A prefeitura do Rio de
Janeiro deve anunciar no início de 2013 um plano municipal para atendimento
mais adequado aos usuários de crack. Segundo o secretário municipal de
Saúde, Hans Dohmann, o Rio ampliou o atendimento básico em saúde e agora vai
melhorar o atendimento especializado ao usuário de drogas. Segundo ele, no novo
plano, serão incorporados políticas definidas pelo Ministério da Saúde e os
marcos legais que regulam essa ação e esse tipo de atendimento, “além de ser
coerente com os aspectos técnicos definidos por especialistas da área”.
De acordo com a subsecretária de Atenção à
Saúde do estado, Mônica Martins, o problema do consumo decrack é mais
grave nas regiões metropolitanas, mas o trabalho é desenvolvido nos 92
municípios. Segundo ela, os novos gestores vão receber o plano e terão a missão
de fomentar as políticas de saúde mental como um todo, não só de álcool e
outras drogas.
A coordenadora do Fórum Intersetorial de
Atenção ao Uso de Álcool e Drogas, Ana Lúcia da Silva, lembra que o estado
aderiu à Rede de Atenção Psicossocial em fevereiro deste ano e, em novembro,
encaminhou ao Ministério da Saúde os planos de ação regionais.
Somente no município do Rio, estão previstas
a instalação 17 centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e unidades de
Acolhimento (UA), além de 15 unidades de Serviços Residenciais Terapêuticos,
com intuito de ampliar o atendimento fora do ambiente hospitalar.
De acordo com Ana Lúcia, é necessário
combater o estigma e o preconceito que envolvem os usuários de drogas. “Os
desafios são ampliar e qualificar essa rede, desmistificar a centralização do
cuidado na internação, que é uma prática de exclusão, bem como da internação
compulsória como resposta ao fenômeno do crack, repensar a lógica do
recolhimento compulsório e intervenção policial com os usuários, organizar
ofertas de cuidado nessas cenas, para promover de fato saúde e cidadania.”
O superintendente de Políticas sobre Drogas
da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Leonardo
Percoraro, explica que o estado assumiu os compromissos, dentro do programa
federalCrack, É Possível Vencer, de reordenar clínicas populares, criar
seis centros de Atendimento regionalizados (Cares), para complementar o Sistema
Único de Assistência Social (Suas) e o Sistema Único de Saúde (SUS), além de
fortalecer as instâncias já existentes e regular as vagas disponíveis,
monitorando e sistematizando a rede de atendimento especializado.
De acordo com Percoraro, que apresentou dados
do Observatório de Gestão e Informação sobre Drogas do Estado do Rio de
Janeiro, já existem três Care funcionando, que oferecem 140 vagas. De janeiro a
outubro deste ano, a rede atendeu 719 usuários, sendo que quase 30% usaram
cocaína na forma inalada e 15% tinham usado crack. O álcool foi mencionado
por 11% dos usuários e 10% tinham consumido álcool e cocaína e pouco mais de 3%
tinham fumado maconha.
O assessor da área técnica de Saúde
Mental do ministério, Aldo Zaiden, explicou que o enfrentamento aocrack e
outras drogas é uma responsabilidade que deve ser compartilhada. Para ele, o
enfrentamento do problema deve ser pragmático, mesmo que seja necessário adotar medidas
polêmicas como as instituídas em Bogotá, na Colômbia. “Bogotá
implantou salas de uso, com acolhimento real e política de redução de danos. A
ideia não é incentivar o uso das drogas, mas minimizar os danos que elas
causam, pensar na pessoa e nos seus direitos.”
Ele cita também os consultórios de rua,
carro-chefe do programa federal, formados por uma equipe de médicos,
psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos. Esses consultórios
estarão nas áreas da cidade onde se concentram os dependentes químicos para
fazer a aproximação com os usuários nas ruas. Zaiden ressalta que “a internação
é o último recurso e depende de avaliação por profissionais de saúde, não por agentes
da segurança pública”. |
24/12/2012 -
Especialistas criticam internação compulsória para usuários de crack e defendem política de redução de danos
A maior dificuldade no enfrentamento ao uso
de crack e outras drogas é a inexistência de uma rede de assistência
forte e a falta de investimento dos governos nos últimos anos, analisa o
psiquiatra Paulo Amarante, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidente da Associação Brasileira de Saúde
Mental (Abrasme).
“Desde 2002 existe uma legislação no Brasil
que criava os centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPs), que
hoje são raríssimos. O governo federal, os estados e municípios não
investiram”, afirma o pesquisador.
Para ele, o serviço oferecido pelos CAPs é
eficiente por não trabalhar com a exclusão nem com a internação compulsória.
“Ele não interna no sentido clássico, mas tem que ter leitos 24 horas, leitos
de assistência, onde as pessoas sentem que são atendidas sem perder os seus
direitos. A grande questão da internação compulsória, de todo tratamento feito
sem vontade, é que ele tem baixa eficácia.”
Segundo Amarante, de 95% a 97% das pessoas
internadas contra a vontade, seja de forma involuntária ou compulsória,
retornam ao uso da droga. “Porque a pessoa não vai para a droga só pela droga,
ela vai para a droga por alguma necessidade interna, alguma coisa social,
alguma questão da sua estrutura familiar ou social que não dá conta do seu
sofrimento, do seu vazio, não dá conta de algo que ela precise, então ela busca
a droga”, relata.
Além da ampliação dos serviços
ambulatoriais, Amarante defende a política de redução de danos, já implantada
em diversos países. “Em vez de a pessoa usar o crack lá na rua, onde
pode se cortar com a lata, ela tem um local onde é assistido. Pode parecer
polêmico, mas é um certo preconceito, da nossa ideia de tratamento, de que tem
que ser com uma abstinência completa”, diz.
“Se a pessoa está com uma carência, está
com uma necessidade, é difícil de administrar. Você pode fazer drogas
substitutivas, administradas. Quando chegam os redutores de risco, primeiro o
usuário vê com desconfiança, depois vê que eles estão ajudando, e chega uma
hora que a pessoa pergunta como ela faz para se tratar e sair daquilo”,
completa.
O psiquiatra lembra da importância dos
consultórios de rua, para fazer a abordagem e criar vínculos com os usuários.
“Os redutores de risco se apegam àquilo que existe dentro de todo mundo, que é
a vontade de melhorar, a vontade de se cuidar. Muitas vezes, o usuário está
desesperado, sem domínio desse controle, aí se entregam às drogas”. Amarante
cita também a inclusão pela arte como uma solução que tem obtido sucesso em
vários lugares.
Especialista em psiquiatria forense e
membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, o médico Talvane de Moraes
afirma que o investimento em saúde mental no Brasil caiu muito de 1993 para
2011, com a redução de 120 mil leitos para cerca de 32 mil. Ele defende que a
internação só deva ser usada como último recurso e a partir de uma relação
médico-paciente, nunca por ordem judicial. “A internação psiquiátrica é um ato
médico. A Constituição de 1988 preconiza a prevalência da vida e da liberdade,
então qualquer modalidade de internação só será indicada quando os recursos
extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. A internação deve ser usada
sempre como exceção.”
A psicóloga Luana Ruff, pesquisadora do
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ),
lembra que o crack é uma droga de ação e dependência muito rápidas.
“O crack é uma droga que causa devastação, muitos usuários se
encontram em situação de rua e as pessoas têm dificuldade de procurar
tratamento.”
Como caminhos para minimizar o problema,
Luana aponta o trabalho em rede. “A abordagem clínica individualizada, com
consulta médica, consulta psicológica, tratamento prioritariamente
ambulatorial, equipe multidisciplinar e consultório na rua, para a criação de
vínculo para, a partir daí, o usuário procurar a assistência”.
O professor da Escola de Serviço Social da
UFRJ Eduardo Mourão Vasconcelos destaca que o crack chamou a atenção
da sociedade porque, pela primeira vez, o uso da droga está chegando aos locais
públicos no Rio de Janeiro.
“A cidade reterritorializa a pobreza, mas
houve mudanças nessa dinâmica. A partir da década de 70, a territorialização
muda, com formas mais humanizadas de tratamento. Mas é comum que as cidades
turísticas e que recebem mega eventos esportivos ou culturais adotem a limpeza
urbana e políticas higienizantes”, relata. De acordo com ele, com a rápida
chegada do crack na cidade nos últimos cinco anos, houve uma
tendência de se “apelar para a limpeza urbana” – com
ações como a retirada, pela Polícia Militar, de usuários das ruas e o
encaminhamento para centros de reabilitação compulsórios. Para
Vasconcelos, entretanto, “o vazio assistencial não justifica a internação
compulsória em massa”.
O médico Luiz Carvalho Netto, coordenador
de enfermaria da Unidade Docente-Assistencial de Psiquiatria do Hospital
Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), lembra que, apesar de o álcool ser a droga que causa mais danos à sociedade,
o crack causa mais problemas ao indivíduo.
De acordo com ele, o Brasil é o maior
consumidor de crack e o segundo de cocaína, atrás apenas dos Estados
Unidos. “Como perfil, nós temos como usuários homens adultos jovens, de baixa
escolaridade e baixa faixa de renda, com família desestruturada e envolvimento
em atividades ilegais. Cerca de 45% das pessoas experimentam a cocaína antes
dos 18 anos e os usuários começam com drogas lícitas, como cigarro e álcool,
até chegar ao crack.”
Para o tratamento, Netto aponta que o
acesso a consultas precisa ser mais rápido, já que há uma tendência de o
usuário desistir do tratamento na medida em que aumenta a espera pela primeira
consulta.
24/12/2012 -
Retirada de usuários de drogas das ruas foi ação de segurança pública e não de assistência social, diz promotor
O promotor de Justiça de Defesa da
Cidadania, Rogério Pacheco, criticou as operações, feitas ao longo dos últimos
anos, para retirada de usuários de drogas das ruas do Rio de Janeiro. Na
avaliação dele, as ações da Secretaria de Ordem Pública buscaram mais a
perspectiva da segurança pública e não a da assistência social.
“São operações de enxugar gelo, porque as
pessoas são recolhidas aos abrigos do município e lá não permanecem, porque
esses abrigos ainda carecem de uma estrutura adequada e por conta da falta de
uma política no município para o atendimento dessas pessoas.”
Desde março de 2011, a Secretaria Municipal
de Assistência Social faz ações de retirada das ruas e acolhimento dos
usuários, em parceria com órgãos de segurança. Em 2011, foram 63 operações que
contabilizaram 2.924 acolhimentos, sendo 2.476 adultos e 448 crianças e adolescentes.
Em 2012 foram 3.025 acolhimentos, com 2.695 adultos e 330 crianças e
adolescentes, em 77 operações.
Apesar das críticas ao acolhimento de
usuários de drogas, a subsecretária de Proteção Social Especial, Monica Blum,
defende que o trabalho “é fundamentado, embora não seja perfeito”, mas que
precisa envolver todos as esferas de governo. “O trabalho é dinâmico e vem
sendo feito. Mas a política [de atendimento ao usuário] precisa ter todos os
setores, serviços e esferas do governo juntas. O momento de recolher e levar
para o abrigo é importante, mas não resolve”, admite Monica.
Para ela, é preciso discutir o que fazer
com o usuário. “O usuário merece respeito e que sejam feitas políticas públicas
para eles. Não podemos nos conformar com o que a gente faz, precisamos oferecer
sempre algo melhor”, diz a subsecretária. De acordo com Monica, o
governo está discutindo um novo modelo de atendimento.
Para crianças e adolescentes que tiverem a
dependência química comprovada por especialistas, o abrigamento é compulsório.
Ao serem localizados, esses jovens são encaminhados para uma das três centrais
de recepção da Secretaria Municipal de Assistência Social, onde passam por
triagem e avaliação psicológica, clínica e nutricional.
Durante o período de abrigamento
compulsório, é feito um trabalho para a reaproximação com a família e a
reinserção social, com matrícula na escola e em atividade complementar. A secretaria
conta com cinco centros especializados de Atendimento à Dependência Química,
além da Unidade Municipal Casa Viva, para o abrigamento compulsório. Todos têm
equipes multidisciplinares compostas por médicos, enfermeiros, psicólogos,
educadores, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. Ao todos, essas
unidades oferecem 178 vagas. Atualmente, 123 crianças e adolescentes estão
abrigadas compulsoriamente: 60% são meninos, metade tem entre 13 e 15
anos, 35% têm entre 16 e 17 anos e 15% são menores de 12 anos.
O crack foi a droga mais
utilizada pelas crianças e pelos adolescentes abrigados, seguida pela maconha,
cigarro, zirrê [droga que combina crack e maconha] e cocaína. Entre
os acolhidos nas ruas e nas cracolândias, 40% foram encaminhados para a rede de
proteção social e 60% são de outros municípios, sendo encaminhados para
conselhos tutelares de suas regiões. Do total, 24% são reincidentes. Cerca de
metade das crianças e adolescentes acolhidos compulsoriamente não recebeu uma
única visita familiar.
No caso dos adultos, não há abrigamento
compulsório. Mas para o usuário de droga que desejar atendimento, foi
inaugurada, em 2011, a primeira Unidade Municipal de Reinserção Social Rio
Acolhedor, com 422 vagas. No local, é feita avaliação e os usuários são
orientados a procurar o atendimento contra a dependência química nos centros de
Atenção Psicossocial (CAPs), mantidos pela Secretaria Municipal de Saúde.
Dentro do programa Rio Acolhedor, os
abrigados têm oportunidade de fazer alfabetização para jovens e adultos,
capacitação profissional, esportes e apoio a dependentes químicos, além de
poder tirar nova documentação. As equipes contam com assistentes sociais,
educadores, psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, professores de educação
física, enfermeira e nutricionista. São 438 vagas em unidades próprias do
município e 100 vagas em instituições conveniadas.
De acordo com perfil traçado pela
Secretaria Municipal de Assistência Social, a população de rua adulta do Rio de
Janeiro é composta, na maioria, por homens (76%). O principal motivo que leva
as pessoas a essa situação é o alcoolismo e o uso de drogas (58%), seguido de
conflito familiar (26%) e desemprego (10%). Aparecem também como motivo a
violência na comunidade (4%) e a situação de exploração sexual (2%).
A coordenadora-geral de serviços de
acolhimento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combater à Fome, Mariana
de Sousa Machado Neris, lembra que o problema é muito amplo e exige atenção
individualizada. “Não existe um sujeito claramente identificável como usuário
de droga, são de todas as idades, gêneros, classes sociais, religiões, posições
sociais. Cada experiência é uma vivência singular”.
De acordo com ela, o desafio é desmascarar
o problema do crack para identificar os outros problemas do usuário.
“A abordagem tem que romper com a linha higienista, que leva o usuário à
privação de liberdade, para desenvolver uma estratégia integrada e integral,
reconhecendo o usuário como sujeito de direito, sem estigmatizar. A
responsabilidade é compartilhada entre os níveis da Federação.”
A Polícia Militar informa que apreendeu, de
janeiro a novembro deste ano, 103.399 pedras de crack em toda a
cidade. Dentro do programa federal Crack, É Possível Vencer, foram
formados 48 operadores de segurança, entre eles, policiais militares, civis e
guardas municipais, para atuar no combate à droga. Agência Brasil
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