Por
que sou a favor da internação compulsória de dependentes de crack
A você que
considera essa solução higienista e antidemocrática, comparável àquela dos
manicômios medievais, pergunto: se sua filha estivesse maltrapilha e sem banho
numa sarjeta da Cracolândia, você a deixaria lá em nome do respeito à
cidadania, até que ela decidisse pedir ajuda?
De minha
parte, posso adiantar que fosse minha a filha, eu a retiraria dali nem que
atada a uma camisa de força.
Para lidar com
dependentes de crack, é preciso conhecer a natureza da enfermidade que os
aflige. Crack é droga de uso compulsivo causadora de uma doença crônica
caracterizada pelo risco de recaídas.
É de uso compulsivo, porque
vai dos pulmões ao cérebro em menos de dez segundos. Toda droga psicoativa com
intervalo tão curto entre a administração e a sensação de prazer provocada por
ela causa dependência de instalação rápida e duradoura – como a que sentem na
carne os dependentes de nicotina.
As recaídas
fazem parte do quadro, porque os circuitos de neurônios envolvidos nas
compulsões são ativados toda vez que o usuário se vê numa situação capaz de
evocar a memória do prazer que a droga lhe traz.
Quando os
críticos afirmam que internação forçada não cura a dependência, estão cobertos
de razão: dependência química é patologia incurável. Existem ex-usuários,
ex-dependentes não. Parei de fumar há 34 anos e ainda sonho com o cigarro.
Tenho alguma
experiência com internações compulsórias de usuários de crack. Infelizmente,
não são internações preventivas em clínicas especializadas, mas em presídios,
onde trancamos os que roubam para conseguir acesso à droga que os escravizou.
Na
Penitenciária Feminina atendo meninas presas na Cracolândia. Por interferência
da facção que impõe suas leis na maior parte das cadeias paulistas, é proibido
fumar crack. Emagrecidas e exaustas, ao chegarem, elas passam dois ou três dias
dormindo, as companheiras precisam acordá-las para as refeições. Depois desse
período, ficam agitadas por alguns dias e voltam à normalidade.
Desde que o
usuário não entre em contato com a droga, com alguém sob o efeito dela ou com
os ambientes em que a consumia, é muito mais fácil ficar livre do crack do que
do cigarro. A crise de abstinência insuportável que a cocaína provocaria é um
mito.
Perdi a conta
de quantas vezes as vi dar graças a Deus por terem vindo para a cadeia, porque
se continuassem na vida que levavam estariam mortas. Jamais ouvi delas os
argumentos usados pelos defensores do direito de fumar pedra até morrer, em
nome do livre-arbítrio.
Todas as
experiências mundiais com a liberação de espaços públicos para o uso de drogas
foram abandonadas, porque houve aumento da mortalidade.
A verdade é
que ninguém conhece o melhor método para tratar a dependência de crack.
Muito menos eu, apesar da convivência com dependentes dessa praga há mais de 20
anos.
A internação
compulsória acabará com o problema? É evidente que não. Especialmente, se vier
sem a criação de serviços ambulatoriais que ofereçam suporte psicológico e
social para reintegrar o ex-usuário.
Se esperarmos
avaliar a eficácia das internações pelo número dos que ficaram livres da droga
para sempre, ficaremos frustrados: é preciso entender que as recaídas fazem
parte intrínseca da enfermidade.
Em
cancerologia, vivemos situações semelhantes. Em certos casos de câncer
avançado, procuramos induzir remissões, às vezes com tratamentos agressivos.
Não deixamos de medicar pacientes com o argumento de que sofrerão recidivas.
Está mais do
que na hora de pararmos com discussões estéreis e paralisantes sobre a
abordagem ideal, para um problema tão urgente e dramático como a epidemia de
crack.
Se a decisão
de internar pessoas com a sobrevivência ameaçada pelo consumo da droga
amadureceu a ponto de ser implantada, vamos nessa direção. É pouco, mas é um
primeiro passo.
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Dag Vulpi