A demora acentuada na concessão de benefícios aos condenados é um dos
fatores que contribuem para a evidente fragilidade do sistema prisional
brasileiro. Ademais, o abandono do preso após a condenação é gritante, seja por
parte do Estado, seja por parte dos demais operadores do Direito, especialmente
os advogados. Para alguns desses defensores, o trabalho já fora cumprido na
defesa até o trânsito em julgado da sentença, esquecendo estes dos incidentes
de execução ou, se não foram esquecidos, agora já poderão ser tratados pelos
advogados mais "simples", tendo em vista que a tragédia maior já
aconteceu, qual seja, a condenação, sendo o resto suportável.
Nesse sentido precisamos avocar nossas próprias omissões, seja o
magistrado na aplicação da pena e demais procedimentos, seja o promotor na
acusação, seja o delegado na investigação criminal, seja principalmente o
advogado que deve cumprir o seu papel de acordo com os ditames da dignidade da
pessoa humana, atento ao seu primordial trabalho na administração da justiça.
Incluem-se também os profissionais da área de execução penal (agentes
penitenciários) que embora não tenham o reconhecimento de seu trabalho por
grande parte da sociedade são essenciais na busca de um futuro de
transformações na área carcerária.
Outro ponto de vista que deve ser analisado é o exposto pela socióloga
Julita Lemgruber, que aponta uma solução. Para ela, uma maior racionalidade na
imputação das penas alternativas e o empenho do Estado na melhoria dos
presídios existentes e na construção de novos são fundamentais para resolver o
problema.
Nesse sentido, a racionalidade da imputação das penas deve ser observada
por todos os operadores da sistemática penal, pois algumas penalizações só
fazem aumentar a população carcerária e estimular a fábrica de delinquentes.
Podemos vislumbrar na prática tal pensamento nos casos em que pessoas
ingressam no sistema carcerário após terem cometido um crime famélico (ex.:
furtar uma lata de leite). O crime de furto caracteriza crime contra o
patrimônio, apenado com reclusão de 1 a 4 anos e multa (art.155, CP) e nos
casos qualificados a sanção é de 2 a 8 anos. Eis a indagação: mas até onde
existe o animus dolandi quando fica evidente a singular pretensão de saciar o
grande legado da pobreza, ou seja, a fome? Tal reflexão coaduna com o
seguinte verbete necessitas facit justam quod de jure non est
licitum (a necessidade faz justo o que de direito não é permitido). Tal
fato ocorre tendo em vista grande parte da população ainda sobreviver abaixo da
linha da pobreza. Cabe ressaltar que não convém àquele que furta alimentos a
pretensão de aumentar seu patrimônio. Nesse sentido, incide o que a doutrina
penal chama de necessitas inevitabilis.
Enfim, a superlotação e suas nefastas consequências encontram-se
visíveis a todos da sociedade, não sendo preciso ser um expert em sistema
prisional para concluir o evidente déficit de vagas existentes nos
estabelecimentos penais. A título de exemplo podemos destacar os dados
fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional, que indicam um déficit de
mais de 180.000 vagas em todo o País. São quase 500 mil presos no país, em um
sistema prisional que só tem capacidade para 260 mil detentos.
Privilégios e corrupção nas prisões
Um fenômeno rotineiro nas prisões é a corrupção, em que alguns agentes
públicos recebem vantagens indevidas (propinas) oferecidas pelos presos para a
obtenção de certos privilégios. Isto acontece ora por parte da população
carcerária privilegiada com determinadas vantagens pessoais, ora porque as
relações existentes na prisão celebram-se com o envolvimento de dinheiro e do
tráfico de drogas. A corrupção é verificada pelos órgãos de segurança quando
realizam vistorias e operações internas em busca de objetos proibidos.
Em 21 de agosto de 2002, o Batalhão de Choque da Polícia Militar de
Pernambuco realizou uma grande operação no Presídio Professor Aníbal Bruno,
bairro Curado, em Recife, onde encontrou 3.450 detentos, basicamente presos
aguardando julgamento. Nessa operação foram encontrados em poder dos reclusos
telefones celulares, barrotes de madeira, filmadora, cachimbos para o uso de
crack, maconha e "chunchu" (facas artesanais), além de dois aparelhos
de telefones convencionais, segundo noticiou à época o jornal Diário de
Pernambuco
Tal fato comprova o poder de comunicação dos detentos com as pessoas que
se encontram fora dos presídios, culminado muitas vezes em sequestro, comando
do tráfico de drogas e em extorsões, além da corrupção efetiva dos agentes de
segurança prisional no tocante à entrada de entorpecentes e objetos escusos que
indubitavelmente adentram aos presídios durante as visitas familiares e
íntimas.
Em decorrência dessa rede de corrupção surgem alguns privilégios para os
detentos. Contudo tais regalias só são oferecidas aos que podem pagar por elas,
uma supremacia do mais forte sobre o mais fraco. O Diário de Pernambuco
denunciou no ano de 2006 as mordomias que alguns presos tinham no Presídio
Professor Aníbal Bruno: os detentos chegavam a pagar até três mil reais para
ter privilégios e para reformar a própria cela, podendo assim usufruir de
suítes de luxo, com direito à luz de neon, toda em cerâmica, equipada com
aparelho de televisão de tela plana e home theater. Além disso, acesso à TV por
assinatura e chuveirões para se refrescar do calor, sem falar no serviço de
entrega de pizza "em domicílio" e plantação particular de maconha. Na
contramão dos que dispõem de tanto luxo, alguns reclusos são obrigados a
conviver em celas apertadas e alguns chegam a dormir até no banheiro por falta
de espaço nas celas.
A ociosidade do recluso
A falta de ocupação ou de trabalho dos presos vem sendo um grande
problema no sistema penitenciário, visto que o detento ocioso tem tempo para
arquitetar as suas maquinações delinquenciais. Diz a sabedoria popular que
"cabeça vazia e mãos desocupadas são as melhores oficinas do diabo".
A ociosidade faz com que os presídios sejam transformados em base de comando
para os detentos, uma vez que eles comandam o crime dentro e fora da prisão.
Desse modo, o Estado gasta dinheiro público, não consegue reabilitar o apenado,
e a sociedade continuará sem segurança quando esse recluso voltar ao seio
social. Importante acrescentar que aproximadamente 82% dos detentos no Brasil
não trabalham.
Nesse sentido, tem toda razão o professor Roberto Porto quando afirma
que o preso ocioso é caro, inútil e nocivo à sociedade. No Brasil, o custo
mensal do preso é três vezes maior do que a manutenção de um aluno na escola
pública do ensino fundamental.
Organizações criminosas
O surgimento das facções criminosas tem sua origem mais conhecida em
1860, nos Estados Unidos, com o sindicato do crime - ou máfia, formada
basicamente de imigrantes italianos, uma das mais antigas e conhecidas facções
criminosas. Essas embrionárias facções criminosas são as raízes do crime
organizado de hoje, uma vez que suas finalidades se confundem entre elas. Desse
modo, atuam com fortes investimentos ilegais, narcotráfico, prostituição, jogos
ilegais e contrabando de armas.
No Brasil, o primeiro registro de facção criminosa é com o Comando
Vermelho (CV), criado em 1979, no Presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande,
localizado no Rio de Janeiro. Tudo começou a partir da convivência entre presos
comuns e militantes de grupos armados, que na época combatia o outro mal que
era a ditadura militar. A formação de facções criminosas ganhou mais força com
o nascimento do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Estado de São Paulo,
precisamente na Casa de Custódia e Tratamento Dr. Arnaldo Amado Ferreira, de
Taubaté, em agosto de 1993. Tal facção ganhou mais notoriedade após a rebelião
simultânea ocorrida em 2001, no Estado de São Paulo. Cabe salientar que essas
organizações criminosas tendem a se disseminar principalmente pela constante transferência
de presos para outros estabelecimentos penais.
Diante de uma síntese exemplificativa de algumas facções criminosas,
está comprovado que tais organizações proliferam por todo o País. Cabe
salientar que agora de fora para dentro dos presídios. A formação de grupos
mafiosos em um sistema marcado pela macrocomunidade prisional é uma das mazelas
derivadas da superlotação.
A proliferação dessas facções criminosas também é resultado da má
administração e da precariedade dos sistemas prisionais estaduais. Nessas
facções sempre emergem líderes e liderados, organizando grupos para comandar as
penitenciárias brasileiras.
Saúde pública
A saúde pública no sistema prisional é inexistente. O Censo
Penitenciário Nacional, realizado em 1994, indicou que 1/3 da população
carcerária é portadora do vírus HIV. Isto se deve às instalações precárias,
grande circulação e migração de pessoas, insalubridade, falta de atendimento
médico, além das práticas de risco existentes nos presídios brasileiros - por
exemplo, o uso de drogas e as relações sexuais sem a devida prevenção.
A situação da saúde pública nos presídios é tão degradante que na
maioria das vezes o preso tem que sair da unidade prisional para receber o
tratamento médico adequado. Os ambulatórios que sobrevivem à má administração
não possuem as mínimas condições para a devida assistência médica. Dessa forma,
os presídios são um importante meio de transmissão da tuberculose e de
desenvolvimento de formas resistentes da bactéria causadora da moléstia.
Impende salientar que as doenças não ficam restritas aos muros dos presídios,
pois muitas são levadas para a sociedade pelos servidores penitenciários, bem
como pelos parentes dos presos, e com as visitas íntimas a sua propagação só
faz aumentar.
Segundo o Ministério da Saúde, as principais doenças verificadas nos
presídios do País são tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis (DST),
hepatite e dermatoses. As doenças infectocontagiosas saem dos presídios pelo
contingente de cerca de 200 mil servidores prisionais, que têm contato direto
com a população carcerária, pois são funcionários que passam oito horas no
serviço e voltam à sua comunidade.
Portanto, fica evidente a urgência do poder público em se movimentar
para ao menos diminuir o contágio das doenças, bem como fiscalizar e criar
meios que forneçam assistência médica nos presídios, garantindo, dessa forma, a
dignidade da pessoa humana
A morosidade processual e os erros do Judiciário
A falta de agilidade processual tem sido umas das mais cruéis e
desumanas mazelas, uma vez que tortura os criminosos não perigosos e concorre
para a degeneração dos presos provisórios. Muitos desses detentos costumam
passar anos nas cadeias do Brasil sem ao menos terem sido condenados.
Tal morosidade ainda é pior quando se trata de erro judiciário, como foi
o caso de Marcos Mariano da Silva, ex-mecânico, que foi preso em 1979, acusado
de ter praticado um homicídio. Ele ficou preso - sem sequer ser julgado - por
19 anos. Parte desse tempo no Presídio Professor Aníbal Bruno, onde, em 1992,
durante uma rebelião, policiais invadiram o presídio e detonaram bombas de
efeito moral nas celas e pavilhões. Recolhido na cela cinco do pavilhão B,
Marcos Mariano da Silva foi atingido no olho esquerdo por estilhaços de uma
granada e perdeu a visão depois de seis meses. O olho direito também foi
afetado e, em 1997, o ex-mecânico ficou cego. Interessante ressaltar que o erro
só foi detectado em 1998, durante um mutirão judicial para a avaliação de
processos no presídio. O erro judicial foi ocasionado por conta de um quase
homônimo do ex-mecânico Marcos Mariano da Silva, o verdadeiro criminoso, Marcos
Mariano Silva.
O fato é que a morosidade processual e o erro judiciário influenciaram
para que um inocente fosse depositado em um presídio com celas superlotadas,
acompanhado de criminosos de alta periculosidade. Tenho a certeza de que não é
difícil encontrar pessoas presas nos presídios brasileiros sem ao menos terem
sido julgadas, além daquelas que passam meses e até anos presas por furtarem
pão e margarina porque tinham necessidade de se alimentar e não tinham dinheiro
para tanto. Por isso, se faz necessário acelerar a máquina processual para que
pessoas não sejam depositadas em prisões por causa de erros judiciais ou por
furtos famélicos. Claro que devemos punir quem furta, mas com a medida certa.
Tanto é assim que temos em nosso ordenamento a previsão das alternativas legais
(penas restritivas de direito).
Perspectivas e soluções
Ex positis, pode-se concluir que o sistema prisional brasileiro não
possui mecanismos que assegurem o objetivo primordial da pena privativa de
liberdade, qual seja, a ressocialização do apenado, tendo em vista que a
realidade do sistema carcerário encontra-se representada pelo sucateamento da
máquina penitenciária, o despreparo e a corrupção dos agentes públicos que
lidam com o universo penitenciário, a ausência de saúde pública no sistema prisional,
a superpopulação nos presídios, a convivência promíscua entre os reclusos, a
ociosidade do detento, o crescimento das facções criminosas dentro das unidades
prisionais, dentre outros os efeitos criminógenos ocasionados pelo cárcere, bem
como a omissão do Estado e da sociedade.
A crise carcerária só poderá ser resolvida quando a sociedade e os
políticos tiverem vontade de solucionar o problema. Para tanto, é preciso a
erradicação dos preconceitos em relação ao preso e ao ex-presidiário por parte
da sociedade.
Assim sendo, é preciso criar políticas públicas e sociais para
erradicação da pobreza, gerar empregos, reestruturar a educação fundamental,
investir em estudos atinentes à prevenção da criminalidade, avaliando, desta
forma, os fatores que condicionam o indivíduo a praticar crimes e
posteriormente garantir a possibilidade de ressocialização. Não é suficiente o
tratamento das patologias criminais após o cometimento do delito, se faz
necessário um comprometimento das autoridades públicas e da sociedade antes
mesmo de o delito acontecer.
Sande Nascimento de Arruda
Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Barros Melo - Aeso; pós-graduado em Direito Público pela Escola de Magistratura de Pernambuco; advogado e assistente do 1º Juizado Especial Cível de Olinda/PE; sócio-fundador do escritório Arruda, Cavalcanti e Sousa Advogados e Consultoria Jurídica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Sua visita foi muito importante. Faça um comentário que terei prazaer em responde-lo!
Abração
Dag Vulpi