Luis Nassif no GGN
Na Folha, o diretor do Datafolha Mauro Paulino explica a falta de fôlego da oposição pela ausência de ideias. As manifestações de junho deram o mote: a impaciência geral com o estado de coisas atual, com a falta de participação política, com os problemas da educação e da saúde. Em cima desse caleidoscópio, caberia aos formuladores sintetizar esses anseios em propostas claras e objetivas. Em vez disso, um discurso recorrente da oposição pautado pelo governo – no sentido de monitorar cada ato, frase ou espirro para ser do contra – ou de apelar para o moralismo mais exacerbado.
Do lado do governo, a subordinação sistemática às pesquisas de opinião e à produção diária de fatos e factoides capazes de garantir a popularidade imediata. Do lado da velha mídia hegemônica, à exacerbação da violência.
E aí entra-se nesse paradoxo da maioria dos entrevistados bradar por mudanças e continuar apostando na reeleição de Dilma – que também não está conseguindo apontar para as mudanças.
Ontem, no Estadão, o principal formulador da oposição – ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – dá sua fórmula, a começar pelo título do artigo: “Sinais alarmantes”, onde o supostamente grande intelectual chega ao fim da linha produzindo um pastiche de Demétrio Magnolli. Poderia ser de Boris Fausto, de Sergio Buarque, de José Murilo de Carvalho. Mas é do Magnolli.
“Onde está a revolução? Gesticulam como se fossem Lenines que receberam dinheiro sujo, mas o usaram para construir a "nova sociedade". Nada disso: apenas ajudaram a cimentar um bloco de forças que vive da mercantilização da política e do uso do Estado para se perpetuar no poder. De pouco serve a encenação farsesca, a não ser para confortar quem a faz e enganar seus seguidores mais crédulos”.
(Aliás, a preguiça de FHC em pensar qualquer tema novo ficou patente alguns anos atrás, em um seminário, do qual fui comentarista, com Felipe Gonzales e George Soros. Ambos deram aulas magnas de 15 minutos sobre o futuro da América Latina, identificando os pontos centrais e as estratégias objetivas. FHC limitou-se a reproduzir os argumentos de de Ilan Goldfjan – sem mencionar a fonte - que saíra aquele dia no Estadão, sobre relações de trocas entre países produtores de commodities e os centrais, que supostamente desmentia o que a Cepal pregava nos anos 50).
Uma obra de arte política
Sempre fui crítico de FHC, desde os tempos em que, nomeado Ministro da Fazenda de Itamar Franco, demonstrava total falta de aptidão para governar, mudar a realidade, ser minimamente proativo.
Mas fiz um elogio final ao seu governo, em um ponto específico: na arte de garantir a governabilidade. O artigo chamava-se “Uma obra de arte política” e comparava a situação do país com o caos político que balançava a Argentina. Falava das dificuldades do presidencialismo de coalizão e de como FHC desenvolveu uma técnica, a de lotear parte do governo para garantir a base aliada, enquanto governava com a outra.
Vaidoso como era, FHC solicitou ao norte-americano autor de sua biografia – recém lançada no final de seu governo – a incluir o artigo na segunda edição.
O que ele fez foi elaborar o modelo político posteriormente adotado pelo PT para garantir a base parlamentar e a governabilidade. Loteou o governo, fez parcerias com ACM, Sarney, Jader Barbalho e o diabo – assim como o PT. Imoral? Certamente. Criticável? Sem dúvida. Mas é a única forma de garantir a governabilidade enquanto não vier uma reforma política adequada.
Por inevitável, FHC conseguiu praticar todos os vícios do modelo político e agregar, aí por característica de caráter, outro que é pecado mortal até entre os ímpios: a deslealdade partidária, quando apareceu em cartazes em São Paulo ao lado de Paulo Maluf, desprezando seu correligionário Mário Covas; e em Minas ao lado de Hélio Costa, desprezando Eduardo Azeredo.
O exercício da hipocrisia
Nada contra a hipocrisia: faz parte do jogo político. O mesmo PT, cujo governo agora é alvo reiterado de denúncias, recorria a essa parceria com a imprensa nos tempos em que nem era poder nem dispunha de discurso para se contrapor ao Real. E, na oposição, era crítico reiterado dos pactos políticos espúrios, dos quais, como governo, passou a se beneficiar.
O que causa espécie em FHC é que ele poderia, na qualidade de ex-presidente, tornar-se uma das vozes referenciais do país.
Tem-se um modelo institucional desmanchando-se, seja no presidencialismo de coalizão, no modelo jurídico, no desenho partidário, nos abusos da mídia. E, sob esse terremoto, emerge como um furacão o que, em outros tempos Ortega y Gasset classificou como “a rebelião das massas”.
São momentos em que há a inclusão de novos atores políticos – nos anos 1920, as massas na Europa recém urbanizada junto com a revolução do rádio; nos anos 2010 não apenas a inclusão social no país, mas a inclusão política através das grandes redes sociais – e o sistema institucional não dá conta dessas demandas.
As consequências são o estouro da boiada, a exacerbação da violência, a desmoralização ampla de qualquer princípio jurídico ou de qualquer forma de conhecimento “especialista”, a perda de rumo.
Para o bem ou para o mal quebram-se todas as hierarquias institucionais e de conhecimento que as sociedades democráticas se valem para manter a boiada sob controle. Sem rumo, pode ser a ante-sala do autoritarismo.
As discussões no post “Uma encrenca chamada Joaquim Barbosa” (http://bit.ly/187tK2R) são significativas. Tem-se aqui um ambiente relativamente moderado, na qual petistas (em maioria) e liberais travam discussões mais ou menos acerbas, mas se respeitando mutuamente. De repente, uma chamada no IG abre a porteira. E pudemos apreciar, ao vivo e em cores, o sentimento de manada em estado bruto.
Tudo isso é consequência da enorme falta de rumos e de figuras referenciais.
Nada contra o fato de FHC não conseguir produzir um discurso inovador e unificador das propostas da oposição. É questão de capacidade.
Com sua rudeza e falta de verniz, com a objetividade tosca de executivo sem sofisticação, Fernando Collor exprimiu de forma muito mais objetiva o início do desenho neoliberal. O intelectual FHC limitou-se a pegar o prato pronto e a repetir o discurso de Collor.
Depois, sem sequer ter completado o curso médio, Lula, o operário tosco e iletrado, abriu as portas do país à democracia social e à inclusão.
O intelectual, o suposto pensador sofisticado, o que se dizia seguidor da social-democracia, poderia ter produzido a síntese, a modernização sistêmica com responsabilidade social, mas não conseguiu sair do deslumbramento típico dos fúteis, falando em “novo renascimento”e coisas do gênero.
Agora, tem-se a rebelião das massas, sem rumo, presa a princípios rudimentares de vingança. A velha mídia pretendeu colocar José Serra no comando desses jacobinos sem proposta. Não deu certo. Agora eles encontram em Joaquim Barbosa sua mais perfeita tradução, a violência em estado bruto.
Definitivamente, FHC não possui o dom de vislumbrar o futuro e ajudar a apontar rumos. Mas esperava-se, como intelectual e ex-presidente, que ao menos não agisse de forma tão irresponsável e oportunista, colocando mais lenha na fogueira, como se fosse um mero cronista da violência criado nesses tempos de macarthismo virulento.
Nos momentos cruciais do país, todos os ex-presidentes - José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco - comportaram-se, fora do cargo, com muito mais dignidade e responsabilidade do que FHC.
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Dag Vulpi