domingo, 3 de março de 2013

Documentos da ditadura são retidos em arquivos federais, diz jornal

Ministérios alegam falta de estrutura e mantêm papéis indisponíveis a pesquisadores

O governo federal retém milhares de documentos produzidos por ministros de Estado na ditadura militar (1964-1985), hoje fora do alcance imediato de pesquisadores. É o que revela levantamento feito durante quatro meses pela Folha, que visitou arquivos nos ministérios e copiou centenas de páginas.

O material inclui avisos, memorandos, ofícios, exposições de motivos e telegramas produzidos pelas mais altas autoridades do regime militar, incluindo os então ministros das três Forças Armadas, da Fazenda e da Justiça.

Guardados em pelo menos nove órgãos federais em Brasília, esses papéis não estão sob controle do Arquivo Nacional, que tem a tarefa de catalogar e armazenar o acervo da ditadura, nem da Comissão da Verdade, criada para investigar abusos contra os direitos humanos no período.

O acesso a esses documentos é dificultado por uma série de deficiências dos ministérios. Alguns oferecem apenas alguns dias do mês para a pesquisa. Em geral não há local adequado para a leitura dos papéis, com exceção do Ministério das Relações Exteriores, que possui salas próprias para pesquisadores.

A maioria dos órgãos exige que os pedidos fiquem restritos a certos períodos de tempo, o que inviabiliza um acesso amplo ao acervo. Embora tenha liberado o acesso a alguns papéis solicitados pela reportagem, o Comando do Exército se recusou a autorizar uma visita ao seu arquivo, alegando que se trata de uma "área de segurança".

O caso da Casa Civil da Presidência da República é o mais problemático. O órgão reconheceu por escrito a existência de documentos produzidos na década de 70 pelo então Gabinete Civil, que durante cinco anos, de 1974 a 1979, esteve nas mãos do general Golbery do Couto e Silva (1911-1987), um dos cérebros do regime ditatorial.

Mas o ministério, atualmente sob a gestão da ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR), se recusou a permitir o acesso a qualquer documento, sob a alegação de falta de pessoal e tempo para analisar os papéis e verificar se incluíam "informação pessoal" que não pudesse ser divulgada.

A Folha recorreu contra a proibição apelando à CGU (Controladoria-Geral da União), que analisa o assunto desde o dia 14 de fevereiro.

A absoluta maioria dos documentos localizados pela reportagem não está catalogada, não tem seu conteúdo descrito e não está plenamente acessível à consulta do público.

O Comando da Aeronáutica reconheceu a existência de dezenas de caixas de microfilmes. Num primeiro momento, a Aeronáutica autorizou a Folha a examinar o material durante sessões de 50 minutos por semana, num aparelho operado por um oficial do gabinete.

Após duas semanas, ficou evidente a inviabilidade da pesquisa. A reportagem então solicitou cópia integral de uma lata de microfilme marcada como "confidencial", com um número indeterminado de páginas. O pedido foi feito em 17 de janeiro, e continua sem resposta até hoje.

NO SUBSOLO
A Folha descobriu quase por acaso a existência dessas coleções de papéis. Desde junho do ano passado, a reportagem tenta localizar na Esplanada dos Ministérios qualquer documento oficial que possa esclarecer o que ocorreu na década de 70 com os índios uaimiris-atroaris, no Amazonas. Indigenistas falam em 2.000 índios que teriam sido mortos pelo Exército num intervalo de seis anos.
Em outubro passado, ao ser consultado se possuía papéis sobre os índios, produzidos entre 1970 e 1976, o Ministério da Justiça respondeu que o material desse período compreendia 120 volumes encadernados com cerca de 500 páginas cada um, cerca de 60 mil páginas no total. O ministério informou que o material estava em salas do subsolo do prédio em que funciona.

A resposta sugeriu a existência de outros arquivos semelhantes. A reportagem então fez questionamentos com base na Lei de Acesso à Informação a outros ministérios e órgãos federais que pudessem conter material do gênero.

O tratamento do governo para esses papéis não é o mesmo dado a outros documentos do período. O acervo do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações), que está no Arquivo Nacional, pode ser consultado sem restrições, numa sala arejada e equipada com computadores.

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