa continua”,
disse.
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