Ensino finlandês é uma das referências mundiais em qualidade da educação |
Por Paula Adamo
Idoeta - Da BBC Brasil
Dona de um dos
sistemas de ensino mais elogiados do mundo, a Finlândia recebeu, de fevereiro a
julho deste ano, 35 professores de institutos federais brasileiros para
treinamento e capacitação.
Embora em 2012
o país nórdico tenha caído do topo para a 12ª posição do Pisa, o principal
exame internacional de educação (o Brasil ficou na 58ª posição do ranking,
entre 65 países), ele ainda é apontado pela OCDE – a entidade que aplica o Pisa
– como "um dos líderes mundiais em performance acadêmica" e se
destaca pela igualdade na educação, alta qualificação de professores e por
constantemente repensar seu currículo escolar.
Os docentes
brasileiros foram selecionados pelo programa Professores para o Futuro, do CNPQ
(Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da
Educação), para passar cinco meses estudando a educação finlandesa.
A BBC Brasil
conversou com quatro desses professores, para conhecer o que viram na Finlândia
e saber se lições trazidas de lá podem facilitar seu trabalho em sala de aula e
melhorar o aprendizado nas instituições públicas de ensino onde atuam.
Apesar das
diferenças com o sistema brasileiro, os professores disseram ver como
"pequenas revoluções" o que podem agregar do ensino finlandês em suas
rotinas.
"Vou
começar com um trabalho de formiguinha, mostrando aos meus colegas o que
aprendi, gravando minhas aulas e adaptando (as metodologias) à nossa realidade
e aos nossos estudantes", diz a professora Giani Barwald Bohm, do
Instituto Federal Sul-rio-grandense.
Os 25
institutos federais que enviaram professores ao país nórdico reúnem cursos de
ensino médio, profissional e superior com ênfase em ciência e tecnologia.
Veja o que os
professores aprenderam na Finlândia:
1.
Usar mais projetos nas aulas
Os professores
entrevistados pela BBC Brasil dizem que projetos elaborados por alunos e a
resolução de problemas estão ganhando protagonismo no ensino finlandês, em detrimento
da aula tradicional.
São as
metodologias chamadas de "problem-based learning" e
"project-based learning" (ensino baseado em problemas ou projetos).
Neles, problemas – fictícios ou reais da comunidade – são o ponto de partida do
aprendizado. Os alunos aprendem na prática e buscam eles mesmos as soluções.
"Os
projetos são desenvolvidos sem o envolvimento tão direto do professor, em que
os alunos aprendem não só o conteúdo, mas a gerir um plano e lidar com
erros", diz Bruno Garcês, professor de Química do Instituto Federal do
Mato Grosso, que pretende aplicar o método em aulas de experimentos práticos.
Professores brasileiros passaram cinco meses em capacitação na Finlândia |
Os professores
brasileiros visitaram, na Finlândia, cursos superiores baseados inteiramente
nessa metodologia.
"Um curso
de Administração tem disciplinas tradicionais no primeiro ano. Mas, nos dois
anos e meio seguintes, os alunos deixam de ter professores, passam a ter
tutores, formam empresas reais e aprendem enquanto desenvolvem o negócio",
diz Francisco Fechine, coordenador do Instituto Federal de Tecnologia da
Paraíba.
Não é uma
estrutura que sirva para qualquer tipo de curso, mas funciona nos voltados, por
exemplo, a empreendedorismo, explica Joelma Kremer, do Instituto Federal de
Santa Catarina.
"E os
alunos têm uma carga de leitura, para buscar (nos livros) as ferramentas que
precisam para resolver os problemas."
2.
Foco na produção de conteúdo pelos alunos
A resolução de
problemas e projetos é parte de um ensino mais centrado na produção do próprio
aluno. Ao professor cabe mediar a interação na sala de aula e saber quais metas
têm de ser alcançadas em cada projeto.
"Nós (no
Brasil) somos mais centrados em o professor preparar a aula, dar e corrigir
exercícios. O aluno faz pouco. Podemos dar mais espaço para o aluno avaliar o
que ele vai desenvolvendo", diz a professora Giani Barwald Bohm, do
Instituto Federal Sul-rio-grandense.
"No
modelo tradicional de ensino, quem mais aprende é o professor. Lá (na
Finlândia) é o aluno quem tem de buscar conteúdo, e o professor tem que saber
qual o objetivo da aula. Para isso você não precisa de muita tecnologia, mas
sim de capacitação (dos docentes)", agrega Joelma Kremer.
Professores Fechine, Bruno Garcês e Kelly Santos em sala de aula finlandesa: mais projetos práticos e autonomia dos alunos |
3.
Repensar o papel da avaliação
Nesse
contexto, a avaliação tem utilidade diferente, diz Kremer: "A avaliação
está presente, mas os alunos se autoavaliam, avaliam uns aos outros, e o
professor avalia os resultados dos projetos".
"Ao
reduzir o número de testes (formais) e avaliar mais trabalhos em grupo e
atividades diferentes, os professores têm um filme do desempenho do aluno, e
não apenas a foto (do momento da prova)", diz Fechine.
"Conhecemos
um professor de física finlandês que avaliava seus alunos pelos vídeos que eles
gravavam dos experimentos feitos em casa e mandavam por e-mail ou
Dropbox."
4.
Usar tecnologia e até a mobília para ajudar o professor
A tecnologia
não é parte central desse processo, mas auxilia o trabalho do professor em
estimular a participação dos alunos finlandeses.
"Em vez
de proibir o celular, os professores os usam em sala de aula para estimular a
participação dos alunos – por exemplo, respondendo (via aplicativos especiais)
enquetes que tivessem a ver com as aulas", conta Kremer.
Algumas salas têm mobília especialmente projetada para que os alunos possam ser agrupados ou separados |
Salas especialmente projetadas e tecnologia amparam o trabalho do professor |
"Isso
torna a aula mais interessante para eles. E é complicado para a gente ficar
dizendo, 'desliga o celular', algo que já começa estabelecendo uma relação de
antipatia com o aluno."
Os professores
brasileiros também conheceram algumas salas de aula com mobília especialmente
projetada, diferente do modelo tradicional de cadeiras individuais voltadas à
lousa.
"Muitas
salas têm sofás, poltronas, mesas ajustáveis para trabalhos individuais ou em
grupo e vários projetores", agrega Kremer. "É um mobiliário pensado
para essa metodologia diferente de ensino."
Fechine vai
reproduzir parcialmente a ideia no Instituto Federal da Paraíba, trocando as
carteiras de braço por mesas que possam ser agrupadas para trabalhos.
5.
Desenvolvimento de habilidades do século 21
A professora
Giani Barwald Bohm conta que o ensino fundamental finlandês continua dividido
em disciplinas tradicionais, mas focado cada vez mais no desenvolvimento de
habilidades dos alunos, e não apenas na assimilação de conteúdo tradicional.
"(São
desenvolvidas) competências do século 21, como comunicação, pensamento crítico
e empreendedorismo", diz ela.
Para Fechine,
estimular a independência do estudante é uma forma de romper o ciclo de
"alunos passivos, que só fazem a tarefa se o professor cobrar, interagem
muito pouco".
Universidade de Tampere, na Finlândia; jornada escolar finlandesa tem intervalos mais frequentes |
6.
Intervalos mais frequentes entre as aulas
A Finlândia
adota aulas de 45 minutos seguidas de 15 minutos de intervalo na educação
básica – prática que Bruno Garcês acha que poderia ser disseminada por aqui.
"Tira a tensão de ficar tantas horas sentado", diz.
Fechine também
considera a ideia interessante, mas aponta que a grande carga horária no ensino
médio brasileiro dificulta sua aplicação e lembra que na Finlândia ela é
acompanhada de uma forte cultura de pontualidade. "As aulas começam no
horário e aluno rapidamente entra na (rotina de) resolução de problemas."
7.
Cultivar elos com a vida real e empresas
Muitos dos
projetos dos estudantes finlandeses são tocados em parcerias com empresas, para
aumentar sua conexão com a vida real e o mercado de trabalho, algo que Garcês
acha que poderia ser mais frequente no Brasil.
"Aqui na
área rural do Mato Grosso podemos ter uma interação maior com as fazendas
locais, ministrando aulas a partir do que os produtores rurais precisam."
A vantagem
disso é que o aluno vê sentido prático e profissional no que está aprendendo,
explica Giani Barwald Bohm. "Ele desenvolve algo diretamente para o
mercado de trabalho, que vai ter relevância para o próprio estudante e é
contextualizado com as empresas locais."
Ela destaca
também as competições de habilidades práticas desenvolvidas por escolas locais
(um preparativo para a competição internacional WorldSkills, que neste ano será
realizada em São Paulo, pelo Senai, entre quarta e sábado desta semana).
"As
empresas são envolvidas na organização e acompanham os alunos no dia a dia e
até ficam de olho para contratá-los depois."
Competição de habilidades entre alunos finlandeses; ensino é voltado para a prática |
8.
Formação mais prática e valorização do professor
A formação dos
professores é apontada como a principal chave do sucesso do ensino finlandês.
Os brasileiros observaram lá uma capacitação mais prática, voltada ao dia a dia
da sala de aula, e mais interação entre o corpo docente.
"Algumas
salas têm dois professores - um como ouvinte do outro caso seja menos
experiente", relata Fechine.
"Há uma
relação mais direta (entre os professores), com muita conversa entre quem
dirige o ensino e quem dá aula", agrega Barwald Bohm.
"Além
disso, há uma valorização cultural do professor lá, semelhante à de outras
profissões. O salário é equivalente e as condições de trabalho dão bastante
tempo para o planejamento das aulas", diz Bruno Garcês.
Parabens a eles
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