quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

População carcerária: Educadora enfatiza que maus tratos geram reincidência

80% de Reincidência é compatível com os investimentos em torturas utilizados em nossos cárceres


*Conceição Cinti
A pena privativa de liberdade além de ser a contrapartida do Estado ao transgressor da lei tem como função a ressocialização do preso visando a sua posterior reinserção na sociedade. Quando um delito acontece, no auge da emoção costumamos revelar nossos sentimentos mais atávicos, como a vingança.

Muitos buscam na pena exclusivamente a vingança pelo crime. Por essa razão acham que a pessoa presa perde não apenas seu direito de liberdade, mas também seus direitos e garantias individuais, sendo natural que o preso fique refém de toda a sorte de crueldades.

Por mais forte que seja esse sentimento de vingança comum aos seres humanos temos que civilizadamente desenvolver e promover outros sentimentos, próprios das sociedades evoluídas maduras: de justiça e de solidariedade com as vítimas do crime e as vítimas das atrocidades do sistema carcerário.


Na prática, lamentavelmente, nossos cárceres são redutos de crueldades, palco para o desrespeito aos direitos humanos dos presos. A sociedade ainda não enxerga que fatos como esses redundam em mais violência indiscriminada contra a sociedade. De maneira transparente esses fatos são elucidados nos excelentes artigos do renomado Jurista Luiz Flávio Gomes.

O sentimento desmesurado de vingança parte do clamor público e é absorvido e alardeado pela mídia; chega em seguida aos olhos e ouvidos dos promotores e juízes que, pressionados, empenham-se em elevar o percentual de presos, especialmente os provisórios. Em 1990 era um contigente de 18% e alcançou o altíssimo percentual de 44% em 2010. Isso precisa ser racionalmente contido como medida preventiva e justa, suavizando o torturante sistema carcerário brasileiro.
As pessoas nunca são capazes de se colocar no lugar do outro, do preso, da família do preso, mais especificamente, dos pais do preso, da mãe do preso. A pena que legalmente não pode ultrapassar a pessoa do delinquente, na prática, atinge seus familiares de uma forma esmagadora: sem exceção, todos são tratados como delinquentes.

Pessoas que agem dessa forma estão alheias à realidade. O ser humano é complexo, imprevisível, nunca nos imaginamos agente ativo de um delito, como se o ser humano fosse alguém totalmente presumível, pleno apenas de virtudes, invariavelmente o mesmo. O ser humano, não importa a classe social a que pertence, em sua maioria, é incapaz de compreender e gerir com êxito seus próprios conflitos internos e externos de onde advêm as tragédias. Mas esse raciocinio não funciona para o delinquente pobre.

É evidente que o crime fere a sociedade e tal fato precisa de uma resposta justa do poder público. Uma resposta que extrapole a barreira da comoção inoperante, causada pelo clamor público corroborado sempre por uma mídia muitas vezes irresponsável, antiética, sem compromisso nenhum com a solução adequada para os problemas, por meio de políticas públicas de prevenção de restauração ou da ressocialização do delinquente. Tudo que esse tipo de mídia deseja a qualquer preço é manter o ibope.

Precisamos urgentemente combater as causas que geram os crimes. Lamentavelmente, a imprensa quando prioriza o crime e a pessoa do criminoso expondo-os exaustivamente ao invés de aprofundar-se nas causas que conduzem ou induzem ao crime contribui apenas para nutrir ainda mais o preconceito e estimular o sentimento de revanche.

A solução virá no enfrentamento das causas que levam o homem a cometer delitos, e algumas delas (no que diz respeito aos crimes clássicos ou tradicional) são indiscutíveis: a má distribuição de renda, a péssima qualidade da educação, da saúde, de moradia, de transporte, a falta de opção de cultura, lazer, esportes e entretenimento as classes pobres, a gritante falta de justiça, de acesso a um melhor trabalho, dentre outras.

No caso do preso a dedução é óbvia: se prendo um ladrão e deixo essa pessoa ociosa a ouvir e sofrer toda espécie de barbárie, trancafiado à mercê de mentes doentes, carrascos, sem nenhuma garantia de vida, sujeito a qualquer tipo tortura, o que posso esperar dessa pessoa quando finalizar sua pena? Obvio que alguém infinitamente pior do que quando entrou no cárcere! Todavia, se prendemos um delinquente e, com disciplina, respeito, o submetemos a um programa árduo de trabalho e estudos, por meio de cursos profissionalizantes compatíveis com a demanda do mercado, claro que podemos ter um ser humano melhor.

Com direito a práticas esportivas, cultos religiosos e treinamentos que possam alterar seus conceitos, para que pense na sua má formação ética moral e cívica, direcionando-o de forma que ele enxergue uma nova expectativa de vida, uma nova perspectiva de futuro, estaremos dando de fato a essa pessoa uma chance concreta de mudanças de hábitos, atitudes, de caráter.

E quando essa pessoa terminar de cumprir sua pena, será uma pessoa emocional e profissionalmente melhor preparada para enfrentar o mundo fora das grades honestamente. Ainda assim teremos reincidentes? Sim! Mas infinitamente menos do que acontece hoje por causa da barbárie com que os presos são tratados, ao invés de ressocializados.

Está comprovado cientificamente que o ser humano muda, e continua mudando enquanto viver. Tudo depende do tipo de alimento físico, psicoemocional, mental, espiritual que essa pessoa vai ser alimentada. Todos sabem que o ser humano é composto de virtudes e defeitos. Todo ser humano, até aquela pessoa que julgamos um monstro, no fundo tem as mesmas matérias-primas que os demais seres humanos: virtudes e defeitos. E ele sempre dará respostas proporcionais aos investimentos recebidos no cárcere. É tão óbvio esse exemplo, tanto quanto real e verdadeiro!

*Conceição Cinti. Advogada. Educadora. Especialista em Tratamento de Dependentes de Substancias Psicoativas, com experiência de três décadas. 

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