Atrair
um médico estrangeiro ao Brasil sem validar seu diploma não é importá-lo, é
contrabandeá-lo
por Rogério Tuma
Ajudar quem
precisa é a razão da profissão médica. O salário conta, mas não é tudo.
Desconsiderando a situação de emergência, na qual vale tudo para salvar uma
vida, nenhum médico em sã consciência trabalharia a rotina em um local sem
condições de exercer uma boa medicina.
Não se opera
sem centro cirúrgico, não se medica sem remédios, não se faz curativo sem gaze
e esparadrapo. Infelizmente, os poucos lugares no Brasil onde há tudo isso e
nunca falta estrutura ou materiais são as instituições privadas. A regra nos
postos de atendimento público é funcionar como um inferno à brasileira: um dia
acaba a lenha, em outro falta o diabo e, no terceiro, esquecem-se de acender o
fogo.
A cada ano,
formam-se mais de 16 mil médicos. Cerca de 390 mil estudantes tentam entrar em
uma faculdade de medicina para ocupar uma dessas vagas. Nos últimos dez anos,
abriram-se 77 novas escolas no Brasil, é mais que uma por bimestre. Em 2009,
havia 185. Nos Estados Unidos, são 141. Dessas, apenas 27 foram criadas nos
últimos dez anos. Se as coisas continuarem assim, em vez de importar médicos,
precisaremos exportá-los. Isso em menos de uma década.
Não faltam
médicos no Brasil, o problema é a concentração deles nos grandes centros. Em
qualquer lugar do mundo, essa concentração é ocasionada por dois fatores:
infraestrutura e salário. Em geral, o médico tem dois ou mais empregos, um para
o sustento e outro para continuar o aprendizado. Se o governo quer médicos em
lugares remotos, deveria montar um bom hospital-escola na região, a exemplo do
que faz a Marinha do Brasil, que possui um hospital de ponta flutuando em rios
da Floresta Amazônica.
A partir de
2015 será mais fácil trabalhar como médico no Brasil se você fizer medicina na
Venezuela, por exemplo, e depois vir para cá. Hoje, existem mais de 600 médicos
formados por lá e ávidos pela ação do governo a seu favor. Sem contar os
brasileiros formados em universidades cubanas.
Na minha
juventude, espelhava-me em Che Guevara. Com exceção do charuto, ele era um
médico impecável, honesto e dedicado a seu propósito. Conviveu com as
diferenças de acesso à saúde e percebeu que a América Latina estava à mercê de
corruptos. Assim, formou-se revolucionário. Se o governo realmente quer trazer
alguns Ches, precisa considerar que eles podem se voltar contra o próprio
governo se esse continuar se desviando do compromisso de criar uma nação mais
justa.
Melhor seria
se o governo criasse um plano de carreira para o médico no trabalho público. É
preciso pagar um salário digno e dar condições duradouras para que possam
exercer a profissão, em qualquer região do País. Em vez disso, o governo
inventou de sequestrar estudantes de medicina, colocá-los em locais sem
estrutura e sem treinamento adequado [Nota da redação: o projeto do
governo de prorrogar em dois anos a graduação, em forma de atendimento no SUS,
foi revogada após a produção deste artigo].
Promete que
haverá médicos pós-graduados para supervisioná-los e mantê-los lá por dois
anos. Mas o custo de manter uma equipe tão especializada de supervisão pode
tornar inviável o ensino médico. Ou faltarão recursos para a assistência dos
pacientes.
Todo médico
pode trabalhar em quase qualquer lugar do mundo, mas a validação do diploma é
fundamental. Nesse processo, também é avaliado o conhecimento médico sobre as
peculiaridades do país onde quer atuar.
Trabalhei como
médico em outras nações e tive de validar meu diploma.
Também
trabalhei com médicos cubanos em Angola. Após o convênio entre os países
minguar, os cubanos que ficaram definitivamente por lá passaram a trabalhar em
clínicas particulares e em bons hospitais.
Trazer um
profissional da saúde que não tem fluência em nossa língua e não conhece o modus
operandi da medicina brasileira pode ocasionar sérios problemas. Atrair um
médico estrangeiro ao Brasil sem validar seu diploma não é importá-lo, é
contrabandeá-lo. Existe uma pergunta fundamental, ainda não respondida pelas
autoridades: se o governo trouxer um médico sem validação de currículo
para o Brasil e este cometer um erro durante o trabalho, de quem será a culpa?
Do próprio médico ou do governo que o trouxe para cá, sem a cautela de
avaliá-lo?
* Artigo
publicado originalmente na edição 757 de CartaCapital (17/07/2013)
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