quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O governo não quer ir a fundo nos crimes da ditadura, diz procuradora

Na terça-feira (27), o novo presidente da CNV (Comissão Nacional da Verdade), o advogado José Carlos Dias, declarou-se pessimista em conseguir informações sobre crimes da ditadura cometidos 40 anos atrás, sob o argumento de que "um número muito grande de agentes da repressão está morrendo".

Em palestra no 19º Seminário Internacional do Ciências Criminais do IBCrim, a procuradora da República Eugênia Gonzaga acusou o governo de desinteresse na apuração dos crimes, por ainda considerar o tema potencialmente sensível. E detalhou um roteiro de levantamento de dados que seria seguido, caso houvesse interesse em apurar os fatos. "Acredito que nenhum oficial de bem das Forças Armadas, e eles são maioria, se sente confortável estando na companhia de torturadores", afirmou. "Se a presidente da República se comportasse como comandante em chefe das Forças Armadas, não haveria resistências".


O caso de Perus
Em sua exposição, Eugenia contou que em 2002 assumiu o caso das ossadas de Perus, originariamente tocado por seu colega Marlon Weichert. Neófita no tema, julgou que o trabalho consistiria apenas em levantar a identidade dos mortos, já que a Lei da Anistia estava em vigor e, pensava ela, anistiava todos os crimes cometidos de lado a lado. Pressionada pelos familiares, foi atrás de informações sobre as circunstâncias das mortes e da identidade dos criminosos. De parentes de mortos colheu relatos sobre assassinatos, divulgados como sendo suicídios, soube de torturas de adultos, de mulheres, de crianças e até de grávidas.

Em cada caso de prisioneiro assassinado, havia um inquérito rodando. Ao consultá-los, Eugênia se deparou com um paradoxo. Os inquéritos visavam apenas apurar crimes dos guerrilheiros. Mortos, os inquéritos eram paralisados. Nada falavam sobre torturas e torturadores. O inquérito do Ministério Público Federal - sobre as ossadas de Perus - estava quase paralisado, devido à interpretação excessivamente abrangente da Lei da Anistia, estendendo-a aos torturadores e até a crimes cometidos após sua promulgação.

Em vista dos relatos dos familiares, Eugênia decidiu ir mais a fundo. Constatou total abandono das ossadas de Perus, e uma falta de responsabilidade geral das autoridades - que se iniciou com Maluf e prosseguiu até a atual Secretária Nacional de Direitos Humanos Maria do Rosário.

Procuradora da República Eugênia Gonzaga   Presidente da Comissão Nacional da Verdade (CNV), advogado José Carlos Dias






Atuando na área civel, não conseguiu despertar o interesse dos procuradores criminais para processá-los. Havia o entendimento geral de que a Lei da Anistia atingia a todos. Marlon já desenvolvia linhas alternativas de pensamento. Primeiro, criticando a abrangência artificial dada à lei, para anistiar torturadores. Depois, ao tentar enquadrar os criminosos no princípio do crime continuado - para aqueles casos de desaparecidos. Finalmente, recorrendo às decisões das Cortes Internacionais.

De início, nada disso demovia a área penal do MPF. Decidiu então entrar com ações cíveis, contra o próprio Maluf, médicos do IML (Instituto Médico Legal) suspeitos como Harry Shibata, legistas conhecidos, como Badan Palhares entre outros.
Paulo Maluf, Badan Palhares, Harry Shibata, Maria do Rosário, Marco Antonio Barbosa
A prefeitura chegou a encomendar um forno para cremação das ossadas. O forno não chegou por um ato de indignação do fabricante, que considerou um desrespeito cremar ossadas sem a devida identificação.

Depois, foram abertas ações contra os principais torturadores. Os processos estão em andamento, mas com enormes resistências do Poder Judiciário, que aumentaram depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou que a Lei da Anistia era ampla, geral e irrestrita.

Mudança de governo
Nem mudança de governo, com a eleição de Lula, alterou o temor reverencial das autoridades. Havia enormes dificuldades de acesso aos arquivos das Forças Armadas e do Itamarati. Um ato de Lula poderia ter aberto os dados. Mas o então presidente preferiu remeter para o Congresso o cálice amargo.

No período Dilma, nada melhorou. Em sua primeira reunião com familiares em São Paulo, Maria do Rosário animou-os prometendo todo o empenho. Nos meses seguintes, recuou. Os familiares precisaram pagar do próprio bolso legistas argentinos para prosseguir na identificação dos corpos. Eugênia abriu duas representações por desleixo, contra Maria do Rosário e o advogado Marco Antonio Barbosa, da Comissão dos Desaparecidos.

Não mudou em nada o quadro. Familiares dos desaparecidos passaram a ser hostilizados pela Secretaria e por seu representante, a Comissão dos Desaparecidos continuou inerte e, transferidas para o cemitério de Araçá, as ossadas de Perus mofam, sem que a Secretaria demonstre interesse em agilizar os trabalhos ou dar visibilidade ao tema.

A composição da CNV, a saída do ex-procurador Cláudio Fontelles da Comissão, e a substituição de Rosa Cardoso por José Carlos dias, na presidência, e os quatro meses de demora para Dilma Rousseff indicar novos integrantes, consolidam a ideia de que a questão dos crimes da ditadura ainda se constituem em tabu para o governo federal.

Não foi mencionado por Eugênia, mas um fato que deixou claro a posição do governo foi a posição do MInistro da Justiça José Eduardo Cardozo. Quando Rosa Cardoso - na condição de membro da CNV - defendeu a punição para criminosos, Cardozo veio a público criticar sua posição. Ora, Rosa não falava em nome do governo, mas da sociedade civil representada na CNV. A declaração de Cardozo foi interpretada como sinal de pusilanimidade.

No final de sua apresentação, Eugênia Gonzaga mencionou estudos sobre os efeitos do tratamento dos crimes da ditadura em diversos países, a chamada Justiça de Transição. Onde não houve receio de se apurar e punir os crimes, ocorreram avanços na área dos direitos humanos e da atuação das Forças Armadas e do aparato policial. Onde se tergiversou, as práticas continuaram.
É o que se observa, hoje em dia, nas Polícias Militares e nas próprias Forças Armadas, onde continua a ideia do "inimigo externo" para tratar de qualquer questão de segurança e onde os próprios recrutas são submetidos a práticas crueis, para acostumá-los com as práticas internas das corporações.

De seu lado, Marlon aprofundou os estudos sobre a Lei da Anistia, contrapondo-a às resoluções das Cortes Internacionais - às quais o Brasil aderiu - considerando imprescritíveis os crimes de tortura.

Nos últimos tempos, o Ministério Público Federal mudou de atitude e passou a defender a tese defendida pelas cortes internacionais.

Do GGN

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