terça-feira, 30 de abril de 2013

Internet à cubana

Por Pedro Doria 

Nenhuma ditadura é igual em seus métodos, tampouco na alma. Em Cuba, como no Irã, antenas parabólicas clandestinas ocupam Havana. Como na China, um grande centro para censura do tráfego de internet está sendo construído. Como na Coreia do Norte, a maioria das pessoas com acesso vê, na verdade, uma intranet fechada. Mas, diferentemente do caso coreano, existem táticas para driblar a intranet; diferentemente dos iranianos, a população está apática: o sonho dos jovens é escapar do país, não transformar o regime. E, diferentemente do governo chinês, o de Cuba é completamente inepto na lida com o mundo da informação livre.

Na segunda-feira (25/2) pela manhã, em sua última conversa com jornalistas antes de embarcar para Praga, na República Tcheca, a blogueira cubana Yoani Sánchez comentou um pouco sobre como circula a informação pela ilha dos irmãos Castro. Oficialmente, cerca de 20% dos cubanos têm algum tipo de acesso à internet. É, porém, à intranet oficial do governo. Tem sua própria versão da Wikipedia, está para sair um Facebook local. À rede de verdade, ainda assim censurada, só 3% – número estimado. É acesso discado. Uma internet tão lenta que, chegando ao Brasil, Yoani achou nosso 3G rapidíssimo.
Quem tem acesso à internet de fato são hotéis, embaixadas, estrangeiros residentes no país e algumas pessoas muito selecionadas e da inteira confiança do regime. Embora irregular, é possível entrar nos hotéis e acessar de lá. A hora custa algo entre US$ 6 e US$ 12, num país em que o salário médio é de US$ 20 mensais. Existe também um mercado negro de acesso. Muitos dos que têm internet em casa a revendem. O cubano ansioso por web compra nas ruas alguns minutos, recebe login, senha e um número para discar via modem.
“Sou transparente em minhas intenções”
O método mais popular de distribuição de informação digital, porém, é via pen-drives. Vende-se de tudo nestas mídias. Quem tem acesso a algum tipo de arquivo o copia e sai distribuindo. São programas de TV estrangeiros que vão de documentários a telenovelas, livros, cinema, páginas da web, artigos, imprensa e, evidentemente, pornografia. O cubano, como todo povo que vive sob regime estrito de censura, tem ânsia por todo tipo de informação.
É um mercado sofisticado. Um HD com 1Tb de informação sai por US$ 50 e programas de TV da Flórida cubana, do México e da Colômbia estão entre os mais requisitados. O mercado de antenas parabólicas é igualmente complexo. Em Teerã, elas pendem expostas nas casas, embora proibidas. Em Cuba, são disfarçadas de toda forma – caixas d’água falsas e destampadas são o método preferencial. A explosão de antenas fez surgir um mercado paralelo de TV a cabo. Quem tem antena distribui o fio pelos vizinhos. Em Havana, há bairros inteiros cabeados clandestinamente, criando supergatos por toda parte. Yoani não tinha dúvidas de que teria a recepção que teve pelos grupos de esquerda radical, no Brasil. Blogueiros cubanos ligados ao regime já falavam sobre isso. E ela não é a primeira dissidente que, no exterior, é perseguida por grupos pequenos, mas que falam alto por toda parte. É o método castrista. E, para uma ditadura, método mais tacanho é impossível. Afinal, só atrai mais atenção para o discurso do oposicionista. A blogueira permaneceu nas primeiras páginas apenas porque havia tantos tentando calá-la.
Os chineses adotaram a tática romana do pão e circo. O entretenimento, que a maior parte da população deseja, circula livremente. Selecionam cautelosamente o que censurar. Por proibir tudo, o governo cubano estimula ainda mais o mercado negro. Yoani Sánchez fala claramente de sua intenção ao voltar para Cuba. Vai criar o primeiro órgão de imprensa livre do país. Seu jornal será publicado pela web e distribuído como possível, nos pen-drives em arquivos PDF, impressos para que sigam de mão em mão, não importa. A rede para distribuição já existe. E ela não tem qualquer receio de falar abertamente sobre suas intenções. “Eu me comporto e sempre me comportarei como uma pessoa livre”, ela diz. “Sou transparente em minhas intenções. O ônus de impedir-me é do governo.”
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[Pedro Doria é colunista de O Globo]

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