Remuneração é dada de forma
automática e indiscriminada a todos os parlamentares
Alencar da Silveira. Sete
imóveis em Belo
Horizonte Terceiro / Guilherme Bergamini
/Assembleia Legislativa de MG
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O
pagamento de auxílio-moradia a parlamentares tornou-se sinônimo de farra com
dinheiro público nas Assembleias Legislativas brasileiras. Deputados estaduais
de sete estados recebem todo mês no contracheque a verba sem que haja qualquer
controle sobre se eles tiveram ou não esse tipo de despesa. A conta para o
contribuinte chegará neste ano a R$ 11,5 milhões. A remuneração é dada de forma
automática e indiscriminada a todos os parlamentares, inclusive para aqueles
que têm residência fixa nas cidades onde ficam os Legislativos, o que, em
princípio, dispensaria o benefício.
Adotam
a prática polêmica as Assembleias Legislativas de São Paulo, Maranhão, Bahia,
Pará, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Mais do que moradia
garantida, há deputados que têm diversos imóveis residenciais nas capitais e,
mesmo assim, são contemplados com a verba.
No
Maranhão, O GLOBO encontrou seis imóveis em São Luís na declaração do deputado
Manoel Ribeiro (PTB) à Justiça Eleitoral, em 2010, e sete na declaração de
Antonio Pereira (DEM). Em São Paulo, há, pelo menos, quatro casos: Campos
Machado (PTB), que tem 13 imóveis declarados na capital paulista; Salim
Curiatti (PP), com cinco; Edson Ferrarini (PTB), com oito; e Celino Cardoso
(PSDB), com cinco.
Em
São Paulo, o caso foi parar no Ministério Público estadual, e a Justiça
suspendeu, via liminar, o pagamento do auxílio aos 94 deputados paulistas no
fim de janeiro. É a primeira decisão desse tipo no país. Ao todo, 388 deputados
estaduais recebem o auxílio no contracheque sem precisar comprovar despesas.
Para
o MP, da forma como está sendo usado, o benefício assemelha-se mais a “benesse”
do que a ajuda de custo. A promotoria tomou conhecimento da prática, por acaso,
durante uma investigação, em 2006, sobre possíveis pagamentos indevidos aos
deputados, como verbas de gabinete, auxílio-paletó e contratação de seguro de
vida. Foi instaurado um inquérito à parte e, no ano passado, a promotoria
apresentou representação contra a Assembleia sobre o auxílio-moradia.
Para
os promotores, o pagamento indiscriminado aos deputados sem comprovação da
despesa com aluguel ou hospedagem é inconstitucional e causa danos ao Erário.
Mesmo entendimento teve o juiz Luís Manoel Fonseca Pires, que, no último dia
30, mandou suspender, liminarmente, os pagamentos em São Paulo.
O
juiz entendeu que o auxílio-moradia é uma verba de caráter indenizatório, ou
seja, paga como reembolso. Mesmo entendimento tem tido o Supremo Tribunal
Federal (STF) ao julgar casos de pedido de incorporação do auxílio-moradia às
aposentadorias. Até hoje, a Corte nunca foi provocada a analisar a concessão
automática do auxílio nas Assembleias.
A
Assembleia paulista informou que recorrerá da decisão. Apesar da determinação
judicial, o pagamento de janeiro foi realizado — cerca de R$ 211 mil.
Pelo
país, os números mostram que, se a verba fosse paga com mais rigor, a economia
para os Legislativos seria relevante. No Maranhão, por exemplo, ela chegaria a
44%. Neste ano, o estado deverá desembolsar R$ 1,1 milhão com a regalia. São
Paulo reduziria pelo menos em um terço a despesa de R$ 2,5 milhões prevista
para este ano. Na Bahia, segundo a assessoria de imprensa da Assembleia
Legislativa, 90% dos deputados estaduais têm residência em Salvador.
O
auxílio-moradia adotado pelos Legislativos estaduais é similar ao pago pela
Câmara dos Deputados. Em Brasília, ele é uma ajuda de custo para os
parlamentares que não ocupam um dos 432 apartamentos funcionais (ao todo, são
513 deputados federais). Nas Assembleias, deveria ser concedido a quem mora
distante da capital para pagar aluguel ou hospedagem nos dias de trabalho no
Legislativo. O teto do auxílio federal é de R$ 3 mil. As Assembleias — exceto
Santa Catarina — adotam como valor 75% desse montante (R$ 2.250), mesmo
critério usado para o cálculo do salário dos deputados.
Em
Santa Catarina, além de auxílio-moradia incorporado ao salário sem necessidade
de prestação de contas, os deputados ainda conseguiram, no apagar das luzes de
2012, aumentar a verba em 79%. Desde então, o estado é o que paga o benefício
mais generoso do país a deputados estaduais: R$ 4.378. Apenas um dos 42
deputados da Casa abriu mão da regalia.
Para
justificar o aumento, os deputados usaram uma brecha jurídica criando isonomia
ao valor pago como auxílio-moradia para os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF), que desde setembro de 2011 tem o mesmo valor hoje pago em Santa
Catarina. O presidente da Assembleia Legislativa, Joares Ponticelli (PP), disse
que, “como não se trata de subsídio”, a Assembleia não precisaria seguir a
regra determinando que a verba poderia ser, no máximo, o equivalente a 75% do
que se paga na Câmara.
—
O preço do aluguel não faz diferença para a hierarquia de cargo. Tanto vale
para o deputado estadual, o federal, o desembargador ou o ministro — disse ele.
Dos
cinco deputados que moram na Região Metropolitana de Florianópolis, apenas
Edson Andrino (PMDB) abriu mão da verba. As bancadas de PT, PC do B e PDT até
votaram contra o reajuste, mas nenhum deles abriu mão do valor extra quando ele
começou a ser pago.
O
deputado Sargento Amauri Soares (PDT), que vive na Grande Florianópolis,
garantiu ter votado contra o reajuste, porque, segundo ele, trata-se de uma
forma disfarçada de salário. No entanto, ele não abriu mão do benefício,
alegando que doaria o valor:
—
É uma forma disfarçada de aumentar o salário. Vou contribuir com esse valor
para a construção de uma escola de formação de agentes sociais.
De
todos os Legislativos consultados, somente o do Rio de Janeiro exige
comprovante de gasto com aluguel ou hospedagem para liberar o auxílio. O
benefício fluminense é de até R$ 2.250 para deputados que morem a mais de cem
quilômetros da capital. É pago inclusive durante o recesso, segundo deputados
que recebem o benefício, pois o recesso seria do plenário, não do gabinete, e
muitos parlamentares iriam ao gabinete durante o período. Para comprovar a
necessidade do auxílio, é exigido, mensalmente, o recibo do aluguel ou da
diária do hotel que o parlamentar teve de pagar no Rio.
Nos
demais estados consultados, a maioria das Assembleias argumentou que não
disponibiliza o benefício porque os deputados teriam residência nas capitais.
—
Não temos isso aqui, não. Todo mundo tem imóvel em Teresina. Não há necessidade
— disse o presidente da Assembleia do Piauí, Themistocles Filho (PMDB).
São
16 estados nesse grupo. Goiás é o caso mais recente. Segundo a Assembleia
Legislativa, um ato assinado na sexta-feira passada extinguiu o benefício.
O
pagamento automático da ajuda de custo está tão incorporado à rotina dos
deputados que, às vezes, é esquecido pelos próprios. No Mato Grosso do Sul, o
presidente do Legislativo há quatro mandatos, Jerson Domingos (PMDB),
desconhecia a existência do benefício. Primeiro, afirmou ao GLOBO que não
existia o auxílio para os parlamentares.
—
As distâncias percorridas pelos deputados para chegar à Assembleia são curtas,
de 100 a 200 quilômetros. Não tem necessidade — disse.
Mais
tarde, ele retornou a ligação para se corrigir:
—
Pagamos, sim, auxílio-moradia. É 75% do que recebe o deputado federal.
O
Globo
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