Um erro comum
do PT e do PSDB é acreditar que o jogo político só se desenrola pelas vias da
cooptação de setores atrasados do País
Por Vladimir
Safatle, na Carta Capital
Desde o
advento da Nova República, o Brasil conheceu dois ciclos estruturados de
governo. O primeiro começou com os oito anos da Presidência de Fernando
Henrique Cardoso, o segundo começou com Lula e termina agora.
Antes de
Fernando Henrique, o Brasil tentara, sem sucesso, implantar um desastrado
choque liberal com Fernando Collor, depois de um curto prazo de políticas
heterodoxas feitas no governo José Sarney ao ritmo de oportunismos eleitorais
do momento.
Fernando
Henrique e os seus tiveram, durante certo tempo, o desejo de se
constituírem como polo avançado de um pensamento social-democrata no Brasil,
mas acabaram por subir à cena política no exato momento em que a
social-democracia saía de cena no mundo.
Capitaneado
por Tony Blair e seus arautos da Terceira Via, o trabalhismo inglês dos anos 90
do século XX mostrou como era possível articular that-
cherismo, ternos bem cortados e promessas de modernização social.
Esse modelo
serviu de paradigma mundial. Gerhard Schroeder tentou fazer a lição de casa na
Alemanha. Já no Brasil, como em outros países latino-americanos, entre eles a
Argentina e o Chile, o choque liberal capitaneado por antigos
centro-esquerdistas foi feito no ritmo dos desmontes brutais da capacidade
gerencial do Estado e de sonhos de integração subalterna à economia
globalizada, tudo com direito a citações de Marx e Gramsci.
Quando o ciclo fernandista
terminou por inanição própria, outro ciclo estava em gestação. Durante toda a
década de 90, o PT crescera organicamente e de maneira contínua,
consolidando-se como uma alternativa de poder. Da mesma forma, como Fernando
Henrique soubera fornecer a pauta do debate nacional de ideias, abrindo seu
partido para uma seção dos intelectuais universitários, o PT crescera por meio
de uma articulação em que intelectuais e o setor progressista da Igreja
forneciam uma pauta alternativa de debates, legitimada, entre outras coisas,
por um forte lastro nos sindicatos e em outros movimentos sociais.
No poder, o PT
inaugurou um novo ciclo, muito bem caracterizado por André Singer como
“lulismo”. No momento em que o Brasil implementava seu novo ciclo político, o
mundo descobria o fracasso do choque liberal dos anos 90. Durante certo tempo,
esse modelo brasileiro, baseado na reconstrução de um capitalismo de Estado e
na criação de políticas capazes de minorar a desigualdade, pareceu a única
coisa a ficar de pé depois da crise de 2008.
Não foram
poucos aqueles que, na Europa, insistiam na necessidade de voltar os olhos para
as experiências políticas latino-americanas, em especial a brasileira.
Hoje fica
claro, porém, que o ciclo do “lulismo” acabou por não ter tido condição de
aprofundar suas políticas. A história conhece, no entanto, vários ciclos que
acabam, mas que, apesar disso, permanecem por não ter nada que a eles se
contraponha. Muitas vezes abre-se um tempo no qual nada ocorre e o que está
arruinado perpetua-se em uma degradação nostálgica. Há um risco, digamos, de
isso ocorrer nos próximos anos.
De fato, pela
primeira vez desde a redemocratização, assistimos ao fim de um ciclo político
sem, no entanto, existir um novo ciclo em gestação, com novos atores e novas
forças de organização do debate de ideias. Os dois grandes eixos da política
nacional oriundos do combate à ditadura, o PT e a ala mais ideologicamente
organizada do MDB que foi dar no PSDB, foram testados e deram o que eram
capazes de dar.
Os dois
incorreram em erros semelhantes, como acreditar que o jogo político
brasileiro só pode dar-se pelas vias da cooptação e gestão de setores do
atraso. Os dois acabaram reféns dos mesmos personagens, haja vista, por
exemplo, o fato de Renan Calheiros ter sido nos tempos de FHC e ser atualmente
peça fundamental no consórcio de poder.
Nesse quadro
de vazio, duas possibilidades se apresentam. A primeira, talvez o melhor
cenário, é o deslocamento do embate político para os extremos. É possível que
tenhamos em curto espaço de tempo uma radicalização política no cenário
brasileiro. Ao menos seria melhor do que o clima de bola parada que parece
querer se impor.
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