80% de Reincidência é compatível com
os investimentos em torturas utilizados em nossos cárceres
*Conceição Cinti
A pena privativa de liberdade além de ser a
contrapartida do Estado ao transgressor da lei tem como função a
ressocialização do preso visando a sua posterior reinserção na sociedade.
Quando um delito acontece, no auge da emoção costumamos revelar nossos sentimentos
mais atávicos, como a vingança.
Muitos buscam na pena exclusivamente a
vingança pelo crime. Por essa razão acham que a pessoa presa perde não apenas
seu direito de liberdade, mas também seus direitos e garantias individuais,
sendo natural que o preso fique refém de toda a sorte de crueldades.
Por mais forte que seja esse sentimento de
vingança comum aos seres humanos temos que civilizadamente desenvolver e
promover outros sentimentos, próprios das sociedades evoluídas maduras: de
justiça e de solidariedade com as vítimas do crime e as vítimas das atrocidades
do sistema carcerário.
Na prática, lamentavelmente, nossos
cárceres são redutos de crueldades, palco para o desrespeito aos direitos
humanos dos presos. A sociedade ainda não enxerga que fatos como esses redundam
em mais violência indiscriminada contra a sociedade. De maneira transparente
esses fatos são elucidados nos excelentes artigos do renomado Jurista Luiz
Flávio Gomes.
O sentimento desmesurado de vingança parte
do clamor público e é absorvido e alardeado pela mídia; chega em seguida aos
olhos e ouvidos dos promotores e juízes que, pressionados, empenham-se em
elevar o percentual de presos, especialmente os provisórios. Em 1990 era um
contigente de 18% e alcançou o altíssimo percentual de 44% em 2010. Isso
precisa ser racionalmente contido como medida preventiva e justa, suavizando o
torturante sistema carcerário brasileiro.
As pessoas nunca são capazes de se colocar
no lugar do outro, do preso, da família do preso, mais especificamente, dos
pais do preso, da mãe do preso. A pena que legalmente não pode ultrapassar a
pessoa do delinquente, na prática, atinge seus familiares de uma forma
esmagadora: sem exceção, todos são tratados como delinquentes.
Pessoas que agem dessa forma estão alheias
à realidade. O ser humano é complexo, imprevisível, nunca nos imaginamos agente
ativo de um delito, como se o ser humano fosse alguém totalmente presumível,
pleno apenas de virtudes, invariavelmente o mesmo. O ser humano, não importa a
classe social a que pertence, em sua maioria, é incapaz de compreender e gerir
com êxito seus próprios conflitos internos e externos de onde advêm as
tragédias. Mas esse raciocinio não funciona para o delinquente pobre.
É evidente que o crime fere a sociedade e
tal fato precisa de uma resposta justa do poder público. Uma resposta que
extrapole a barreira da comoção inoperante, causada pelo clamor público
corroborado sempre por uma mídia muitas vezes irresponsável, antiética, sem
compromisso nenhum com a solução adequada para os problemas, por meio de
políticas públicas de prevenção de restauração ou da ressocialização do
delinquente. Tudo que esse tipo de mídia deseja a qualquer preço é manter o
ibope.
Precisamos urgentemente combater as causas
que geram os crimes. Lamentavelmente, a imprensa quando prioriza o crime e a
pessoa do criminoso expondo-os exaustivamente ao invés de aprofundar-se nas
causas que conduzem ou induzem ao crime contribui apenas para nutrir ainda mais
o preconceito e estimular o sentimento de revanche.
A solução virá no enfrentamento das causas
que levam o homem a cometer delitos, e algumas delas (no que diz respeito aos
crimes clássicos ou tradicional) são indiscutíveis: a má distribuição de renda,
a péssima qualidade da educação, da saúde, de moradia, de transporte, a falta
de opção de cultura, lazer, esportes e entretenimento as classes pobres, a
gritante falta de justiça, de acesso a um melhor trabalho, dentre outras.
No caso do preso a dedução é óbvia: se
prendo um ladrão e deixo essa pessoa ociosa a ouvir e sofrer toda espécie de
barbárie, trancafiado à mercê de mentes doentes, carrascos, sem nenhuma
garantia de vida, sujeito a qualquer tipo tortura, o que posso esperar dessa
pessoa quando finalizar sua pena? Obvio que alguém infinitamente pior do que quando
entrou no cárcere! Todavia, se prendemos um delinquente e, com disciplina,
respeito, o submetemos a um programa árduo de trabalho e estudos, por meio de
cursos profissionalizantes compatíveis com a demanda do mercado, claro que
podemos ter um ser humano melhor.
Com direito a práticas esportivas, cultos
religiosos e treinamentos que possam alterar seus conceitos, para que pense na
sua má formação ética moral e cívica, direcionando-o de forma que ele enxergue
uma nova expectativa de vida, uma nova perspectiva de futuro, estaremos dando
de fato a essa pessoa uma chance concreta de mudanças de hábitos, atitudes, de
caráter.
E quando essa pessoa terminar de cumprir
sua pena, será uma pessoa emocional e profissionalmente melhor preparada para
enfrentar o mundo fora das grades honestamente. Ainda assim teremos
reincidentes? Sim! Mas infinitamente menos do que acontece hoje por causa da
barbárie com que os presos são tratados, ao invés de ressocializados.
Está comprovado cientificamente que o ser
humano muda, e continua mudando enquanto viver. Tudo depende do tipo de
alimento físico, psicoemocional, mental, espiritual que essa pessoa vai ser
alimentada. Todos sabem que o ser humano é composto de virtudes e defeitos.
Todo ser humano, até aquela pessoa que julgamos um monstro, no fundo tem as
mesmas matérias-primas que os demais seres humanos: virtudes e defeitos. E ele
sempre dará respostas proporcionais aos investimentos recebidos no cárcere. É
tão óbvio esse exemplo, tanto quanto real e verdadeiro!
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