Os filhos de vítimas da ditadura militar (1964-1985) começaram ontem (6) a prestar depoimentos à Comissão da Verdade de São Paulo. Até a próxima sexta-feira (10), cerca de 50 pessoas deverão ser ouvidas durante o Seminário Verdade e Infância Roubada, promovido pela comissão na Assembleia Legislativa de São Paulo.
“Esta é uma semana especial para que essas pessoas, que viveram a ditadura por uma outra lente - já que são filhos, netos e parentes das pessoas que foram torturadas – possam prestar depoimentos”, disse o presidente da comissão, o deputado estadual Adriano Diogo. Até o final de seus trabalhos, a Comissão da Verdade de São Paulo espera concluir 154 processos relacionados à ditadura militar.
Dois dos filhos do sindicalista e ex-preso político José Ibrahim, que morreu na última quinta-feira (2), falaram hoje para os membros da comissão. Durante o depoimento, Carlos Eduardo disse que nasceu no Panamá, ainda durante o exílio dos pais. Quarenta dias depois de seu nascimento, ele e os pais foram expulsos do país e passaram a viver na Bélgica, onde permaneceram até 1979, quando foi promulgada a Anistia no país.
“Minha infância foi muito difícil”, disse. “Muitos filhos de exilados sofreram muito. Inclusive nossos telefones eram grampeados. Até o governo Collor, a vida do meu pai, da minha mãe e a minha eram controladas. Então, [a ditadura] teve um impacto muito forte na vida dos exilados”, ressaltou.
Em 1968, José Ibrahim era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região e liderou a greve da Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários (Cobrasma). Foi preso e torturado durante a ditadura militar. Em setembro de 1969, foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick. Viveu no exílio por dez anos, em países como o México, Chile e Cuba. Foi no Chile que José Ibrahim conheceu a mãe de Carlos Eduardo Martins Ibrahim.
Carlos Eduardo também declarou que teve dificuldade para obter a certidão de nascimento. “Eu não conseguia minha certidão de nascimento porque o primeiro marido da minha mãe [que foi morto durante a ditadura militar] era considerado vivo, mas estava morto. E meu pai [José Ibrahim] era considerado morto e estava vivo. Só consegui minha cidadania provisória depois que saiu o atestado de óbito do primeiro marido da minha mãe, quando eu já tinha uns 10 anos de idade. Até os 10 anos de idade, portanto, eu não existia”.
Na avaliação dele, os trabalhos que estão sendo feitos pela comissão vão ajudar a mostrar a verdade sobre os fatos. “A verdade tem que aparecer. Se cometeram muitas injustiças nesse país. E a justiça tem que vir à tona. A ditadura militar foi um câncer e até hoje não se conseguiu curar o tumor”, disse Carlos Eduardo, que falou acompanhado do irmão, Gabriel, que nasceu de outro casamento de José Ibrahim e que não viveu os anos de ditadura.
Também depôs hoje Clóvis Petit, irmão de Maria Lucia Petit, Jaime Petit da Silva e Lúcio Petit da Silva. Os três irmãos militantes desapareceram entre os anos de 1972 e 1974, na Guerrilha do Araguaia. Clóvis tinha cerca de 14 anos de idade quando os irmãos foram para o Araguaia e ficou em casa, cuidando da mãe, em Bauru (SP). “Minha mãe sempre teve essa esperança de encontrar os filhos”, disse. “Nossa família se desintegrou. Minha mãe poderia ter tido muitos netos, já que teve cinco filhos. No mínimo, no básico nós fomos atingidos”, ressaltou a irmã de Clóvis, Laura Petit da Silva.
Clóvis disse ainda esperar a punição dos torturadores e dos responsáveis pela morte de seus irmãos. “Quando soube da morte da Maria Lúcia, fiquei revoltado. Tive esperanças de que algum deles [irmãos] ainda estivesse vivo. Acabamos nutrindo esse tipo de esperança por algum momento. Passei por esse momento de revolta muito grande, que ainda não acabou. Ela ainda está sufocada em mim. Tenho revolta até hoje, principalmente quando se vê essa política dissimulada, de não enfrentar a questão de punição aos torturadores e assassinos. Não se pune torturadores e assassinos, que estão todos hoje na máquina pública”, ressaltou.
Paulo Fonteles Filho, também ouvido hoje pela comissão, falou sobre seus pais, que foram presos em outubro de 1971. “Minha mãe foi presa com cinco meses de gravidez. Nasci em Brasília, no Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército”, disse.
Durante seu depoimento, Paulo Fonteles defendeu que a sociedade brasileira vá às ruas para cobrar mudanças na Lei da Anistia, que impede a punição aos torturadores e assassinos do período. “O fato é que precisamos parar de certo idealismo achando que as comissões [da Verdade] vão punir. Nós precisamos ir para as ruas, tomar as coisas para as nossas mãos e propor que eles possam ser punidos. E acho que o caminho para isso é envolver o povo brasileiro na história”, destacou. Uma das propostas apresentadas durante os depoimentos de hoje sugere a instalação de tribunais populares para punir os torturadores.
Ao final dos trabalhos, a Comissão da Verdade de São Paulo exibiu o documentário Araguaia, Campo Sagrado, dirigido por Evandro Medeiros com a colaboração de Paulo Fonteles. “Este documentário mostra aspectos novos com relação à Guerrilha [do Araguaia]. Em particular, a manifestação de ex-mateiros e de ex-soldados que nos dá uma dimensão mais concreta do que foi a caçada militar no Araguaia. E, inclusive, nos sugerem que mais de 350 camponeses foram mortos entre 1972 e 1975, o que nos revela que os dados da ditadura militar no país são absolutamente parciais”, disse Paulo Fonteles, em entrevista à Agência Brasil.
AS informações são da Agencia Brasil.
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