Ministérios
alegam falta de estrutura e mantêm papéis indisponíveis a pesquisadores
O
governo federal retém milhares de documentos produzidos por ministros de Estado
na ditadura militar (1964-1985), hoje fora do alcance imediato de
pesquisadores. É o que revela levantamento feito durante quatro meses
pela Folha, que visitou arquivos nos ministérios e copiou centenas de
páginas.
O
material inclui avisos, memorandos, ofícios, exposições de motivos e telegramas
produzidos pelas mais altas autoridades do regime militar, incluindo os então
ministros das três Forças Armadas, da Fazenda e da Justiça.
Guardados
em pelo menos nove órgãos federais em Brasília, esses papéis não estão sob
controle do Arquivo Nacional, que tem a tarefa de catalogar e armazenar o
acervo da ditadura, nem da Comissão da Verdade, criada para investigar abusos
contra os direitos humanos no período.
O
acesso a esses documentos é dificultado por uma série de deficiências dos
ministérios. Alguns oferecem apenas alguns dias do mês para a pesquisa. Em
geral não há local adequado para a leitura dos papéis, com exceção do
Ministério das Relações Exteriores, que possui salas próprias para
pesquisadores.
A
maioria dos órgãos exige que os pedidos fiquem restritos a certos períodos de
tempo, o que inviabiliza um acesso amplo ao acervo. Embora tenha liberado o
acesso a alguns papéis solicitados pela reportagem, o Comando do Exército se
recusou a autorizar uma visita ao seu arquivo, alegando que se trata de uma
"área de segurança".
O
caso da Casa Civil da Presidência da República é o mais problemático. O órgão
reconheceu por escrito a existência de documentos produzidos na década de 70
pelo então Gabinete Civil, que durante cinco anos, de 1974 a 1979, esteve nas mãos
do general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), um dos cérebros do regime
ditatorial.
Mas
o ministério, atualmente sob a gestão da ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR), se
recusou a permitir o acesso a qualquer documento, sob a alegação de falta de
pessoal e tempo para analisar os papéis e verificar se incluíam
"informação pessoal" que não pudesse ser divulgada.
A Folha recorreu
contra a proibição apelando à CGU (Controladoria-Geral da União), que analisa o
assunto desde o dia 14 de fevereiro.
A
absoluta maioria dos documentos localizados pela reportagem não está
catalogada, não tem seu conteúdo descrito e não está plenamente acessível à
consulta do público.
O
Comando da Aeronáutica reconheceu a existência de dezenas de caixas de
microfilmes. Num primeiro momento, a Aeronáutica autorizou a Folha a examinar o
material durante sessões de 50 minutos por semana, num aparelho operado por um
oficial do gabinete.
Após
duas semanas, ficou evidente a inviabilidade da pesquisa. A reportagem então
solicitou cópia integral de uma lata de microfilme marcada como
"confidencial", com um número indeterminado de páginas. O pedido foi
feito em 17 de janeiro, e continua sem resposta até hoje.
NO SUBSOLO
A Folha descobriu
quase por acaso a existência dessas coleções de papéis. Desde junho do ano
passado, a reportagem tenta localizar na Esplanada dos Ministérios qualquer
documento oficial que possa esclarecer o que ocorreu na década de 70 com os
índios uaimiris-atroaris, no Amazonas. Indigenistas falam em 2.000 índios que
teriam sido mortos pelo Exército num intervalo de seis anos.
Em
outubro passado, ao ser consultado se possuía papéis sobre os índios,
produzidos entre 1970 e 1976, o Ministério da Justiça respondeu que o material
desse período compreendia 120 volumes encadernados com cerca de 500 páginas
cada um, cerca de 60 mil páginas no total. O ministério informou que o material
estava em salas do subsolo do prédio em que funciona.
A
resposta sugeriu a existência de outros arquivos semelhantes. A reportagem
então fez questionamentos com base na Lei de Acesso à Informação a outros
ministérios e órgãos federais que pudessem conter material do gênero.
O
tratamento do governo para esses papéis não é o mesmo dado a outros documentos
do período. O acervo do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações), que está
no Arquivo Nacional, pode ser consultado sem restrições, numa sala arejada e
equipada com computadores.
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