O presidente nacional da Ordem dos
Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, defendeu, em entrevista concedida ao
jornal Folha de Pernambuco, publicada nesta segunda-feira (14/1), a
reforma política no Brasil. Entre as mudanças necessárias, Ophir apontou o
financiamento público de campanhas. Para o presidente da OAB, não é justo que
um “candidato conhecido de uma empresa tenha uma verba de campanha muito maior
do que aquele que não é conhecido”. Após comandar o Conselho Federal da Ordem
por três anos, Ophir deixa a presidência da entidade no fim de janeiro.
Leia a entrevista:
Um
dos temas nos quais a OAB se faz muito presente é a defesa da ética na
política. Recentemente tivemos o julgamento de um caso de grande simbolismo no
combate à impunidade na política, que foi o mensalão. Como o senhor avalia esse
caso?
Ophir
Cavalcante — É um processo que tem um simbolismo muito forte. É o Estado
dizendo para os agentes públicos, ou aqueles que eram agentes públicos naquele
momento e que cometeram deslizes, que a lei tem que ser igual para todos. Esse
é a grande lição que fica como uma consequência desse julgamento. A lei tem que
ser igual para o mais humilde cidadão e também, na sua rigidez, ser aplicada ao
mais elevado integrante do escalão da República. Portanto, esse julgamento tem
esse simbolismo muito forte e também é uma forma de o Judiciário reafirmar que
ele é um Poder tão importante quanto o Legislativo e o Executivo. Não é o fato
do Legislativo e do Executivo serem eleitos, que o voto, que é muito importante,
que é a legitimidade da democracia, seja um salvo conduto para desvios éticos,
desvios de comportamento que causam prejuízos ao erário. Portanto, a Ordem não
abre mão dessa luta porque isso é uma luta da sociedade, da democracia em nosso
país.
Muito
se falou na espetacularização da Justiça nesse julgamento, até como resultado
da forte pressão da opinião pública. O senhor acredita que essa pressão tenha
interferido no resultado final do processo?
Ophir
Cavalcante — Dentro de uma democracia, do país livre que graças a Deus
somos hoje, da liberdade de expressão, liberdade de Imprensa, é fundamental que
a sociedade e a imprensa atuem dentro de uma legítima pressão em torno do
Estado, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário. Vemos isso em todas
as áreas. Essa demanda da sociedade brasileira por mais justiça, para acabar
com a impunidade, para se combater a corrupção, certamente exerce uma
influência nos julgamentos de um modo geral. Mas não é determinante, porque se
não houve elementos probatórios suficientes, nenhum juiz vai condenar só por
conta dessa pressão legítima, que é feita pela sociedade. A pressão pública,
portanto, não foi determinante para que o Supremo chegasse ao veredicto que
chegou. Poderia ter chegado a esse veredicto ou não ter chegado a esse
veredicto independentemente da pressão popular.
Além
do Mensalão, tivemos também recentemente a Lei da Ficha que foi outra conquista
importante. Mas o que ainda precisa mudar na política brasileira e como a OAB
participa dessa pretensa mudança?
Ophir
Cavalcante — Reforma política. O próximo passo é a reforma política. A
Ficha Limpa inaugurou um momento importante, um início de uma reforma política
no nosso país, onde a sociedade, através de um projeto de iniciativa popular,
com quase cinco milhões de assinaturas, disse que queria uma política menos
contaminada pela influência dos caixas-dois, pela influência de todos os
"ismos": os mandonismos, os nepotismos, os coronelismos... Todos os
"ismos" que sempre foram muito nefastos para o cidadão, porque lhe
retiravam recursos para a saúde, para a segurança, para a educação e desviavam
para os bolsos de alguns poucos. E para o futuro, é necessário que haja um
outro passo, que é o da reforma política. Nós já identificamos quais são as
causas: caixa-dois. Dez entre dez políticos dizem que isso acontece. O Mensalão
revelou a existência disso. Várias outras situações revelam isso.
O
que fazer para combater esse problema?
Ophir
Cavalcante — A Ordem defende uma reforma política, e entre os aspectos que
precisam ser reformados, um diz respeito ao financiamento privado,
financiamento de empresas para campanhas eleitorais. E a Ordem fez mais: a
Ordem propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei eleitoral
federal que permite que empresas financiem campanhas eleitorais. Não é justo,
desequilibra o pleito eleitoral, quebra o princípio da isonomia dos candidatos,
que alguém que seja conhecido de uma empresa tenha uma verba de campanha muito
maior do que aquele que não é conhecido dessa empresa ou que não vai
defender lobby de determinados segmentos. O princípio adotado deve
ser: um homem, um voto. Uma empresa não é um homem, é uma ficção jurídica e não
pode interferir nesse processo.
Dilma
Roussef concluiu seus dois primeiros anos de mandato. Como o senhor avalia esse
período inicial?
Ophir
Cavalcante — Dilma foi eleita com uma margem expressiva de votos. É um
reflexo da vontade do povo. Ela está começando um governo que tem procurado
agir de forma reativa às denúncias de corrupção. É claro que gostaríamos que
esta ação fosse preventiva. Gostaríamos que ela exigisse a Ficha Limpa também
dos outros cargos do Executivo federal. Mas ela está procurando acertar. Ainda
não encontrou o caminho, mas nós, brasileiros, queremos que ela encontre.
Encontre também o caminho de não nos onerar com mais impostos e extinguir as
antigas práticas eleitorais negativas.
A
presidente, que é uma ex-presa política, também oficializou a criação da
Comissão da Verdade e a abertura dos arquivos da ditadura. O que isso traz de
positivo para o país?
Ophir
Cavalcante — Conhecer a nossa história. É isso que a Comissão nos oferece.
E é fundamental o acesso a isso. Porque o povo precisa conhecer a memória do
país, e só se conhece a memória com o acesso também ao passado recente. Conhecer,
saber a repercussão que os fatos tiveram na vida das pessoas, para não repetir
essa conduta que foi tão nefasta para a democracia e aprender com os erros.
O
senhor está encerrando seu mandato na OAB no fim deste mês. Como avalia esse
período de três anos em que permaneceu à frente da Ordem?
Ophir
Cavalcante — Foi um mandato de muitas lutas. Destaco três delas, de
fundamental importância para toda a sociedade. A primeira é a Ficha Limpa, da
qual a OAB participou ativamente, atuando junto à Câmara e ao Senado para
defender esse instrumento tão importante para a democracia brasileira. A
segunda foi a luta para manter os poderes do Conselho Nacional de Justiça. A
Justiça brasileira só se afirma ao garantir a manutenção de um órgão com
poderes para corrigir os poucos desvios éticos. Ter um órgão externo de
fiscalização quebra o paradigma de que na Justiça tudo se resolve internamente.
Tivemos alguma resistência corporativista com relação ao CNJ, em especial de
entidades de classe dos magistrados e alguns Tribunais de Justiça. Mas não
abrimos mão do CNJ e a Ordem lutou para que isso — a retirada de poderes do
órgão, esvaziando seu sentido — não acontecesse. A Justiça fica mais forte com
o CNJ. E os magistrados sérios sabem que não têm nada a temer. A terceira
questão é a luta pela constitucionalização do Exame de Ordem. Isso é importante
para a sociedade em geral porque o advogado institui a defesa do cidadão. E
para defender o cidadão bem, é preciso uma advocacia forte e com formação
adequada.
Embora
alguns não consigam perceber, a liberdade de advocacia interfere de modo direto
na sociedade em geral?
Ophir
Cavalcante — O advogado precisa ter sua liberdade, sua independência
funcional respeitada. É aquilo que nós chamamos de prerrogativas profissionais,
que buscamos sempre defender, que muitas vezes o cidadão não compreende o que
significa. Por que lutar para que o advogado tenha alguns direitos de liberdade
e independência? Porque isso tem um reflexo direto na defesa do cidadão.
Imagine se um advogado tiver medo de defender o seu cliente. O cliente dele vai
ser uma presa fácil de um Estado policialesco ou de arbitrariedades que possam
ser cometidas e que não encontram guarita no Direito. Por isso os dois
principais papéis, de defesa da sociedade e de defesa da advocacia, estão
umbilicalmente ligados já que a vocação do advogado é de defender as
liberdades, a democracia.
Que
conselho o senhor deixa para o próximo presidente da OAB?
Ophir
Cavalcante — Que nunca deixe a Ordem ficar a reboque da política
partidária ou de grupos de interesse privado. Só assim manteremos o respeito
que temos hoje.
Via Revista Consultor
Jurídico, 15 de janeiro de 2013
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