Por Juan
Fernando Carpio,
Imagine que um
grupo de vizinhos em seu bairro — que foram eleitos ou que se auto-elegeram
governantes — decidem que ninguém, exceto eles, pode fornecer serviços de
segurança e de resolução de contendas judiciais.
E não apenas
isso: além de estipularem e imporem taxas para custear gastos com iluminação,
ruas e manutenção de todas as instalações e infraestruturas com as quais já nos
acostumamos, suponha também que comecem a cobrar uma porcentagem do salário dos
solteiros para pagar pela educação de quem tem filhos, uma porcentagem dos
salários dos que têm um estilo de vida saudável para custear a saúde de quem
quiser tais serviços gratuitamente, uma porcentagem do salário de todos para
criar programas de fomento à cultura e para conceder empréstimos subsidiados a
determinadas empresas, a criar empregos na administração do bairro para seus
militantes — novamente, à custa de todos os vizinhos —, e a controlar toda uma
série de elementos da própria vida das famílias.
Não é
necessária muita imaginação para se criar novas justificativas para que o
estado continue tomando dinheiro das pessoas com o intuito de financiar novos
programas. E foi exatamente nisso que o estado se transformou para os
latino-americanos ao longo das últimas gerações. Na maioria dos países do
continente, já no final da década de 1970, o estado era eletricista, encanador,
engenheiro, médico, professor, conselheiro matrimonial e familiar, e, acima de
tudo, uma casa de beneficência.
Apesar deste
diagnóstico agora evidente, e do fato de que o famoso (infame para a
esquerda) Consenso
de Washington se apresentou como sendo a cura para todos os males do
continente, os resultados deixaram muito a desejar. Tanto é que os
ungidos do populismo e do coletivismo estão — em termos eleitorais — mais
fortes do nunca na região, justamente pelo fato de denunciarem diariamente as
consequências das reformas impostas pelo Consenso.
No entanto, se
supostamente o final da década de 1980 e toda a década de 1990 trouxeram uma
onda maciça de privatizações, desregulamentações e aparentes aberturas
comerciais, o que foi que falhou? Será que os ungidos de fato têm razão
ao afirmar que o "neoliberalismo" é intrinsecamente incapaz de gerara
prosperidade geral?
Voltemos à
analogia do início do artigo. O que ocorrerá se os governantes — que
mudaram apenas de rosto, mas não práticas políticas — decidirem abandonar
muitas das atividades que até então efetuavam? Voltaremos ipso facto a
uma situação natural? De jeito nenhum. O grupo de governantes pode,
mediante a concessão de algumas atividades para grupos privados, tornar mais
"eficiente" uma série de atividades; mas nós, os vizinhos, ainda não
sentimos que somos donos de nossas vidas. O grupo de governantes pode ter
deixado de efetuar determinadas atividades, mas ele ainda não permite que
possamos efetuá-las. Apenas um pequeno grupo, selecionado a dedo pelos
governantes, podem efetuar estas atividades. Os governantes ainda mantêm
e impingem leis que ditam como e até que ponto tais atividades podem ser
efetuadas.
Ainda não
somos donos de nossas vidas. No máximo, os governantes nos permitem
determinadas iniciativas em nosso bairro, mas apenas com sua prévia permissão e
somente sob sua supervisão técnica. De novo, não recuperamos realmente
nada.
O problema com
as reformas da década de 1990 é exatamente este. Para começar, não houve
nenhuma genuína desestatização, mas sim apenas concessões de monopólios
estatais para monopólios privados, arranjo esse que não permite nenhuma
concorrência. Não há livre concorrência nos grandes setores econômicos da
América Latina.
Desde a divisão
de Buenos Aires em duas zonas, cada qual tendo apenas uma empresa telefônica
monopolista, passando pela criação de várias agências reguladoras no Brasil que
têm o intuito de cartelizar o mercado e proteger grandes empresas da
concorrência externa, permitindo que pratiquem preços altos e mantenham
serviços de baixa qualidade, chegando ao Ejido mexicano, que mantém o
estado como proprietário de terras para uso agrícola coletivo (tendo o estado o
poder de tomar terras privadas), e culminando nos sistemas de "seguridade
social" em que o estado "poupa por nós" para nos proteger em
nossa velhice, não há absolutamente nenhuma forma de liberalismo (não existe um
prefixo "neo") no continente. Há apenas o velho e absoluto
mercantilismo.
Ou seja, o
remédio ministrado é somente um pouco melhor do que a própria
enfermidade. Se tínhamos um estado obeso e empresário, agora temos um
estado obeso que se sente um pouco menos empresário, mas que, por sua
obesidade, confisca e monopoliza os recursos com os quais poderíamos ser nós
mesmos os empresários. O estado nos mantém regulados, supervisionados,
concessionados (o monopólio se mantém, embora a qualidade do serviço possa
aumentar notavelmente em uma concessão), desprovidos, sobre-tributados e
monopolizados juridicamente. E estes dois últimos fatores, embora sejam
os menos notados e discutidos, são os mais importantes para o crescimento
econômico.
Têm toda a
razão aqueles que dizem que Austrália, Nova Zelândia, Estônia ou até mesmo Hong
Kong e Cingapura não são sistemas liberais puros, mas ainda assim são as
estrelas mundiais em termos de crescimento e prosperidade para seus
habitantes. Da mesma maneira, países já ricos e, consequentemente, de
crescimento baixo, como Dinamarca, Suécia, França, Itália, Canadá e Alemanha
também não são puramente liberais. Mas há algo que todos eles têm em
comum, algo que é o segredo, o requisito sine qua non do progresso: segurança
jurídica para a propriedade e para os contratos voluntários.
Eles têm isso
há muito tempo; nós nunca tivemos.
Por que esse é
o diferencial? Nada mais pode explicar por que 80% do fluxo de
investimentos estrangeiros ocorrem entre os próprios países desenvolvidos
quando se sabe que uma empresa como a Microsoft pagou 8% de dividendos a seus
acionistas nos últimos anos ao mesmo tempo em que empresas bem-sucedidas no
Equador pagaram 25%. Sendo assim, o capital estrangeiro não deveria estar
chovendo sobre os países latino-americanos, onde os investimentos geram maiores
taxas de retorno? Infelizmente não. Se um país da América Latina
permite que você mantenha 60% do lucro gerado por uma empresa ao passo que na
Dinamarca esse percentual é de apenas 40%, por que ainda assim a Dinamarca
continuará sendo um destino preferencial para os investimentos? Porque a
Dinamarca possui um sistema tradicional e reconhecidamente eficaz de proteção à
propriedade, aos contratos e às decisões judiciais.
Isso significa
que, na América Latina, o investidor pode até ter mais dinheiro após impostos,
mas existem mais possibilidades de trapaças e de estelionatos por parte de um
sócio local, mais conflitos trabalhistas, mais incerteza jurídica, maiores
possibilidades de calotes serem protegidos pelo judiciário, e mais vários
outros elementos que desmotivam empreendedores a fazer investimentos e a
aplicar seu capital em nosso território. É por isso que os
reinvestimentos são um ato de heroísmo, e que a repatriação de lucros se torna
um ato mais racional e seguro.
Mas o assunto
não termina aí. Hernando de Soto, em sua obra El
Misterio del Capital, calcula que 80% da propriedade nos países em
desenvolvimento está totalmente na informalidade. Ou seja, há dezenas de
milhões de famílias em nosso continente que simplesmente não podem utilizar sua
propriedade como garantia para a obtenção de crédito, com o qual poderiam abrir
pequenas empresas, fornecer empregos e, de forma geral, se integrar ao sistema
produtivo. Se a casa ou o terreno de uma família pobre não são
formalmente seus, como no caso das favelas brasileiras, não há nenhuma medida
de abertura econômica, de privatizações ou de ortodoxia fiscal e monetária que
possam compensar tudo isso. Caso essas pessoas pudessem usufruir um
título de propriedade, elas imediatamente começarão a usá-los como colateral ou
a transacioná-los, aumentando sobejamente sua renda, sua riqueza e seu padrão
de vida.
O atual
arranjo faz com que, literalmente, a classe baixa e até mesmo boa parte da
classe média sejam meras espectadoras do processo econômico. E os
governantes sabem como capitalizar esta situação denunciando-a como sendo uma
exclusão social. Eles estão corretos nesta percepção — embora tenham sido
eles próprios que criaram esta situação —, mas estão errados ao proporem que a
solução está na inclusão política ("vamos decidir o rumo do país em
assembléias populares").
A resposta,
sob o prisma da mentalidade empreendedorial, deve ser distinta e clara: sim, o
mercantilismo é excludente, mas podemos caminhar em direção ao liberalismo caso
massifiquemos o acesso à propriedade (com títulos e registros de propriedade
para todos), tornemos o sistema judiciário mais rápido e confiável (arbitragens
privadas são um ótimo começo), e aumentemos a segurança (com o policiamento
privado liberado).
Em outras
palavras, a liberdade econômica começa pela propriedade privada, pelo respeito
aos contratos, e por um sistema judiciário confiável e eficiente. São
secundárias, porém de suma importância, questões como impostos, as tarifas e as
regulamentações.
Uma economia
livre é uma economia de proprietários, e não uma economia de proletários.
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Abração
Dag Vulpi