quinta-feira, 11 de julho de 2013

Os limites do governo

Para oferecer serviços públicos gratuitos e de qualidade, é preciso uma reforma tributária realmente de esquerda, mas que não pode ser feita dentro do atual modelo de governabilidade
por Vladimir Safatle no GGN
Um mês após o início das manifestações nas principais cidades brasileiras ficam claros os limites da capacidade de ação dos governos. Contrariamente ao que muitos gostariam de nos fazer acreditar, os protestos tinham alguns objetivos bastante claros. Há de se desconfiar da pretensa humildade daqueles que se dizem ultrapassados pelos fatos, daqueles que começam seus comentários afirmando: “Tudo isso é muito complexo”. O apelo à complexidade é, muitas vezes, estratégia para não enxergar aquilo que, por ser muito óbvio, virou opaco.

Além das discussões sobre a crise de representação política, as manifestações ocorreram porque o ciclo de desenvolvimento permitido pelo lulismo se esgotou sem que o governo pudesse apresentar à opinião pública um segundo ciclo de ações capazes de aprofundar a construção da igualdade econômica. Lula não é Dilma. E, três anos após o início do governo dela, não havia avanço significativo algum em relação aos marcos de combate à desigualdade propostos pelo antecessor.
Quando as manifestações surgiram impulsionadas pela consciência da péssima qualidade dos transportes públicos, assim como por demandas relacionadas à educação e saúde, ficou claro que, intuitivamente, a população esperava de Dilma políticas efetivas para constituição de um sistema de serviços públicos gratuitos e de qualidade. Sem tal sistema, o desenvolvimento brasileiro seria como uma árvore sem frutos: bonita a distância, mas estéril.
Três anos se passaram e nada foi feito nesse sentido. Mesmo colocada contra a parede pela população, a presidenta apresentou um conjunto pífio de propostas que não parecem fazer parte de um plano ordenado. O governo agiu como quem procura combater uma enchente usando balde e pano de chão.
Para conter a revolta diante dos serviços de transporte público, ouvimos a promessa de criação de um fórum de discussão entre as várias instâncias dos governos. Nada de concreto sobre a proposta de tarifa zero, nem sequer, digamos, o desejo de testar sua viabilidade implantando-a de maneira experimental em algumas cidades ou em algumas regiões metropolitanas, como o prefeito de São Paulo poderia propor em articulação com o governo federal.
No quesito educação, vimos a mera reapresentação da proposta de 100% dos royalties do pré-sal. Como esse dinheiro cairá somente daqui a oito anos e como ainda não temos ideia alguma de quanto será, a única coisa possível de se dizer é que se trata de uma manobra diversionista. O governo agiria de maneira mais séria se apresentasse modificações no orçamento do ano que vem, aumentando radicalmente os gastos com a educação por meio do aumento do piso mínimo dos salários dos professores. Ele deveria ainda discutir a federalização do ensino, o que lhe permitiria investir na construção de escolas e bibliotecas, além de criar o ensino integral e definir currículos mínimos.
Por fim, instada a propor algo no campo da saúde, a presidenta só foi capaz de reapresentar a ideia de contratar médicos estrangeiros. Por mais que a iniciativa seja válida, não ouvimos nada sobre melhora das condições de trabalho nos hospitais federais ou sobre o aumento do financiamento do sistema de saúde.
No fundo, tais silêncios apenas demonstram que uma verdadeira discussão sobre a construção de um segundo ciclo de políticas de combate à desigualdade passa necessariamente por uma reforma tributária. Não é possível falar seriamente em serviços públicos em um país no qual os ricos pagam apenas 27% de Imposto de Renda, não há imposto sobre grandes fortunas e onde o imposto sobre herança é ridículo. Mas tudo o que o governo fez até agora foi apresentar desonerações que em muito pouco colaboraram para o desenvolvimento social.
Isso não deve nos estranhar, já que uma reforma tributária realmente de esquerda não pode ser feita dentro do modelo heteróclito de alianças e governabilidade próprio ao lulismo. É nessa impossibilidade que o modelo encontra a expressão de seu fim.

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