A
Associação dos Magistrados Brasileiros, a Associação dos Juízes Federais do
Brasil e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho emitiram
neste sábado (2/3) nota pública em que classificam de “preconceituosa,
generalista, superficial e, sobretudo, desrespeitosa” a declaração do
presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, a jornalistas
estrangeiros.
Em entrevista
coletiva concedida na quinta-feira (28/2) a correspondentes
internacionais, Barbosa afirmou que os juízes brasileiros têm mentalidade “mais
conservadora, pró status quo, pró impunidade”. Já os integrantes das
carreiras do Ministério Público seriam “rebeldes, contra status quo, com
pouquíssimas exceções”.
Para
as entidades que representam os juízes, as conclusões de Joaquim Barbosa partem
de “percepções preconcebidas”. Os juízes consideram “incabível” a comparação
das carreiras da magistratura e a do Ministério Público, já que o MP é a parte
responsável pela acusação no processo penal enquanto os juízes não têm
obrigação nem com a defesa nem com a acusação, mas "a missão
constitucional de ser imparcial" e garantir um processo justo.
As
entidades afirmam que não têm sido ouvidas pelo presidente do STF e disseram
que o "isolacionismo" de Barbosa "parte do pressuposto de ser o
único detentor da verdade".
Assinam
o documento o presidente da AMB, Nelson Calandra, o da Ajufe, Nino Toldo, e o
da Anamatra, Renato Henry Sant’Anna.
Leia abaixo a íntegra da nota:
A
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais
do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do
Trabalho (Anamatra), entidades de classe de âmbito nacional da magistratura, a
propósito de declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em
entrevista a jornalistas estrangeiros, na qual Sua Excelência faz ilações sobre
a mentalidade dos magistrados brasileiros, vêm a público manifestar-se nos
seguintes termos:
1.
Causa perplexidade aos juízes brasileiros a forma preconceituosa, generalista,
superficial e, sobretudo, desrespeitosa com que o ministro Joaquim Barbosa
enxerga os membros do Poder Judiciário brasileiro.
2.
Partindo de percepções preconcebidas, o ministro Joaquim Barbosa chega a
conclusões que não se coadunam com a realidade vivida por milhares de
magistrados brasileiros, especialmente aqueles que têm competência em matéria
penal.
3.
A comparação entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, no que
toca à “mentalidade”, é absolutamente incabível, considerando-se que o
Ministério Público é parte no processo penal, encarregado da acusação, enquanto
a magistratura —que não tem compromisso com a acusação nem com a defesa— tem a
missão constitucional de ser imparcial, garantindo o processo penal justo.
4.
A garantia do processo penal justo, pressuposto da atuação do magistrado na
seara penal, é fundamental para a democracia, estando intimamente ligada à
independência judicial, que o ministro Joaquim Barbosa, como presidente do STF,
deveria defender.
5.
Se há impunidade no Brasil, isso decorre de causas mais complexas que a
reducionista ideia de um problema de “mentalidade” dos magistrados. As
distorções —que precisam ser corrigidas— decorrem, dentre outras coisas, da
ausência de estrutura adequada dos órgãos de investigação policial; de uma
legislação processual penal desatualizada, que permite inúmeras possibilidades
de recursos e impugnações, sem se falar no sistema prisional, que é inadequado
para as necessidades do país.
6.
As entidades de classe da magistratura, lamentavelmente, não têm sido ouvidas
pelo presidente do STF. O seu isolacionismo, a parecer que parte do pressuposto
de ser o único detentor da verdade e do conhecimento, denota prescindir do
auxílio e da experiência de quem vivencia as angústias e as vicissitudes dos
aplicadores do direito no Brasil.
7.
A independência funcional da magistratura é corolário do Estado Democrático de
Direito, cabendo aos juízes, por imperativo constitucional, motivar suas
decisões de acordo com a convicção livremente formada a partir das provas
regularmente produzidas. Por isso, não cabe a nenhum órgão administrativo,
muito menos ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a função de tutelar ou
corrigir o pensamento e a convicção dos magistrados brasileiros.
8.
A violência simbólica das palavras do ministro Joaquim Barbosa acendem o aviso
de alerta contra eventuais tentativas de se diminuírem a liberdade e a
independência da magistratura brasileira. A sociedade não pode aceitar isso.
Violar a independência da magistratura é violar a democracia.
9.
As entidades de classe não compactuam com o desvio de finalidade na condução de
processos judiciais e são favoráveis à punição dos comportamentos ilícitos,
quando devidamente provados dentro do devido processo legal, com garantia do
contraditório e da ampla defesa. Todavia, não admitem que sejam lançadas
dúvidas genéricas sobre a lisura e a integridade dos magistrados
brasileiros.
10.
A Ajufe, a AMB e a Anamatra esperam do ministro Joaquim Barbosa comportamento
compatível com o alto cargo que ocupa, bem como tratamento respeitoso aos
magistrados brasileiros, qualquer que seja o grau de jurisdição.
Brasília,
2 de março de 2013.
Nelson
Calandra
Presidente
da AMB
Nino
Oliveira Toldo
Presidente
da Ajufe
Renato
Henry Sant'Anna
Presidente
da Anamatra
Via
Revista Consultor Jurídico
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