Por André J. Gomes
Não, eu não
tenho certeza de nada. Nada. Aliás, eu não quero, obrigado. Tem gente demais
por aí exibindo convicção sobre tudo. Gente demais pontificando sobre as
doenças do gado, os novos astronautas, o cio da capivara. Gênios seguros
colecionando certezas sobre o que, no fundo, desconhecem. Façam bom proveito!
Daqui, do meu
canto no mundo cercado de dúvidas, tenho tantas questões a responder, tanta
dívida a pagar! Mas certeza, mesmo, nenhuma. Quando muito uma impressão aqui,
um palpite ali, uma intuição acolá. E todas elas me sopram no ouvido que as
perguntas mais fundas e os encargos mais altos não pesam tanto quanto a menor
convicção. E que acumular certezas na vida é como arrastar uma velha locomotiva
morta num terreno baldio.
Não tem jeito.
Uma hora isso tudo pesa. Isso. Você sabe o quê. Essa sanha por razão, esse
empenho por serventia, utilidade, importância. Nosso ímpeto de glória, nossa
corrida extenuante, nosso esforço por predileção e prestígio, as infinitas
tentativas de acerto, essa peleja contra o tempo, a idade, o outro, a vida, a
morte, o mosquito da dengue e o leão do imposto de renda, o bandido na esquina
e o vilão da novela. Isso tudo já pesa tanto! Para quê aumentar o fardo com
velhas certezas esfarelando ferrugem?
Está certo. Eu
compreendo que tanta gente por aí se refestele portando a verdade das coisas, o
latifúndio das crenças, o veredicto instantâneo de todos os crimes. Entendo de
longe o prazer de exibir tudo isso pendurado no pescoço como o maior diamante
do mundo. Mas eu ainda prefiro a leveza das dúvidas corriqueiras.
Prefiro, sim,
o movimento incerto de um dia depois do outro. Escolho não saber do futuro mais
que o imediato instante seguinte. Não me interessa por enquanto o que vai na
última página do livro, mas tenho aqui uma impressão humilde de que o que lá
estará depende do que eu fizer agora.
Não, eu não
sei o quanto vai chover amanhã. Mas sinto alegria de olhar a água no pote de
sorvete roído nas bordas, esperando mansa as lambidas largas do vira-lata que
vê em mim seu melhor amigo.
Que sejam
felizes os oráculos, suas certezas profundas como os pires e sua sabedoria de
papagaio. Eu prefiro a leve e boa descoberta do que repousa debaixo dos móveis,
nos vãos do sofá, dobrado entre as páginas de um livro cuja leitura retomamos
de quando em vez.
Não, eu não
tenho certeza de nada.
Em: Colunistas
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