O filme A Caça, do cineasta dinamarquês
Thomas Vinterberg, retrata um professor de educação infantil falsamente acusado
de molestar sexualmente as crianças da escola em que ministra suas aulas. Mesmo
depois de inocentado, ele continuará a sofrer em sua cidade com a reprovação
social de atos que nunca cometeu.
Diante de um filme tão lancinante assim, lembramos logo do
caso da Escola Base em São Paulo, cuja distância temporal nos dá o conforto de
que o fato não nos diz respeito. Porém, nós temos um acontecimento igualmente
difícil para nos posicionarmos. Diante dele, a maioria atira as pedras da
covardia e os demais se calam. Ousar discordar de quase tudo o que foi
veiculado até se tornar “verdade” é quase um ato de insanidade intelectual e
política.
José Dirceu foi sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal num julgamento
viciado desde o início. Só o calendário eleitoral adotado pelo tribunal,
condenando o réu às vésperas do primeiro e do segundo turno das eleições já
seria suficiente para desvelar a natureza política do julgamento.
Recentemente, Dirceu ofereceu uma denúncia contra um dos ministros que o teria
procurado para pedir apoio à sua indicação àquela corte. Este juiz não se
declarou impedido de participar da famigerada ação penal 470.
Ninguém achou estranho. Mas a mesma compreensão não teve o Ministro Toffoli,
ex-advogado do Partido dos Trabalhadores. Que um seja colocado sob suspeição e
outro não, é algo que só a grande imprensa opinativa pode esclarecer.
Quando o réu Marcos Valério acusou o ex-presidente Lula, o Procurador Geral da
República encaminhou as denúncias à justiça de Minas Gerais. Quando Dirceu
acusou o referido Ministro pedinte, o procurador desqualificou-o por ser réu! O
PT tratou o caso com o termo “incoerência”.
Ledo engano. Trata-se da mais perfeita coerência de uma ação política que visa
tão somente desmoralizar um partido e é surpreendente que ações tão
escandalosas não mereçam repúdio veemente. Se a mais alta corte do país declara
que houve compra de votos para aprovação de leis pelo Congresso Nacional, todas
as votações desde 2003 deveriam ser simplesmente anuladas!
A condenação política de José Dirceu já foi feita em 2005. Não importa que o
jornalista Raimundo Pereira, debruçado sobre o caso desde aquela época, autor
de um livro sobre o tema, demonstre cabalmente a inconsistência das acusações.
E que a malfadada Teoria do Domínio do Fato, cujo uso brasileiro e casuístico
foi desautorizado pelo próprio autor alemão, tenha substituído as provas,
também não deve nos incomodar.
Independentemente das críticas políticas que possamos ter às escolhas do PT
antes e depois de sua chegada ao poder, cedo ou tarde todos teremos que
entender o que está em jogo. É o precedente de um julgamento de exceção em
plena democracia.
* Lincoln Secco é professor do
Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH) da USP.
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