Além da lei da
anistia, as dúvidas sobre as causas das mortes de Jango, JK e Lacerda provam
que a conciliação traiu a democracia
Por Mauricio Dias
Essa suspeita
não é nova. Entretanto, é oportuna, e será sempre até o esclarecimento das
dúvidas. Não há provas concretas e nem se sabe se serão encontradas. Permanece,
no entanto, por quase quatro décadas, a coincidência estranhável das mortes dos
ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, e do ex-governador Carlos
Lacerda.
Os restos
mortais de Jango foram exumados para uma perícia. Com ela se saberá, de fato,
se ele foi vitimado por um ataque cardíaco. Na Câmara de Vereadores de São
Paulo, formou-se um dossiê, no qual são reafirmadas as dúvidas sobre o acidente
com o carro de JK. Há suspeitas de que Lacerda também tenha sido assassinado.
Esses homens
eram adversários históricos. JK lavou as mãos na deposição de Jango. Lacerda
participou do golpe de 31 de março de 1964. Apenas três anos depois, em 1967,
os obstáculos entre eles foram eliminados. Criaram a Frente Ampla. Ia da
esquerda (Jango), passava pelo centro (JK) e chegava à direita (Lacerda).
Reuniram-se em Portugal (Lisboa). Surgiu, além-mar, a primeira resistência
articulada pacificamente contra a ditadura vigente no Brasil.
JK, JG e
Lacerda morreram entre agosto de 1976 e maio de 1977. Apenas dez meses separam
o desaparecimento dos três líderes políticos. Dois anos após isso, o general
João Baptista Figueiredo, último presidente do ciclo militar, assinou a lei da
anistia. Com os três vivos, a passagem da ditadura para a democracia teria
sido diferente. Há uma história que sustenta isso.
No início da
década de 70, emergiu o movimento pela anistia. Propunha uma solução “ampla,
geral e irrestrita” contrapondo-se à proposta oficial de analisar processo por
processo. Uma filtragem. O movimento social era forte. Não o suficiente, porém,
para forçar a ditadura a incluir os integrantes da ação armada que cometeram
“crimes de sangue” e, menos ainda, para excluir dela a proteção aos
torturadores.
A lei da anistia foi promulgada em 1979, somente dois anos após as mortes de Jango, JK e Lacerda. Os generais brasileiros perceberam a hora de entregar os anéis para não perder os dedos. Fizeram o movimento de antecipação. O modelo econômico dava sinais de cansaço. A resistência interna crescia. O mundo girou e, no giro, o então presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, veio ao Brasil. Falou com figuras da sociedade civil em afronta ao general-presidente Ernesto Geisel. Àquela altura, a ditadura já costurava a aliança com os conservadores.
Com Jango, JK
e Lacerda no cenário a saída seria a mesma? A primeira eleição pós-ditadura foi
indireta. O presidente civil era o conluio das articulações no Congresso. O
cauteloso conciliador Tancredo Neves, naquele contexto, era mais forte que o
impetuoso e combativo Ulysses Guimarães.
Em eleição
direta, proposta derrotada no Congresso, seria essa? Prevaleceu a conciliação e
não a renovação esperada. A lei da anistia ainda protege os torturadores. E,
até recentemente, estava bloqueada uma apuração independente sobre as causas
das mortes de Jango, JK e Lacerda. Podem ter sido ocasionais. Mas há indícios
que sustentam dúvidas.
Na transição, com o acordo entre generais e conciliadores, a democracia foi traída.
Postado
originalmente no site da Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi